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MAGAUHAES & MON 12 - EDITORES
AS PRAIAS DE PORTUGAL
RAMALHO ORTIGÃO
AS PRAIAS
1.
DE
PORTUGAL
GUIA DO BANHISTA E DO VIAJANTE
COM DESENHOS DE EMÍLIO PIMENTEL
^^^Qs
í-f^
PORTO
LIVRARIA UNIVERSAL
DE
MAGALHÃES & MOXIZ — Editores
12, LARGO DOS LOYOS, 14
1876 ,
TYP. DE BARTHOLOMEU H. DE MORAES
50 — Rua da Picaria — 54
1875
o MAR
Assim como quatro quintas partes do corpo humano são agua,
assim quatro quintas partes da grande corpulência do globo são
mar. Parecendo separar os homens, o bello destino eterno do mar
é reunil-os.
A bacia do Mediterrâneo confinava o mundo antigo habitado
pelos gregos, pelos phenicios e pelos egypcios. Foi pelo Medi-
terrâneo que partiram as primeiras colónias que povoaram a Afri-
ca e a Ásia, estabelecendo o principio das nossas relações com o
mundo novo. No Egypto, na Pentapotamia e na China as primitivas
civilisações seguiram, segundo Humboldt, o curso dos rios e baixa-
ram dos montes ao litoral. Na Phenicia, na Grécia, as primeiras
expedições maritimas iniciaram os nossos domínios sobre as foi ças
da natureza.
De tal modo o mar foi o primeiro guia da humanidade.
Amoravel e austero, foi elle que primeiro embalou o berço do
homem e que em seguida o acordou para os nobres trabalhos, sug-
gerindo-lhe as primeiras noções do universo.
O desenvolvimento dos estudos naturaes tem progressivamente
modificado a opinião inculta supersticiosa e aterrada de que o mar
é o insondável abysmo tenebroso e deserto.
Naturalistas americanos téem ultimamente explorado o mar a
profundidades de dois mil e setecentos metros. Huxley, o sábio
zoologista inglez, penetrou com a sonda e com a dragagem até qua-
tro mil metros no fundo do alto mar.
As explorações do leito do Oceano feitas por occasião de ser
collocado o cabo transatlântico e o cabo destinado a ligar a costa
de Argel com a Itália pelo valle submarino situado entre Cagliani
e Bòne, os trabalhos encetados com o mesmo fim no mar das Anti-
lhas, no Oceano Pacifico, no Gulf Stream, provam que o fundo do
mar é habitado na sua maior profundeza, que o interior das aguas
mais afastadas das costas téem a sua fauna.
A pressão dos mais extraordinários volumes de agua e o sue-
AS PRAIAS DE PORTUGAL
cessivo rebaixamento thermoraetrico, não esmaga a vida nos cor-
pos que encerram líquidos em vez de ar.
Os animaes extraliidos dos mais fundos recessos aquáticos a
que desceu a draga ostentam as cores mais vivas, em que pre-
dominam o roxo, o amarello e o verde. Essas diíTerentes espécies,
analysadas e reduzidas, téem perfeitamente conformados os órgãos
da visão.
Como os animaes que vivem na obscuridade são de cor som-
bria, com os olhos atrophiados, é claro que, em vez das trevas,
uma extranlia luz desconhecida penetra os valles, os despenhos, as :
cavernas mais intimas do grande leito do mar e alumia a intensa*
vitalidade de um novo mundo animal, revelado apenas aos estu-
diosos pelos mais recentes trabalhos de zoologistas como os srs.
Agassiz, Pourtalés, Wy\'ille, Thomson e JefTryes.
Guia dos homens, promotor das civilisações, revelador do uni-
verso, progenitor das idéas que determinaram o abraço fraterno da
humanidade em todo o mundo, o mar é ainda o mais poderoso
foco, o mais abundante manancial da vida.
É innuraeravel a quantidade dos animalculos microscópicos que
habitam o mar. O phenomeno da phosphorencia é principalmente
produzido por uminfusorio luminoso chamado noctiluca miliaris, de
cuja espécie existem vinte e cinco mil indivíduos em cada trinta
centímetros cúbicos d'agua!
Os foraminiferos são tão infinitamente pequenos e tão infinita-
mente abundantes que d'Orbigny contou perto de quatro milhões
d'esses indivíduos n'uma só onça de areia. Enormes tractos da ter-
ra firme são formados dos despojos de foraminiferos anti-diluvianos.
D'esta natureza é o solo em que nasce o vinho de Champagne ; téem
egual formação os rochedos que no Egypto servem de alicerce ás
pyramides, e bem assim as montanhas do CliiU e a cordilheira dos
Apeninos.
As maravilhosas ilhas de coral, que sobresahem como mira-
gens á superficie do Oceano, são verdadeiras eíílorescencias da vida
animal submarina. Essas ilhas são formadas, segundo Darwin, de
enormes agglomerações de polypos. Idêntica origem téem os vas-
tíssimos recifes dos mares da Austrália, da Nova Caledónia e do
Oceano Indico. De polypos anti-diluvianos são ainda compostas algu-
AS PRAIAS DE PORTUGAL
mas regiões continen.taes, como por exemplo a cordilheira do Jura,
sepulchro enorme de miríades de habitantes de ura mar extincto,
cujas aguas desappareceram da Europa como de um esqueleto hu-
mano desappareceu vaporisada a porção d'agua que constituía cora
elle os elementos vitaes de um antigo organismo.
Fora da legião d'esses pequeninos entes, só perceptíveis ao
microscópio, e de cuja aggloraeração se fazera as ilhas, os recifes
e as montanhas, não é menos assombrosa a fertiUdade íraraensa
do Oceano.
Cada arenque tera sessenta raíl ovos. Entre a Escossia, a Hol-
landa e a Noruega, a superfície do mar cobre-se inteiramente com
os arenques que vêem na primavera araar-se à luz do sol. Era cer-
tas passagens estreitas conta Michelet que o raar se torna solido,
que é impossível remar. Perto do Havre ura pescador encontra na
sua rede oitenta raíl peixes. Em uraa parte da Escossia, n'uraa só
noite enchem-se de arenques onze mil barricas. Em Portugal, na
costa de Espinho, no tempo da sardinha uma só rede produz 900
mil reis. Na Povoa de Varzim a importância das transacções feitas
em uma só praça eleva-sg a 20 contos. Na praia da Nazareth ainda
este anno referia ura periódico que se vendeu a carrada de sardi-
nlias por 240 reis — para estruraar a terra.
Diante da areia húmida e fremente, abandonada pela onda que
recolhe, ura sábio professor aUeraão, preraaturamente arrebatado
pela morte aos grandes estudos da vida no mar, Edward Forbes,
exclamava :
« Que pagina de hieroglyphos ! Cada linha de solo e de ro-
chedo tem por caracteres particulares figuras vivas; e cada figura
é ura raysterio. As apparencias podera ser precisaraente descriptas,
o sentido intimo foge á penetração do espirito humano. )>
No raar, tanto o vegetal corao o aniraal, encerrara uraa lição
profunda. Dizia bera lluraboldt, que o estudo do Oceano era a
principal iniciação para o conhecimento do Cosraos.
Um pequenino e obscuro aniraal basta para explicar ao obser-
vador instruído a configuração das terras e dos mares. O mollusco
8 AS PRAIAS DE PORTUGAL
OU O zoophito, apparecendo em ilhas longínquas, determinam que
em certa epocha estiveram essas ilhas ligadas aos continentes. O
caranguejo e a annelide, que habitam regiões distinctas, provam a
antiga communicapão de dois mares.
O maravilhoso aspecto da praia, na epocha das marés vivas,
quando o Atlântico descobre uma parte do seu leito, é descripto
nos seguintes termos pelo naturalista Blanchard:
«Nas primeiras rochas, tocadas apenas pela vaga durante uma
parte do dia e da noite, vivem as espécies indiíferentes á acção
do ar e da chuva; as glandes marinas, completamente fixadas á
pedra; as lapas, cujas conchas affectam a forma cónica; os búzios
ondados ; as anémonas vermelhas. Mais longe, nas partes areentas,
saltitam os crustáceos do grupo dos camarões ; a. morada dos mo-
luscos de concha bivalve é indicada por certos buracos na areia;
certos montículos trahem a presença de varias espécies de anne-
hdes, os arenicolas, de còr azeitonada e delicadas guelras; os
cirratulos, cuja cabeça é provida de uma multidão de filamentos,
que se ennovelam, contornam ou arrastam em todas as direcções ;
as sabelles, encarceradas nos seus tubos. Para além mostra-se mui-
tas vezes uma densa vegetação; é a zona dás plantas marinas, desi-
gnadas pelo nome de laminares. Aqui é maravilhoso o campo das
explorações. A vida golpha por toda a parte : os molluscos abun-
dam, os zoophitos, os vermes de todos os géneros pullulara. Sobre
as algas arrastam-se lentamente molluscos sem concha, que podem
ser contados no numero dos entes mais bellos, como são os doris
e os colides. Em certos pontos desperta a attenção uma vegetação
alvacenta. São os prados de zooteras, em que se acham profusa-
mente dissiminados os animaes. Mais longe desenha-se uma nova
zona, caracterisada pela presença das algas crustáceas chamadas
coralinas. No meio d'estas plantas vivem os polypos e uma multi-
dão de animaes, que não apparecem nunca mais perto do litoral. »
N'esta portentosa abundância quantas variedades de indivíduos,
quantas maravilhas na procreação, no organismo e nos costumes
dos habitantes do mar!
AS PRAIAS DE PORTUGAL 9
Alguns viajam em líalão, dentro do seu elemento. Dispõem de
uma bexiga natatoria, que enchem mais ou menos de ar, subindo
ou baixando até á camada de agua em que desejam ficar, e assim
caminham socegados, adormecidos.
Os mais vorazes téem dentes admiráveis, acerados, finíssimos.
Como os podem quebrar facilmente, ha uma segunda ordem de
dentes para substituir a primeira, uma terceira para substituir a
segunda. Em alguns os dentes enchem-lhes a buca, cobrem-lhes a
lingua, o paladar, a guela: verdadeiro arsenal da voracidade.
Téem as formas mais diversas, segundo as necessidades do
seu organismo e as condições do seu meio: uns parecem um ca-
vallo, outros um ouriço, outros um martello.
Ha-os espalmados e chatos, como a solha, que vive, arrastan-
do-se na areia.
Ha-os finos, esguios e com as barbataras peitoraes tão desen-
volvidas, que se erguem da agua e volitam no ar, como os exoce-
tos, os ruivos e as andorinhas do mar.
Uns são temerários, destemidos, como o histiophoro, que ataca
o homem e faz rombos nos navios, batendo-os com a sua maxilla
superior, saliente, pónte^guda, solida como um ariete.
Outros téem por arma preferida a traição, como o polvo, de
que o padre António Vieira dá a seguinte descripção, superior tal-
vez á de Victor Hugo:
O polvo com aquelle seu capello na cabeça parece um monge;
com aquelles seus raios estendidos parece uma estreita; com aquel-
le não ter osso nem espinha, parece a mesma brandura, a mesma man-
sidão. E debaixo d'esta apparencia tão modesta, oud'estahypocrisia
tão santa, testemunham contesteraente S. Basílio e Santo Ambrósio,
que o dito polvo é o maior traidor do mar. Consiste esta traição do
polvo primeiramente em se vestir ou pintar das mesmas cures, de
todas aquellas cures a que está pegado. As cures que no camaleão
são gala, no polvo são malícia; as figuras que em Protheu são fa-
bula, no polvo são verdade e artificio. Se está nos limos, faz-se
verde; se está na areia, faz-se branco; se está no lodo, faz-se par-
do; e se está em alguma pedra, como mais ordinariamente costu-
ma estar, faz-se da cor da mesma pedra. E d'aqui o que succede?
Succede que o outro peixe, innocente da traição, vae passando
desacautelado, e o salteador que está d'emboscada dentro do seu
próprio engano, lança-lhe os braços de repente e fal-o prisioneiro.
Fizera mais Judas? Não fizera mais, porque nem fez tanto; o Judas
abraçou a Christo, mas outros o prenderam: o polvo é o que abra-
ça e mais o que prende. Judas com os braços fez o signal, e o pol-
10 AS PRAIAS DE PORTUGAL
vo dos próprios brapos faz as cordas. Jud'as é verdade que foi trai-
dor, mas com lanternas diante: traçou a traição ás escuras, mas exe-
cutou-a muito ás claras. O polvo, escurecendo-se a si, tira a vista
aos outros, e a primeira traição e roubo que faz é á luz, para que
não distinga cores. Vé, peixe aleivoso e vil, qual é a tua maldade,
pois Judas em tua comparação já é menos traidor! »
As alforrecas, que apresentam na agua a forma de um bar-
rete de dormir, e parecem feitas de gelèa, umas transparentes
como vidro, outras cur de rosa como as conchas do mar do sul,
outras azues ou opalinas, são tão vorazes que engolem os crustá-
ceos e digerem-os sem os haverem mastigado.
Do ovo da alforreca sahe uma larva que se transforma n'um
polypo. D'este animal, inteiramente diverso da alforreca, nascem os
rebentos que formam a communidade do polypeiro. Mais tarde, do
polypeiro brotam uns gomos, que se transformara em alforrecas.
De sorte que a alforreca só se reprodu? nos netos. Não concebe
como mãe — a pobre alforreca! Concebe como avó.
O polypo tem uma tal força vital, que, depois de esquarte-
jado, revive em cada um dos bocadinhos era que foi partido. Tan-
tos bocadinhos, tantos polypos. Inteiro, é ura individuo; despeda-
çado é uma família; uma communidade, uma tribu.
Se o viram com o de dentro para fora, acceita corajosamente
esta situação diíficil : a sua pelle interior, que se virou para fora,
começa a respirar; a sua pelle exterior, que se virou para dentro,
começa a digerir.
Se engole um animal que se não sujeita a ser digerido, e
procura fugir pela boca por onde entrou, que faz o polypo ? mette
pela buca um braço e segura a presa no estômago. O estômago di-
gere-lhe o animal, mas não lhe digere o braço.
Quando dois polypos luctam para disputarem a mesraa presa,
o polypo raais forte engole o polypo mais fraco juntamente cora a
presa que elle linha agarrada; em seguida digere os despojos opi-
mos e vomita vivo o adversário vencido.
AS PRAIAS DE PORTUGAL 11
As estrellas do mar, de côr arroxada, que tantas vezes ap-
parecem na nossa costa, quando não podem engulir um animal
que lhes resiste, deitam o estômago de fora, e com um suco que
elle segrega entorpecem o inimigo e devoram-o depois.
Entre os crustáceos, uma espécie tomada como um symbolo
de retrocesso por aquelles que ainda imaginam que ella anda ás
arrecuas, — o caranguejo, o forte e prestante caranguejo encarre-
gado do importante serviço sanitário da limpeza das praias, re-
presenta pela sua configurapão e pela sua structura, a mais solida,
a mais poderosa, a mais terrível machina de guerra que se tem
inventado. Ao pé d 'essa fortaleza ambulante, a força do homem
armado, coberto d 'aço até os dentes, não é mais que irrisão e mi-
séria.
Devemos agradecer á natureza, diz Michelet, o ter feito os de-
cápodes tão pequenos. De outro modo quem poderia combatel-os?
Nenhuma arma de fogo os morderia. O elephante teria de se es-
conder. O tigre teria de trepar ás arvores. O próprio rhinoce-
ronte não teria segura a sua pelle tão rija e tão impenetrável.
A esbelta elegância do homem, continua o grande escriptor, a sua
forma longitudinal, dividida em três partes, com quatro grandes
appendices, divergentes, arredados do centro, fazem d'elle, por
mais que se diga em contrário, um ente fraquíssimo. Nas arma-
duras dos guerreiros, os grandes braços telegraphicos, as pesadas
pernas pendentes, dão a triste impres,são de uma creatura des-
centralisada, impotente, cambaleante, prestes a tombar ao pri-
meiro encontro. No crustáceo, pelo contrário, os appendices li-
gam-se tão juntos á massa redonda, curta, atarracada, que o me-
nor golpe que elle dá é a grande massa compacta que o vibra.
Quando o animal agarra, corta ou fura, fal-o com toda a força
que tem, porque a sua grande energia chega até a extremidade
de todas as suas armas. Tem dois cérebros (cabeça e tronco) ; mas
para se resumir, para obter essa terrível centrahsação, como se
arranja elle? Arranja-se sem pescoço, tem a cabeça no ventre. Ma-
ravilhosa simplificação. A cabeça reúne assim accumulados os olhos,
as antennas, as tenazes e as maxillas. Logo que os olhos penetran-
tes vêem, as antennas palpam, as tenazes comprimem, as maxillas
despedaçam, e pelo lado de traz, sem mais intermediário, está o
estômago, perfeita machina de esmoer, que tritura e dissolve. N'um
relance, tudo está consummado: a presa desappareceu ; ficou dige-
12 AS PRAIAS DE PORTUGAL
rida. Tudo é superior no crustáceo. Os olhos vêem para diante e
para traz. Convexos, exteriores, facetados, abrangem uma grande
parte do horisonte. As pinças ou as antennas, órgãos de indagação
e de aviso, de triplico experimentação, téem na extremidade o ta-
cto e na base o ouvido e o olpliato. Vantagem imraensa que nós
não logramos. O que não seria a mão humana, se farejasse, se ou-
visse! Em que conjuncto e com que rapidez fariamos então as
nossas observações! A impressão, dispersa pelo contrário entre três
sentidos diíferentes, que trabalham separadamente, é por esse facto
inexacta ou fugitiva. No decápode, que tem dez pés, seis d'elles
são ao mesmo tempo mãos, tenazes e ainda órgãos da respiração.
Assim, por via de um expediente revolucionário, resolve este guer-
reiro o problema que tanto aííligia o pobre molusco: «respirar
apesar da concha)). A isto, o decápode responde: «Pois eu respi-
rarei pelo pé, pela mão. Este ponto fraco — a respiração — por onde
me poderiam dominar, colloco-o na ponta da minha espada, po-
nho-o no gume das minhas armas de guerra. Ora que lhe toquem
agora, se são capazes ! »
Tal é, na eloquente phrase de Michelet, o sábio, o possante,
o valoroso, o terrível caranguejo! Se o prendem á traição por al-
gum dos seus membros, elle mesmo quebra esse membro e reti-
ra-se mutilado. Vae com um, dois ou três pés de menos, — embora!
elle tornará a crear pacientemente mais um pé, mais dois, mais
três, mais tantos pés, quantos houver sacrificado ao resgate da
sua hberdade.
O caranguejo, porém, cresce. Crescer, tornarmo-nos grandes,
é para todos nós uma responsabilidade grave. Para o caranguejo
é uma lamentosa desgraça. Tem de despir a sua invencível arma-
dura, que o sufíbca como um espartilho demasiadamente apertado,
e é obrigado a ir triste, fraco, desarmado, para debaixo de uma
pedra, fabricar pacientemente uma vestimenta nova. Todos então
o desdenham, todos o maltratam, e, como o velho leão enfermo,
elle recebe submisso o coice ultrajoso do asno. N'estas condições,
retirado dos combates, das aventuras, das viagens, entregue intei-
ramente á vida domestica, o caranguejo tem pela sua esposa uma
dedicação sublime: quando ella é aprisionada, elle, não podendo
defendel-a nem bater-se por ella, vae expontaneameute render-se,
e entrega á discrição do inimigo a sua vida saudosa e viuva.
O monstruoso tubarão, quando namorado, quando tocado de
amor, é tão desinteressado como o caranguejo, — talvez mais. Ao pri-
AS PRAIAS DE PORTUGAL 13
meiro osculo conjugal, a fêmea do tubarão engole-o. Elle, rendido,
obediente, passivo, deixa-se absorver, e permanece semanas in-
teiras, inoíTensivo e inerte, esquecido da sua voracidade, da sua
fome inextinguível, dos seus instinctos devastadores e perversos,
inútil, desditoso e lyrico, no estômago da sua amada.
Em paga de tanto aíTecto, a esposa tem com elle esta dedi-
cação heróica: não o digere. A única coisa que faz, ao ver que
o amor converte o seu marido n'um poltrão, n'um inútil, n'um
imbecil, é acordal-o. Como boa e honrada companheira, chama-o
á vida prática, á actividade e ao dever, dá-lhe os bons dias, e
vomita-o no seio das suas occupações e dos seus negócios.
Nobre procedimento bem diverso do de outras fêmeas de me-
lhor fama! A aranha, por exemplo, essa esposa execravel e indi-
gna, no dia seguiute ao do noivado põe-se a olhar para o marido
com um olhar doce, lascivo, cheio de falsidade e de traição; em
seguida cahe sobre elle de um salto, e, quando o pobre marido
imagina que vae receber um beijo, ella parte-o em bocados e co-
me-o. Não lhe come só figuradamente os olhos da cara em carroa-
gens, em tuilettes, em camarotes na Opera, como ás vezes se vê em
outra espécie ; come-ointeirameníe, htteralmente, pelo estúpido pra-
zer de o triturar, de o mastigar e de o digerir. Que indignidade e
que abuso de confiança ! O macho da aranha verde, observou o na-
turalista Balbiani, que muda de cor durante o consorcio e se con-
verte de verde em castanho : é de terror talvez, coitado, pensando
na sorte que o espera.
Do carapau, do barato e obscuro carapau, referem os natura-
listas as mais curiosas astúcias. O carapau construo uma espécie
de ninho, que é a sua alcova, com duas portas. Feita a casa, o ca-
rapau oflferece á esposa o domicilio conjugal. Se a esposa se re-
cusa a acompanhal-o, o carapau, não podendo appellar para os tri-
bunaes que mandam a mulher seguir seu marido, faz justiça
por suas próprias mãos e leva a fêmea para casa á força, agarrada
por uma barbatana. Logo que a fêmea deposita os ovos, o macho
encarrega-se de os fecundar, entrando por uma das portas do ni-
nho e expulsando a esposa pela porta contrária. Entãojfecha a porta
por onde a esposa sahiu e fica na outra, de vigia, para que os de-
mais peixes lhe não comam a ninhada.
Os carapaus são uma das poucas excepções á regra geral que
preside ao modo como os peixes se amam. A maior parte d'elles
14 AS PRAIAS DE PORTUGAL
não conhecem as mães dos seus filhos. As fêmeas, tendo deposi-
tado os ovos em logar opportuno para o seu desenvolvimento, re-
tiram-se. Os machos vêem em seguida, fecundam os ovos e reti-
ram-se também. A natureza é a grande roda d'esses eternos expos-
tos. A família do que elles procedem não se reúne nunca.
Também, o que seria de uma pobre família de peixes, se elles
se lembrassem de adoptar, crear, educar e defender todos os filhos
cora que a Providencia abençoa os seus consórcios ! Imagine-se um
desgraçado rodovalho, que põe nove milhões d'ovos ! Uma tainha,
que põe treze milhões d'ovos!
Ainda assim, ha peixinhos que amam seus filhos, que traba-
lham, que se dedicam por elles. Citei já o carapau. Seria faccioso
se occultasse o nome da truta, a qual faz uma cova onde enterra
os seus ovos, e o da hyppocampa, a qual tem junto da cauda uma
espécie de bolsa, em que recolhe os ovos durante o período da in-
cubação.
As raias e os esqualos apreciam também as convivências do
amor, procuram as suas fêmeas, seguem-as, galanteiam-as, fazem-
Ihes a sua corte.
Em confirmação da theoria darwineana da selecção sexual,
cita-se um peixe chinez, ultimamente introduzido em França por
um piscicultor de Pariz, chamado Carbonnier. Na epocha da des-
ovação, o alludido peixe é junto da sua fêmea, de uma ternura
inexcedivel. Abraça-a, curvando lateralmente para esse fim o seu
corpo em semi-circulo, cinge-a estreitamente, parece querer bei-
jal-a. Engulindo bolhas de ar, expulsa-as em seguida envoltas n'uma
ténue membrana albuminosa, e construo por esse meio á tona
d'agua uma espécie de docel de espuma, debaixo do qual celebra
as suas núpcias e fecunda os seus ovos á medida que elles são
depostos pela fêmea. Como os ovos ficam dispersos na agua, o ma-
cho recolhe-os na boca, transporta-os para debaixo do seu tecto
de espuma, onde os reparte cuidadosamente, para que fiquem to-
dos em eguaes condições. Nascidos os peixes, o pae consagra-lhes
os mesmos cuidados e os mesmos carinhos que havia dedicado aos
ovos. É notável que estes peixes, em que os dois sexos se amam
com tão extraordinário carinho, são, segundo affirma o snr. Perrier,
do xMuseu de Historia Natural de Pariz, os mais bellos que se tèem
visto. — Um simples peixe chinez ! Vejam! Que vergonha para os pei-
xes europeus !
AS PRAIAS DE PORTUGAL 15
O sábio Agassiz, n'uma carta datada de S. Thomaz, sobre a
exploração do Mar de Sargassos, refere que o peixe chamado por
Cuvier chironectes pictus, construo para os seus ovos um ninho,
em que a sua progénie fica misturada com os elementos que ser-
viram para a construcção da arca salvadora. Como esses materiaes
são ramos vivos de sargasso, este berço, diz o illustre naturalista,
íluctuando sobre o Oceano profundo, offerece ao mesmo tempo, á
ninhada que encerra, a projecção e o sustento de que ella necessita.
A raia tem o privilegio de um olphato tão fino, tão sensível
e tão delicado, que muitas vezes os seus nervos a obrigam, como
nós diríamos, a pôr o lenço no nariz. Para realisar esta operação
dispõe a raia de uma fina membrana, uma espécie de véo, em
que envolve o órgão olphatico.
Alguns peixes téem uma espécie de voz, isto é, dispõem de
certos sons que emittera quando querem, refutando assim o pro-
loquio com que se caracterisa a eloquência de certos parlamenta-
res: mudos como peixes.
Á academia das sciencias de Pariz mostrou ha pouco tempo o
snr. Dufossé, que duas espécies de uns pequeninos peixes, extre-
mamente obscuros e feiíssimos, produzem, quando se lhes pega,
um estremecimento intenso, acompanhado de um ruído, e ás vezes
de um som commensuravel. Estas vibrações são verdadeiros actos
de expressões instínctivas, e téem por causa a tremulação muscu-
lar,— revelação curiosa da propriedade que podem ter os múscu-
los, de crear manifestações acústicas.
As cores dos peixes, algumas tão brilhantes, tão sumptuosas,
e ao mesmo tempo tão ephemeras e tão mutáveis que constante-
mente se estão succedendo e variando nos mesmos indivíduos, re-
conheceu-se recentemente que eram dependentes da qualidade dos
raios luminosos que impressionam a vista d'estes animaes. Para
os peixes e para os crustáceos, o olho é o ponto de partida de
um abalo nervoso que se transmitte á pelle e produz uma mudança
mais ou menos completa na coloração. Gomo é — está claro — ■
16 AS PRAIAS DE PORTUGAL
por intermédio dos nervos que a impressão primitiva do olho se
transmitte á pelle, cortados certos nervos em certos peixes, alte-
ra-se-lhes a côr geral e transforraa-se-lhes em riscas zebradas. A
razão é que se interceptou em parte, e em parte se deixou propa-
gar o abalo de que a retina é a sede, e cujo agente são as irradia-
ções emittidas pelo ambiente. A còr dos peixes altera-se, segundo
a còr do aquário em que elles vivam. Se porém um peixe cega,
a sua côr fica immutavel e permanente, qualquer que seja a côr
promovida no meio em que elle se acha. O mesmo que se dá com
os peixes succede com os crustáceos. Tirando-lhes os olhos deixam
de mudar de côr. São como nós: cegos, ficamos indiíferentes á os-
tentação apparatosa da toilette.
O mar torna-nos imaginativos, faz-nos propender para a con-
templação, para a ociosidade, para a vaga saudade, para a inde-
finida melancolia. Este estado poético é dos mais perigosos. Pros-
tra, enfraquece, desarma o caracter. É por isso que as mulheres,
á beira-mar, nos dias doces e enervantes do outono, precisam
mais que nunca de se retemperarem na apphcação, no estudo, na
actividade intellectual.
Possam as breves linhas que deixo escriptas inspirar-te, lei-
tora, amiga leitora, a curiosidade dos estudos da natureza, a de-
cifração dos mysterios da vida no interior do mar !
Ahi o tens, boa amiga, o vasto, o poderoso Oceano! Procura
conhecel-o. Elle será o teu melhor, o teu mais fiel amigo, o teu
medico, o teu mestre, o namorado do teu espirito.
Tudo aquillo de que precisa o teu abatido organismo, a tua
imaginação, o teu caracter, a tua alma, o mar possue para t'o dar.
Elle tem o phosphato de cal para os teus ossos, o iodo para
os teus tecidos, o bromureto para os teus nervos, o grande calor
vital para o teu sangue descorado e arrefecido.
Para as curiosidades do teu espirito elle tem as mais interes-
santes historias, os mais engenhosos romances, os mais commo-
ventes dramas, as mais prodigiosas legendas.
Para as fraquezas da tua imaginação, da tua sensibilidade, da
tua ternura, tem finalmente a grande força austera, simples, te-
Iiaz, implacável, que na terra se não encontra senão dispersa em
AS PRAIAS DE PORTUGAL 17
pequenas parcellas, pelo que ha de mais sublime e de mais cul-
minante na humanidade : a alma dos heroes e o coração das mães ;
— força imraensa, sobrenatural, inconsciente, de que o mar é a
viva imagem collectiva e portentosa.
Dizem, leitora, que são curiosas as pessoas do teu sexo. Glo-
ria-te d'esse bello defeito. A curiosidade é a primeira das grandes
forças do espirito humano.
Se sir Isambart Brunei não tivesse tido a curiosidade de exa-
minar minudentemente o modo como um Ínfimo bixinho, o teredo
navalis, roe a madeira dos navios, perfurando-a primeiro por um
lado, depois pelo outro e envernisando a abobada e as paredes
d'essa passagem com ura inducto para esse fim segredado, não se
teria então descoberto o processo por que foi construído o tunnel
do Tamisa.
Foi considerando curiosamente a construcção de uma téa de
aranha que sir Samuel inventou as pontes pensis.
A curiosidade de achar as causas da queda de uma maçã e do
aspecto de uma bola de sabão levou Newton á lei da gravitação e
Young á theoria da diífracção da luz.
Se uma espécie de luneta offerecida a Maurício de Nassau por
um ocuhsta hollandez não tivesse suscitado em Galileu uma curio-
sidade similhante á que desperta nas creanças o machinismo dos
relógios. Galileu não teria descoberto o telescópio.
Gomo se descobriu o galvanismo? Por um acto de simples cu-
riosidade. Galvani, examinando o organismo de uma rã, notou que
a pata d'este animal se contrahia ao contacto de laminas de metaes
dissirailhantes introduzidas entre um musculo e um nervo. D'ahi, a
telegraphia eléctrica.
Deante de um copo de cerveja Priestley sente um dia a curio-
sidade de explicar o plienomeno de fermentação. O estudo das pro-
priedades do gaz fluctuante sobre a superfície do liquido fermen-
tado lançaram as bazes à chimica pneumática.
Cuvier, mestre de meninos, passeando uma tarde á beira-mar,
encontrou na areia uma siba dada á costa. Da curiosidade susci-
tada no seu espirito pelo extranho aspecto d'esse animal nasceu o
primeiro livro do grande naturaUsta : o seu admirável estudo dos
moUuscos.
Hugli Miller, simples canteiro, trabalhando n'uma pedreira á
beira-mar, sentiu a sua curiosidade tão vivamente ferida pelos res-
2
18 AS PRAIAS DE PORTUGAL
tos orgânicos das espécies extinctas descobertas na maré baLxa,
que observando e comparando minuciosamente o aspecto do solo e
o aspecto dos animaes acabou por compor um dos mais notáveis
livros da geologia.
Espreitar peio buraco de uma fechadura e dobrar o Cabo da
Boa Esperança são dois factos da curiosidade: um descobre má
creação ; o outro descobre a America.
A um dá-lhe a curiosidade para mexer nas gavetas dos ou-
tros : este é o indiscreto. Egual curiosidade leva outro a revistar a
Africa: este chama-se Livingstone.
Que é pois que se deve fazer á curiosidade para que ella não
seja um ridículo defeito, e seja uma nobre e poderosa virtude?
Educal-a na elevação; dar-lhe por objecto os segredos da natureza;
dar-lhe por fim os interesses cia humanidade.
Sabeis, minhas curiosas senhoras, qual é o grande mal da nossa
educação portugueza? É o atrofiamento da curiosidade. D'aqui, a
indifferença. Da indiíTerença, a preguiça. Da preguiça, a miséria,
a dupla miséria do desequilíbrio económico e do rebaixamento mo-
ral.
Guardae a vossa curiosidade, ó mulheres; guardae-a como um
thesouro precioso : é por ella que penetrará a grande reforma ur-
gente na instrucção do povo.
Vós tendes, latente ou mal empregada, uma grande activi-
dade de espirito, paralysada em nós outros os homens pelos nos-
sos estúpidos hábitos de boulevard, de café, de club, e pela lenta
narcolisação cerebral proveniente do abuso do tabaco e da pesada
cerveja, fatal á vivacidade que era o antigo apanágio da raça me-
ridional,
Estaes nas praias. Empregae as longas horas de ócio tão es-
tiradas, tão tediosas, tão enervantes, estudando o mar nos seus
grandes phenomenos, nas suas portentosas creações.
Um só molho de mar que escachôa na rocha e se pulverisa
atravez dos raios do sol poente em um nevoeiro opalino e doirado,
contém mais acção, mais vida, mais enredo, do que todos os ro-
mances juntos do snr. Ponson du Terrail.
Nenhum dos nossos amigos predilectos, nenhum dos nossos
poetas lyricos, nenhum dos nossos escriptores phantasistas tem para
nos oíTerecer tantas commoções, tanto drama, tantas historias curio-
sas como as que sabe o mar, o inexgotavel narrador, o doce poeta,
o velho chronista.
Esse bom amigo não nos dá unicamente as mais bellas e as
mais interessantes liistorias. Quando estamos sãos oíFerece-nos os
AS PRAIAS DE PORTUGAL 19
seus pequenos presentes de amisade : as poéticas illuminações phan-
tasticas dos fogos de S. Telmo, as pérolas, as brisas.
Quando adoecemos das complicadas enfermidades modernas
elle só nos dá tudo aquillo de que precisam as nossas naturezas
empobrecidas e devastadas. Todo o elemento da vida que falta na
terra suprabunda no mar. Por isso Michelet exclama : Todos os prin-
cipies que em ti, homem, estão reunidos, tem-os separados o mar,
essa grande pessoa impessoal. O mar tem os teus ossos, tem o teu
sangue, tem o teu calor, a tua seiva vital. Tem o que te falta: a
demasia da plenitude, o excesso da força.
Para portuguezes, o mar tem attractivos especiaes. Para nós,
elle é o caminho das conquistas, dos descobrimentos, da poesia,
da inspiração artística, da gloria nacional.
A nossa bella architectura manoelina, as capellas imperfeitas
na Batalha e os Jeronymos, téem na escolha dos ornatos predile-
ctos, na repetição de certos pormenores, o profundo cunho marí-
timo; vé-se a miúdo a preoccupação do embarcadiço; acha-se a
cada passo a revelação do marinheiro.
O nosso mais bello Uvro de versos é um poema marítimo, os
Luziadas.
A mais extraordinária obra que em Portugal se tem escripto
em prosa é a Historia tragico-maritima, uma relação de naufrá-
gios.
Em nenhuma outra litteratura conheço livro que se compare
cora este. A Historia tragico-maritima é a narração de celebres
catastrophes, copiada litteralmente da noticia oral, repetida muitas
vezes por uma testemunha presencial do caso referido. Nunca o
talento dramático produziu rasgos mais commoventes, effeitos mais
profundamente tocantes; nunca a tragedia achou notas mais senti-
damente elegíacas ; nunca a arte descríptiva tornou mais palpitante
e viva a acção narrada; nunca, finalmente, a sciencia da lingua-
gem e o poder do estylo acharam para um assumpto formas mais
adequadas, toques mais profundos, simphcidade mais real, mais
pittoresca, mais suggestíva, mais completamente e mais cabalmente
artística. Não fazem melhor os maiores mestres, Eschilo, Shak-
speare, Carlyle.
Na historia do naufrágio do galeão grande S. João, o desastre
de Manoel de Sousa de Sepúlveda, a morte de sua mulher e de
seus filhos, que eUe enterra por suas próprias mãos, constitue uma
*
20 AS PRAIAS DE PORTUGAL
pagina primorosa e inexcedivel. Roubados, insultados, despidos
pelos cafres, Manoel de Sousa, com a sua família, despedem-se dos
seus companheiros de infortúnio, dos náufragos do galeão grande,
que Manoel de Sousa commandava. Os marinlieiros proseguem,
chorando de saudade e de lastima, a sua viagem dolorosa no Ser-
tão. Manoel de Sousa fica, apparentemente indiCferente, nú, com
uma compressa molhada na cabeça, a procurar conter o juizo
que lhe foge.
«Depois que André Vaz se apartou de Manoel de Sousa e sua
mulher, ficou com elle Duarte Fernandes, contra-mestre do galeão,
e algumas escravas, das quaes se salvaram três, que vieram a
Gòa e contaram como viram morrer D. Leonor. Manoel de Sousa,
ainda que estava maltratado do miolo, não lhe esquecia a neces-
sidade que sua mulher e filhos passavam de comer, e sendo ainda
manco de uma ferida que os cafres lhe deram era uma perna, as-
sim maltratado, se foi ao matto buscar fructas para lhes dar de
comer. Quando tornou achou D. Leonor muito fraca, assim de fome
como de chorar, que depois que os cafres a despiram nunca mais
d'ali se ergueu nem deixou de chorar, e achou um dos meninos
morto, que por sua mão enterrou na areia. Ao outro dia tornou
Manoel de Sousa ao matto a buscar alguma fructa, e quando voltou
achou D. Leonor fallecida e o outro menino. E sobre ella estavam
chorando cinco escravas com grandíssimos gritos. Dizem que elle
não fez mais, quando a viu fallecida, que apartar as escravas d 'ali
6 assentar-se perto d'ella, com o rosto posto sobre uma mão, por
espaço de meia hora, sem chorar nem dizer cousa alguma, estando
assim com os olhos postos n'ella. E no menino fez pouca conta. E
acabado este espaço se ergueu, e começou a fazer uma cova na
areia com ajuda das escravas, e sempre sem se fallar palavra, a
enterrou, e o filho com ella. E acabado isto tornou a tomar o ca-
minho que fazia quando ia a buscar as fructas, sem dizer nada ás
escravas, e se metteu pelo matto, e nunca mais o viram. »
Nada mais simples, mais subhme, mais palpitantemente dra-
mático, mais fundamente trágico. Em todas estas narrativas, nem
uma só observação psychologica. Tudo é objectivo, exterior, como
nos mais modernos processos de estylo tão meditados, tão perfei-
tos, tão scientificos, da eschola de Flaubert. A impressão de quem
lé é lancinante e profunda. Como não temos de desviar-nos com o
auctor pelas divagações criticas da analyse dos sentimentos, o facto,
em toda a sua humana inteireza, apodera-se de todo o nosso es-
pirito, e a commoção penetra-nos até á consternação e até ás la-
grimas.
AS PRAIAS DE PORTUGAL 21
Este admirável livro, único na litteratura portugueza, feito in-
conscientemente por aquelles que o trasladaram da versão popular,
foi o mar, o grande mestre, que o inspirou á poética alma aventu-
rosa dos navegadores portuguezes.
Camões, tendo encontrado em Moçambique um dos marinhei-
ros sobreviventes ao naufrágio do galeão de Sepúlveda e ás aven-
turas subsequentes, houve d'elle a historia do desastre, e põe-a
na boca do Adamastor, quando este profere as delicadas e saudo-
sas estrophes, que principiam:
Outro também virá de honrada fama,
Liberal, cavalleiro e namorado ....
Na famosa xácara da Nau Cathnncta, querendo o demónio
comprar pela salvação da nau a alma do capitão, este exclama:
Renego de ti, demónio,
Que me estavas a attentar !
A minha alma é só de Deus,
E o meu corpo é do mar !
Tal é o grito valoroso e sublime da alma de um povo que a
Providencia destinou a ter no mar a sua historia, a sua inspiração
artística, a melhor, a mais bella, a mais gloriosa parte da sua exis-
tência, finalmente, a sua segunda pátria :
A minha alma é só de Deus,
E o meu corpo é do mar !
A FOZ
Foz ! Saudosa Foz I Residência querida da minha infância tão
afastada já — ai de mim! — d'estes annos duros! Com que terno
prazer que eu te saúdo, sempre que te avisto, ou penso em ti!
Estamos bem mudados ambos — velha amigai — tu do que
foste, eu do que era!
No tempo em que eu ia de chapéu de palha e de bibe, á
tarde, apanhar conchinhas na costa, pela mão de minha avó, tu
eras grave, simples, burgueza, recolhida e silenciosa como uma
horta em pleno campo.
Tinhas duas hospedarias: a do Julião, defronte do Castello, e
a do Silvestre, ao fundo da rua Direita. Em qualquer d'ellas, o
preço, com almoço de bifes e ovos, jantar e ceia, com lautas so-
bremezas de pudim de pão com passas, muita fructa e vinho á dis-
crição, era de um pinto por dia. Porque tudo quanto era bom e
caro, custava n'esse tempo — ura pinto.
Além d'estas hospedarias havia o café da Senhora da Luz, a
Assembleia do Mallen, á esquina da praia dos Inglezes; um bar-
beiro na rua Direita, que era veterano, tinha a figura de uma es-
phera, e exhibia á porta do seu estabelecimento ura pintasilgo den-
tro de uma gaiola cylindrica, que andava á roda, fazendo mexer
engenhosamente um boneco e uma boneca que estavam dos lados,
segurando uma manivella.
Havia também a Rosa das burras, cujo nome provinha do seu
estabelecimento, em que se alugavam as mulinhas cavalgadas para
a viagem a Leça,^ chamando a attenção dos viandantes por meio da
seguinte taboleta, pintada no muro do quintal:
Aqui se alugo vurras para passeio e para leites
com albarda e com selim de homen e de senhora.
24 AS PRAIAS DE PORTUGAL
No principio da estapão, em agosto, começavam a ciiegar os
banhistas !
Vinham as familias do Douro. Via-as a gente em magotes, con-
frangidas, arripiadas, olhando para o mar com uma grande sensa-
ção de espanto, de pavor e de frio.
Os homens traziam os seus capotes bandados de velludo ou
de baeta verde. As senhoras atavam na cabeça três lenços, e pu-
nham por cima uma manta. Ao lado ia o padre, o capellão da casa
ou o prior da freguezia, com o seu sohdeo de retroz atabafando-
Ihe as orelhas, o chapéu braguez seguro por baixo da -barba com
ura cordão, com passador, terminando n'uraa bolota. E o ecclesias-
tico, levando na mão o seu lenço de Alcobaça, de quadrados azues
e encarnados, apontava para os navios com o ferrão do seu guar-
da-sol e exphcava alguns segredos da navegação. Atraz seguia a
criada, boquiaberta, com os seus bandós ahsados com banha de
porco, os pés sem meias calçados em grossos sapatos, a saia curta, .
as mãos debaixo do avental.
Tinham os seus passeios favoritos:
Ao farol da Senhora da Luz, onde o faroleiro deixava olhar
pelo óculo para os velhos telegraphos, cujo apparelho de taboi-
nhas, armado no viso dos montes, parecia espreguiçar-se e boce-
jar as noticias no azul do espaço;
Pela manhã, á feira onde estacionavam os carros das melan-
cias, as canastras com os frangos, os gigos d'uvas, a louça branca
e amarella, e as bilhas do leite;
Á Cantareira, de tarde, quando chegavam as lanchas do peixe
e se comprava a volumosa pescada de dorso preto, que as criadas
traziam para casa em argola, com a ponta da cauda na bocca, como
o syrabolo da immobiUdade egypcia.
Não sei qual era a vida das demais familias que iam para a
Foz n'esse tempo, porque a convivência era tão pouca, que toda a
gente comia salada de alho, francamente, sem receio de vir a fal-
lar com outrem que não fosse a famiiia.
Na minha casa, o theor era este:
De manhã, depois do banho, ás oito horas, almoçava-se café
com leite, pão com manteiga fresca, que vinha das terras de mi-
nha avó. Ao meio-dia jantava-se. Ás Ave-Marias, quando se escon-
diam as moscas e o sol, persignavamos-nos, rosávamos o Angelus
ao toque do sino da Igreja e tomávamos chá com pão de Villar e
biscoutos de Avintes.
AS PRAIAS DE PORTUGAL 25
Vinha depois o serão: uns costuravam, outros liam o Perió-
dico dos Pobres, outros jogavam o voltarete ; eu tirava os meus si-
gnificados de Tito Livio e adormecia — sendo cônsules Marco Tullio
e PuLlio Vitellio.
Ás oito horas e meia, quando os tambores e as cornetas do
Castello tocavam a recolher, comia-se peixe cosido, bifes, esperre-
gado, enormes quantidades de melão; procedia-se á operação de
ir cada um para o seu quarto queimar os mosquitos; e todos se
deitavam em seguida.
Alta noite acordava-se por via de regra uma vez. No grande
silencio da terra ouvia-se o mar bramir e rebentar na costa com
um echo solemne e triste. Uma voz ao longe chamava : Ó sê Ma-
chado! Ó sê Machado! Eram os pescadores que vinham acordar o
patrão de uma lancha. Na capoeira, umas azas espanejavam rui-
dosamente. Cantava um gallo. A gente pensava: «Está digerido o
melão.» E adormecia-se outra vez, emquanto um mosquito, que
escapara á queima, zumbia nas trevas, guloso e feroz.
Muita gente vinha do Porto, de madrugada, tomava banho e
regressava á cidade. Este serviço era em grande parle feito pelos
carroções, um dos mais extraordinários inventos do espirito por-
tuense, apphcado á locomoção.
O carroção era um pequeno prédio, com quatro rodas, pu-
xado por uma junta de bois. Dentro havia duas bancadas paralle-
las, em que se sentavam os viajantes. Por fora, sobre uma faixa
pintada de uma còr alegre, lia-se o nome do proprietário e do in-
ventor da machina: Manoel José de Oliveira.
Quanta gente cabia n'um carroção? Nunca se pude saber. Um
carroção levava uma familia. Que esta fosse pequena ou grande,
o carroção não se importava cora isso e levava-a. Levava-a de va-
gar, mas ia-a levando sempre.
Havia famílias enormes que não cabiam em duas salas e que se
accommodavam n'um carroção. No inverno, uma d'essas ingentes
molles chegava á porta do theatro de S. João. A portinhola abria-
se; havia uma escada com corremão para descer; o carroção co-
meçava a despejar senhoras. O pateo do theatro enchia-se e o car-
|i roção continuava sempre a deitar gente. Pasmava-se de que elle
' podésse conter tantas pessoas, ia-se olhar e encontrava-se ainda, lá
dentro, no escuro, a mexer-se e a preparar-se para sahir, tanta gente
I como a que estava fora I
26 AS PRAIAS DE PORTUGAL
Nas viagens para a Foz, para Leça, para a Ponte da Pedra,
para Mathosinhos, além da gente, ia também nos carroções louça,
fatos, roupas, viveres para os viajantes e penso para os bois ! Para
este fim havia nas bancadas, por baixo das almofadas, esconderi-
jos tenebrosos e profundos, onde, no caso de necessidade, poderia
arruraar-se -^ outra familia.
Manei Zé de Oliveira, ou simplesmente Manei Zé, como por
elegante abreviatura se lhe chamava, alugava os seus carroções
por ura pinto, como os quartos da hospedaria do Damião.
Por tão módica quantia teve Manei Zé por muitos annos o glo-
rioso privilegio de fazer viajar a população portuense pelos diver-
sos subúrbios tão pittorescos da sua cidade invicta.
Como os carroções andavam tão devagar como as noras, de-
pois de entrar a gente para dentro d'elles e de se pôr a olhar para
fora pelos postigos, não tinha remédio senão observar por muito
tempo os togares; de sorte que as viagens feitas por este modo
eram para sempre memoráveis.
O primeiro golpe na popularidade enorme de Manei Zé foi-lhe
verberado pelo segeiro Tavares, da rua da Boa-Vista. Em certo dia
de funcção suburbana Tavares pòz na rua três caiTOçÕes novos, de
cores extraordinárias, maiores que os de Manei Zé e aperfeiçoa-
dos com o appenso festival de uma bandeira. Estes três carroções
chamavam-se o Rápido, o Veloz e o Ligeiro. Do Porto á Foz, uma
légua, ida e volta, grande celeridade, a toda a força dos bois, —
um dia.
Manei Zé, vendo passar o Ligeiro — e só Deus sabe o tempo
que o Ligeiro levava a passar I — desmaiou de desgosto.
Além d'estes carroções de aluguer puxados por bois, havia os
carroções particulares, puxados por vaccas.
Sobre um jogo de quatro rodas enormemente altas, tendo
duas vezes o diâmetro das rodas das antigas seges de cortinas, al-
çavam-se quatro tremendos ganchos de ferro; da ponta d'estes
ganchos desciam quatro valentíssimas correias ; na extremidade
d'estas correias suspendia-se a caixa do carroção particular, tendo
na trazeira uma taboa e duas alças para um criado de pé, e ao
lado, por baixo das portinholas, dois estribos de que se desdobra-
va uma escadaria para subir ao monumento.
Consagrando estas modestas linhas á historia da antiga viação
portuense, não posso oraittir a descripção do notável carroção da
minha familia.
AS PRAIAS DE PORTUGAL 27
Um tio meu, irmão de minha avó, que fora frade Grillo, in-
ventou o carroção — de via estreita.
Meu tio, que era também meu padrinho, tinha uma enorme
forpa legendaria, comparável á do príncipe Maurício de Saxe, que
fazia um saca-rolhas torcendo um prego com as pontas dos dedos.
Pouco mais ou menos com a mesma facilidade com que eu dobro
pelo meio um bilhete de visita, meu tio dobrava na sua forte mão
um pinto de boa e rija prata de lei, do tempo do snr. D. João v.
ImpossibiUtado de andar, em consequência de ter sido gravemente
mordido em uma perna por um cão de fda, empregava os seus
ócios, de erudito e de pregador notável, em trabalhos manuaes.
Eram feitos por elle todos os instrumentos ruraes da nossa peque-
na lavoura.
O seu engenho mechanico levou-o um dia a mandar construir,
com a sua coUaborafão e debaixo da sua direcção technica, um
carroção.
A modificação essencial introduzida por elle consistia em af-
feiçoar as rodas ao trilho ordinário dos carros de bois de modo
que o seu carroção podésse penetrar nos caminhos viccinaes das
aldeias, seguir os atalhos, subir aos montes, entrar nos campos,
etc. A outra modificação era a suppressão das molas, dos ganchos
de ferro e dos suspensórios de couro. O carroção de meu tio —
sinto dizel-o — não era, em resumo, mais que uma caixa enverni-
zada, com rodas e com postigos envidraçados. De resto, infinita-
mente commodo, porque, como elle muito bem dizia, «ia-se n'aquil-
lo para toda a parte». Somente não se ia bem.
A não ser eu, que tinha então cinco annos, ninguém da mi-
nha famiha consentiu jamais em acompanhar meu tio dentro da
coisa a que elle chamava um carroção, mas a que minha avó cha-
mava — um moinho.
Os mesmos víveres eram difiiceis de transportar, porque tudo
quanto sahia de casa sob as formas de garrafas, perna de vitella,
pão, queijo, laranjas, etc, chegava ao termo da nossa viagem sob
ã fórraa única e homogenia — de picado.
A meu tio, porém, todos os carroções lhe pareciam inferiores
ao seu.
— Olha, — dizia-rae elle quando passava o carroção do nosso
visinho, o visconde de Beire — repara n'aquino: n'aquella caran-
guejola tudo são balanços : balanço para diante, balanço para traz,
balanço para a direita, balanço para a esquerda. No nosso carroção
ha um balanço só, único, exclusivo, que é o balanço de baixo para
cima.
28 AS PRAIAS DE PORTUGAL
\
Assim era, effectivaraente. Esse balanço, porém, valia por to-
dos os outros, porque era tão forte, que por muitas vezes me fez |
ir apalpar o tecto com a nuca. I
— É para te abrir esse juízo! dizia-me meu tio, usando assim, ■
como orador sagrado, da figura de rhetorica, que toma o conteúdo
pelo continente. Jl
No sentido litteral o que verdadeiramente ameaçava abrir- V
se-me não era o juizo, era a cabeça.
Ainda assim divertiamo-nos. Meu tio estava no carroção como
no seu quarto. As caixas dos bancos tinham chaves e levavam as
suas coisas, provisões de differentes géneros, os seus livros, a sua
espingarda. Eu soltava no ar o meu papagaio de papel, e levava-o
seguro pelo fio dentro do carroção; meu tio deixava-me algumas
vezes dar tiros aos pardaes.
Cm dia — dia fatal ! — meu tio entendeu que o seu carroção
era de via ainda mais reduzida do que elle effectivamente era.
Mandou-o metter no campo por um caminho estreitíssimo. De re-
pente achamo-nos atravancados entre dois prédios rústicos. Foram
baldados todos os esforços que se empregaram para nos desen-
cravar d'alli: o carroção não ia para diante nem vinha para traz
de modo algum. Tivemos então todos que nos separar. Dissemos
adeus aos bois pelo postigo da frente. O gado foi por um lado,
nós viemos por outro; e por cima, das janellas das casas, desce-
ram homens que desfizeram o carroção e o trouxeram para nossa
casa, em pedaços, ás costas.
Além das familios que iam á Foz de carroção, havia as pes-
soas que iam em burros. Ao pé de Sobreiras parava tudo para
desaguar o gado e para os homens comerem.
Ninguém fazia o trajecto de ida e volta á Foz em menos de
seis a oito horas, comprehendido o tempo do banho.
No meio d'esta geração vagarosa, pacata, ronceira, havia uma
mocidade scintillante, vivaz, animadíssima.
O folhetim portuguez teve então a sua edade de ouro nas co-
lumnas do Nacional, onde experimentavam as suas armas com o
mais brilhante successo Evaristo Basto, Camillo Castello-Branco, Ar-
naldo Gama e Ricardo Guimarães, mais tarde visconde de Benal-
canfôr.
AS PRAIAS DE PORTUGAL 29
No dandysmo os Bl■o^Yns, os Monteiros, os Maias e outros, cons-
tituiam um grupo que cão teve egual, e que poderia ser compa-
rado ao que era pelo mesmo tempo em Pariz a celebre sociedade
de Roger de Beauvoir.
Um, jogando ii'uma soirce na Foz, perdeu um cavallo inglez
que apostara n'uma carta contra 50 moedas. Veio em seguida á
rua, montou o cavallo, esporeou-o pelas escadas e pelos corredo-
res, e foi pul-o na casa de jogo ao pé da cadeira de José Lombar-
di, que o ganhara.
Outros, sahindo a cavallo de madrugada, e encontrando-se no
largo da Trindade com os piquetes da guarda municipal, que ti-
nham patrulhado a cidade e que se reuniam n'esse ponto para
marcharem juntos para o quartel, carregaram a guarda, desarma-
ram-a e dispersaram-a a chicote.
Os de outra cavalgada tomaram de uma vez o Castello do
Queijo, aprisionaram os veteranos que faziam a guarnição, carre-
garam as peças, levantaram a ponte levadiça e Gearam lá dois
dias, homens, mulheres e cavallos, vivendo uns de amor, outros
de champagne, outros de palha, conforme as necessidades do tem-
peramento e do appetite de cada um.
Os jornalistas tinham uma audácia e uma fúria, de que não
ficou exemplo. Conta-se que três bons burguezes, membros da So-
ciedade da herva, que assim se chamava a Assembleia Portuense,
fulminados n'um folhetim, morreram successivamente de ataques
apopieticos dentro de quinze dias.
O respeito das formulas exteriores era tal que nenhum nego-
ciante ousava deixar crescer o bigode e nenhum homem grave fu-
mava na rua. Da força da resistência contra este espirito humilde,
timorato e burguez, bastará dar um exemplo:
Eu mesmo vi um dia saliir da Foz uma burricada, em que um
dos cavalleiros ia em ceroulas, com as chinellas de ter no quarto,
levava aos hombros um lençol, e na cabeça, enfiada pelo cano, uma
enorme bota de montar.
Os negociantes do Souto, do largo da Feira e da rua das Flo-
res, tinham epylepsias de rancor perante estas exhibições do es-
cândalo, mas nenhum protestava ostensivamente, porque os rapa-
zes doesse tempo ainda se não chamavam os crevés, chamavam-se
os leões; usavam calças á hussard e esporas, bigodes longos e re-
curvos; traziam em vez de bengallas casse-têtes de castões de fer-
ro ou de galho de veado, suspensos do pulso por uma asa de couro.
Sob o seu aspecto bellicoso, tinham um grande fundo de inno-
30
AS PRAIAS DE PORTUGAL
cencia e de candura, uma sentimentalidade terna e magoada; eram
umas crianças — terriveis.
Deram de uma vez um jantar de despedida a uma alegre ra-
pariga franceza. O jantar celebrou-se n'uma casa de Entre-Paredes,
e foi todo servido em louça da China e em cristaes inglezes. Á so-
bre-meza houve um hurrah temeroso : os convivas pegaram na toa-
lha e arrojaram toda a baixella á rua.
O serviço dos carroções e dos burros, sobre os quaes as se-
nhoras regressavam do banho com os seus narizes frios e os seus
chapéus postos em cima de seis lenços atados na cabeça, foi am-
pliado por ílm com o serviço dos omnibus, cuja empresa falliu
cuido eu.
Os homens sérios não queriam sujeitar-se ás convivências^
que ás vezes os esperavam, ou aos ditos de que eram objecto se
não confraternisavam com a companliia que se lhes deparava no
omnibus.
Na carreira d'estas carruagens, quando o ventre de um ca-
pitalista assomava á portinhola para se apear, havia na almofada
uma voz que bradava: «Previne-se o pubhco de que vae arrotar
o omnibus!» Logo que o poderoso burguez saltava á rua, outra
voz não menos temerosa gritava de dentro: «Meus senhores e
minhas senhoras 1 o omnibus arrotou ; vamos proseguir I »
Aos omnibus seguiram-se os chars-à-bancs ; e desde que estes
entraram na carreira da Foz, partindo do Carmo e da Porta No-
bre, o movimento dos banhistas augmentou extraordinariamente e
a vida n'esta praia entrou na sua phase moderna. Como eram in-
suíTicientes as casas da antiga povoação, circumscripta nos peque-
nos bairros do Monte, da Praia e da Cantareira, as novas edifica-
ções começaram a estender-se por Carreiros, aonde se abriu a for-
mosa estrada de Lessa, batida pelo Oceano, varrida pela brisa ma-
rítima, impregnada das penetrantes exhalaçues salgadas. Alguns
dos novos prédios construídos n'este sitio, um dos mais bellos do
nosso litoral, seguiram os modelos das construcções francezas do
mesmo género e oíTerecem o elegante aspecto modesto e confor-
tável, tão raro nas casas portugaezas.
O movimento da sociedade na Foz tem o que quer que seja
de desordenado e confuso que perturba os que chegam de novo.
AS PRAIAS DE PORTUGAL 31
Não se sabe facilmente de onde é que tanta gente vem e para
onde é que tanta gente vae. Os estrangeiros acham-se isolados no
meio da multidão e julgam-se infastiadamente fora dos interesses
que determinam aquelle movimento geral. A rasão é que toda a
gente na Foz anda na rua sem outro destino que não seja sahir de
casa e voltar para casa.
A arte de empregar o tempo agradavelmente, rara em portu-
guezes, é inteiramente desconhecida na Foz. Não ha o estabeleci-
mento dos banhos como nas praias francezas; não ha um parque
com flores, com agua, com musica, com jogos de jardim, para
onde as mulheres e as crianças vão estar ao ar livre ; não ha se-
quer um club — o triste club — pelo menos em que as senhoras
se reunam de dia.
Almoçar, jantar, enxugar os cabellos, é a occupação ordinária
das banhistas n'esta praia, desde as oito horas da manhã até o fim
da tarde.
Á noite, os homens jogam nos tripots.
Algumas senhoras do Porto recebem nas suas casas ou orga-
nisam soirées em uma casa commum destinada especialmente para
este fim. Estas soirées são extremamente agradáveis.
As senhoras portuenses, em cujas píiysionomias predomina
o louro elemento minhoto e britânico, entre as quaes é raro o
typo meridional da mulher de Lisboa, são inteiramente amáveis.
Vestem-se melhor para o campo e para viagem, do que para
baile. Nas suas toilettes decotadas, nos seus vestidos cobertos de
renda, nos seus penteados difficeis, vistas á noite, entre as flores,
no meio das bandejas dos gelados, sob os lustres, falta ás vezes
uma pequena coisa, uma prega, uma dobra, um vinco, um toque
quasi indizível, mas essencial ao effeito da linha.
Umas vezes é a roda do vestido que não tem a devida di-
mensão, que não está bem distribuída, que não quebra onde de-
via quebrar, e por esse motivo, na valsa ondula mal, descobre de
mais ou não descobre bastante o pé, e ao sentar n'um fauteuil ou
no canto de uma ottomana, não se aparta bem, rapidamente, cora
um impulso do pé, para um lado; e cae m.al.
Outras vezes são as luvas, demasiadamente apertadas, que
não deixam fechar a mão, e são um indicio flagrante e terrível de
refinamento provinciano.
Ha n'alguns casos o cabello, a complicada questão do cabello,
que nem sempre se resolve satisfactoriamente.
32 AS PRAIAS DE PORTUGAL
No penteado ha dois géneros: o género desdém e o género
esmero. O género desdém fica bem ás louras. Os cabellos castanhos
e os cabellos pretos não supportam senão o género esmero.
Os escolhos do penteado desdém são a pellicula e o gancho.
Uma pellicula, uma pelliculasinha muito pequenina, o mais ténue
indicio, a mais remota suspeita de caspa, compromette tudo. O
gancho que se deixa ver está no mesmo caso da pellicula.
O perigo do penteado esmero é a complicação e os cosméti-
cos: desde que elle não reúne a extrema simplicidade com a mi-
nima porção de pomada, está perdido.
Estes senões são coisas tão subalternas e tão secundarias, que
eu só as menciono a titulo de pura curiosidade local.
De resto, as soirées da Foz, mesmo género das soirées por-
tuenses, são animadíssimas. As senhoras teem alegria e vivacida-
de. Conversam affectuosamente, com uma certa ingenuidade ca-
ptivante. A entonação e o compasso da sua maneira especial de
declamar dà-lhes na conversação um ar sympathico, de uma bon-
dade risonha, que fica bem entre os bons dentes brancos, nas
lindas boccas frescas e vermelhas.
Os homens teem o tom, o ar e a moda ingleza ; cultivam es-
meradamente a suissa, a gravata apparatosa, o fraque curto, a bota
grossa e o chapéu de chuva. Andam depressa e a largas passadas.
Jantam sempre em famiha. Os restaurantes e as mezas redondas
são apenas frequentadas pelos viajantes e pelos extrangeiros. Ha
dois annos contavam-se apenas na cidade toda quatro sujeitos va-
dios. Ultimamente, consta-nos que foi um d'elles para o Brazil, —
de enfastiado; e que o outro montou uma casa de commissões, —
para ter para onde ir. Assim, o numero dos habitantes do Porto
inteiramente desoccupados, deve n'esta data achar-se reduzido —
a dois.
Ha quatro annos, os portuenses, considerando que Lisboa gos-
tava muito de touros, e que elles detestavam os touros, pareceu-
Ihes que esta differença constituía para a sua cidade uma inferio-
ridade burgueza, e na semana seguinte, a cidade em peso, como
um só homem, como um só fadista, pediu touros, muitos touros,
que lhe não dessem senão touros!
— Pois quê! pensavam elles, os lisboetas cuidam que são
muito por gostarem de touros? Não são nada. Vamos-lhes provar
immediatamente que gostamos trezentas mil vezes mais de touros
do que elles.
Construiram-se duas praças e as touradas principiaram. Êxito
enorme! Concorrência immensa! Geral frenesi de enthusiasmo! A
AS PRAIAS DE PORTUGAL 33
sociedade tomou um certo ar toureiro. As senhoras mostravam-se
interessadas na qualidade dos curros, queriam ver o gado, punham
gravatas vermelhas e offereciam-se para dar monas. Muitos cavai-
los appareciam arreados ao modo do Ribatejo, com o xairel de
pelle e estribos de pau. Os mancebos á moda vestiam-se de jaleca
e cinta, com calças de boca de sino, aos sabbados de tarde. As
duas praças eram insuílicientes para a multidão dos aficionados.
Os lidadores eram cobertos de charutos, de rebuçados, de palmas
,e de gritos de triumpho. Finalmente, um dehrio !
I Ao cabo de dois annos ninguém mais voltou aos touros. Os
'elegantes deram as jalecas e as calças de boca de sino aos seus
criados de cavallariça; as senhoras nunca mais tornaram a fallar
em gado; as guitarras que haviam sido importadas desapparece-
ram da circulação; o fado, que alguns dedos femininos dedilhavam
nos teclados de Herard, deixou de acordar os eccos surprehendi-
dos e vexados dos salões portuenses; as duas praças, não tendo
outra coisa que fazer, começaram a apodrecer e esperam anciosas
o primeiro pretexto decente para se deixarem cahir.
Mas Lisboa tinha recebido uma hção terrível ! O Porto tinha-
Ihe mostrado que, se quizesse gostar de touros, ninguém gostaria
mais, ninguém seria mais maníaco, mais doido, mais frenético por
touros, do que elle ! É para que se saiba !
O portuense é o homem mais dedicado, mais serviçal, mais
bom homem. Somente ha três coisas de que elle não gosta — e
in'esse ponto é mau brincar com elle. Não gosta de Lisboa. Não
Igosta da polícia. Não gosta da auctorídade. Da auctorídade vinga-se,
|despresando-a. Da policia vinga-se, resistindo-lhe. De Lisboa vin-
iga-se, recebendo os lisboetas com a mais amável hospitalidade e
com a mais obsequiosa bisarría.
O serviço dos caminhos de ferro americanos, explorados com
talento, converterá dentro em pouco tempo a Foz n'um bairro do
Porto. A empreza do carril da Boa-Vista annuncia bilhetes annuaes
a preços reduzidíssimos. Como esses bilhetes são pessoaes e ín-
transmissíveís, em cada bilhete será impressa a photographia do
seu dono. Para este fira, a empreza fará de graça o retrato photo-
graphíco de cada um dos seus chentes.
As casas na Foz alugam-se ao mez ou pela temporada. As ren-
das em qualquer das casas orçam pelas de Lisboa. Os mezes mais
34 AS PRAIAS DE PORTUGAL
baratos são os de junho e agosto. A grande affluencia realisa-se era
setembro e outubro.
As principaes hospedarias são a de Mary Castro — cosinha in-
gleza; a da Boa- Vista — cosinha portugueza; a do Louvre — cosi-
nha mixta, portugueza e franceza. Os preços são de 1í5»200 por
dia.
LEÇA E MATHOSINHOS
Leça e Mathosinhos são para a Foz o que a Ponte de Algés e
3. José de Ribamar são para Pedrouços : uma espécie de appenso.
d que não obsta a que Leça seja de per si só mais importante que
3. José de Ribamar, Algés e Pedrouços, todos juntos.
O grande defeito de Leça é que a sua vida objectiva é quasi
3xclusivamente mineral e vegetal. Entre tantas casas, tantos quin-
;aes, tão bellas arvores, o animal desapparece, o cão esconde-se,
D homem sepulta-se, a mulher some-se.
j O habitante de Leça foi por muito tempo para nós como o ha-
bitante da antiga lua — um problema.
Um dia — ha talvez dezoito annos — achava-se o obscuro au-
ítor d'estas regras n'uma barraca da praia da Foz embrulhado n'um
ençol, com os pés dentro de uma gamella. Coelho Louzada, o des-
litoso escriptor, estava ao meu lado, em outra barraca, embru-
hado n'outro lençol, com os pés n'outra gamella. Tínhamos chegado
lo nosso banho.
No momento da reacção eu estremeci e senti que tinha na ca-
beça a ideia. Louzada, a quem communiquei esta noticia, aconse-
Ihou-me que puzesse os pés para cima e mettesse na gamella a
fiabeça.
j A ideia, porém, que me habitava irrompeu. Era ir d'ali a ca-
i^allo pela beira-mar, até Leça.
[l Lousada acompanhou-rae. Alugamos dois machinhos na Rosa das
Burras. O marido da Rosa, um ruivo, cheio de sardas, com a voz
lílautada, veio fazer a operação difflcil de segurar o estribo e acer-
i-ar-nos os loros ao comprimento das pernas. Problema insolúvel !
Os furos dos loros na Rosa das Burras estavam distribuídos de ma-
JQeira que nunca os dois estribos ficavam em nivel.
36 AS PRAIAS DE PORTUGAL
Quando os viajantes se queixavam d'este estado de coisas, a
Rosa e o Ruivo começavam por dar pontapés com os bicos dos so-
cos no ventre dos machinhos. Se ainda assim se não acertavam os
estribos, elles batiam nos filhos com os loros em disponibilidade.
Se continuava a differença na altura dos estribos, o Ruivo e a Rosa
batiam ura no outro. Se o passageiro, depois de todos estes exfor-
ços para se lhe acertarem os estribos ainda se não dava por satis-
feito, batiam no passageiro:
Portanto, apenas elles acabaram de bater nos machinhos, nos
filhos e em si próprios, nós apressamo-nos a declarar que achá-
vamos os estribos óptimos, e despedimos por Carreiros fora a toda
a velocidade dos machinhos, que fugiam como settas, imaginando
talvez que nós já tínhamos levado a nossa conta e que era chega-
da a vez de se tornar a começar por elles o processo da Rosa para a
regularisação dos estribos.
Ao chegar a Mathosinhos, no cães, perto da ponte estava uma
mulher vendendo louça; corapramos-lhe dois assobios de barro
vermelho vidrado, galanteria muito curiosa, porque de um lado era
um apito e do outro lado era um gallo.
Atravessamos a ponte de arcos de pedra que une as duas pit-
torescas margens do rio Leça e entramos na povoação que tem o
nome do rio. Corremos todas as ruas ao trote mais estrepitoso que
os machinhos podiam executar por cima das lages das calçadas,
assobiávamos ambos com toda a força a que se prestavam os gallos
pelo lado em que eram apito.
Com tanta bulha é impossível que não appareça alguém, que
alguém não saia á rua ou não assome ás janellas! Ninguém appa-
recia.
Passamos por um taberneiro, que tinha á sua porta, preso ao
humbral, sahindo para fora como a haste de uma bandeira, um fo-
guete. Este homem vendia artifícios de fogo. Gomprainos-lhe bom-
bas que começamos a fazer estalar pelas ruas desertas com um ri-
bombo terrível. Pareceu-nos então ouvir uma voz do alto de uma
janella; olhamos: era um papagaio. Esta antipathica ave estava no
seu poleiro meneando-se, erguendo ora um pé, ora outro, e regou-
gando esta phrase : Passa fora cachorro !
íamos partir, iamos regressar á Foz, desenganados de que não
veríamos ninguém, quando, ao passar na praia, avistamos ao longe,
crescendo para nós, uma figura de mulher. Esperamos. Ella veio.
A sua longa e esgalgada perna comia léguas no espaço; o seu longo
pé abria abysmos na areia. Parecia uma cegonha em pernas de pau.
Ura véu verde cobria-lhe o rosto e descia-lhe discretamente até à
AS PRAIAS DE PORTUGAL 37
cinta. Duas mechas de cabello louro, torcidas em spiral, serpentea-
vam-lhe de cada lado do rosto até á extremidade do véu como dois
enormes saca-rolhas. Os cinco tentaculos da sua mão, calpada em
luvas de fio de Escócia, seguravam debaixo do braço uma larga
pasta de marroquim. Via-se-lhe um só dente mas tão grande que
parecia vêrem-se-lhe todos!
Como nós estávamos com os machinhos atravessados na embo-
cadura da rua que era provavelmente o seu caminho, ella pareceu
hesitar um momento. Em seguida o seu pé ergueu-se, ergueu-se,
ergueu-se. . . Comprehendemos que ella ia passar por cima de nós
e dos machinhos, tiramos á pressa da algibeira os nossos gallos e
principiamos a imitar o melhor que podemos os silvos da terrível
cobra cascavel no momento pavoroso em que essa venenosa ser-
pe se acha no auge da fome e do rancor.
A do véu verde, então, deu um salto para traz sobre o pé
que tinha no chão, e o pé que estava no ar, em vez de passar por
cima de nós, pousou a um lado. Ella ficou-nos de perfil, descreveu
em largos e altos passos uma linha que fazia angulo recto com a
que eUa seguia ao marchar sobre nós, e o véu verde desappare-
ceu d'ahi a pouco nas brumas opalinas do horisonte.
Ninguém mais vimos ! Era todavia em setembro, e Leça estava
cheia de banhistas. Voltei lá no inverno, quando Leça estava intei-
ramente vasia, esperando ver alguém : a solidão era a mesma, dir-
se-hia que Leça continuava sempre — a estar cheia! Fui lá outra
vez este anno no principio da estação com Emilio Pimentel. íamos
percorrendo as differentes ruas desertas da povoação quando ao
dobrarmos uma esquina ouvimos uma campainha tangida á porta
de um cottage. O dedo seco e longo que carregava no botão de co-
bre reluzente era um dos cinco tentaculos que eu vira ha dezoito
annos. Debaixo de um braço reconheci a mesma pasta de marro-
quim; no rosto o mesmo dente e os mesmos dois saca-rolhas ap-
pareciam como dois capítulos vivos da inflexível historia, essa gran-
de mestra da vida! EHa olhou-me de lado, obliquamente, com um
olho só, nú, mas tão vivo que parecia armado de uma forte lente
esverdenhada. Creio que me reconheceu e que teve medo da peço-
nha do assobio que eu n'outro tempo expedia, porque o seu grande
véu cahiu-lhe rápido sobre o rosto até meio do peito, a porta do
cottage abriu-se como tocada por uma mola secreta, e ella desap-
pareceu como uma sombra.
38 AS PRAIAS DE PORTUGAL
Na Praça Nova de Mathosinhos ha uma estatua com esta inscri-
pção:
Á memoria de Passos Manoel
Erigiram este monumento seus conterrâneos
24 de agosto de 1864
Este singello e sympathico testemunho da estima de alguns
cidadãos pela memoria de um seu conterrâneo illustre vale muito
mais como intenção moral que como obra artistica. A estatua do
eminente estadista e do insigne tribuno popular parece-se pouco
com o original. A attitude é encolhida e falsa. A correcção do de-
senho é ligeiramente contestável. O grande homem, representado
n'esta eííigie de mármore branco, tem o aspecto de quem está pe-
dindo a opinião dos passeantes acerca do corte austero da sobre-
casaca monumentosa que elle tem vestida. Essa sobrecasaca, tão digna
e honradamente mal feita, certifica á posteridade a puresa dos cos-
tumes do cidadão que a enverga, impoUuto dos contactos viciosos
e depravados do dandysmo moderno.
Na mesma praça arborisada em que está a estatua de Passos
Manoel acha-se o Hotel de Mathosinhos, do snr. José Henrique Gon-
çalves, onde os quartos se alugam por 1:000 reis por dia, serviço
todo incluído.
No hotel ha restaurante com serviço por lista.
A pequena povoação de Mathosinhos, com a sua igreja e a
sua enorme imagem do Senhor, tão sympathica à devoção dos ma-
reantes, é extremamente aceada, alegre, bem lavada de ares. Tem
novas casas modernas, elegantes, muito bem repartidas, construí-
das recentemente pela Companhia Edificadora Portuense.
Na estrada de Mathosinhos, perto da povoação, está o hypo-
dromo do Jockey Club Portuense, vasto, com uma boa pista, do-
minado por uma esbelta tribuna. Tem um só defeito: é circumdado
por uma alta vedação de madeira. Para que é vedal-o por esta for-
ma? Uma simples corda bastaria. Se querem fazer das corridas um
divertimento nacional, é preciso que o povo as veja de graça. Em
Inglaterra, em França, em todos os grandes campos de corridas, o
povo tem o seu logar gratuito. Vedar com tristes e melancólicas
pranchas de madeira a vista de quem não paga é dar ao sentido
das corridas uma estreita accepção que pôde parecer mesquinha
da parte de ricos e cavalheirosos gentlmen.
AS PRAIAS DE PORTUGAL 39
Em Leça encontram-se pequenas casas confortáveis um pouco
mais baratas que na Foz, de apparencia mais modesta, e, para assim
dizer, mais rústica.
Dois lioteis — o Central e o Stephania — recebem hospedes a
1:000 e a 1:500 reis, havendo abatimento para mais de uma pes-
soa da mesma familia. No Stephania, mais longe da praia que o
outro, ha bilhar e piano. O preço dos jantares à mesa redonda nos
dois hotéis é de 500 reis. No Central ha dois jantares, um ás 5
horas outro ás 6. Na primeira mesa recebem-se os hospedes por-
tuguezes, na segunda os cidadãos britannicos.
Leça é nos subúrbios do Porto a praia preferida pela colónia
ingleza, cujos hábitos, cavallos, trens, toilettes imprimem ao sitio a
principal animação do seu aspecto exterior.
Na praia ha um miramar cora este distico:
Real sociedade humanitária.
João Pinto de Araújo,
a bem da classe pescadora, mandou edificar
em 1870
O miramar é destinado a dar senha aos barcos de pesca que
passara à vista da costa em dias de mar bravo.
A fortaleza da povoação, cujos fossos estão cuidadosamente
ajardinados, tem, vista de perto, o caracter pittoresco de uma horta
acastellada. Gomo construcção militar é do género d'aquellas que
existem na maior parte das praias portuguezas e que foram cons-
truídas sob a direcção do conde de Lipe.
O rio Leça, de margens ameníssimas, presta-se ás pequenas
partidas de canotage.
Um bello passeio, por estrada carroajavel, liga Leça á estação
de Pedras Rubras e põe os seus habitantes em communicação com
o caminho de ferro da Povoa de Varzim excellente para os passeios
dos convalescentes e para as excursões dos paizagistas.
Aos caçadores proporciona-se, tanto aqui como na Foz, o tiro
ás rolas de arribação que passara era agosto e seterabro, depois
dos priraeiros ventos de leste.
OQ
O
o
o
ti
Q
&
PEDROUCOS
É a mansão offlcial da villagiatura burocrática de Lisboa.
Chefes de secretaria, officiaes, amanuenses, tabelliães, guarda-
livros, caixeiros de escriptorio, escrivães, retemperam annuaimente
em Pedrouços a sua pallida e sedentária fibra plumitiva.
Por isso, Pedrouços, a uma légua de Lisboa, tem um pouco
o aspecto de uma secretaria do Estado — ao ar li\Te.
Os prédios á beira da estrada, que atravessa a população e
constitua a sua rua principal, são graves, sérios, aprumados, e
olham uns para os outros pacatamente, como quem se prepara
para jogar o wisth ou para resolver a questão da fazenda.
Senhoras em cabello saltitam na rua, de casa de umas para
j casa de outras, visinhando.
i Meninas de bibes brancos, escrupulosamente nitidos. trazem
os seus arcos.
Seis ou oito pianos em uso de ares, anemicos, debilitados,
tossem a valsa da moda com uma alegria contrafeita e um élan
doente e abatido.
Empregados públicos, de botinas brancas, sentados em cadei-
ras de vime á porta das suas habitações. Itíem a prosa da folha
official e parecem regalados na convivência d'aquelle bom compa-
nheiro— tão espirituoso! — o Diário do Governo.
Nas ruas do interior da população vé-se pelas janellas, no in-
terior do primeiro pavimento das casas, a mobiha, as camas, os
fatos, os viveres e os habitantes, accommodados como n'um ar-
mário repleto. Não ha no chão a menor superfície desoccupada. e
nota-se com sobresalto que. para entrar ali uma \1sit^; teria for-
\ çosamente de sahir d' ali uma commoda.
i O lixo das ruas tem um caracter especial, parecido com o hxo
i erudito e pedante que Henry Heine encontrou nos jardins dos pro-
42 AS PRATAS DE PORTUGAL
fessores da Universidade de Goettingue. O lixo dePedroupos nada tem
de commum com o lixo ordinário das aldeias e das povoações ma-
rítimas. É um lixo urbano, cazeiro, mais de corredor que de rua,
feito de bocadinhos de trapo, de amostrinhas de hareges, de papeis
velhos e de jornaes rasgados.
Á noite, quando os candieiros se accendem, as famílias fazem
grupo em volta da mesa redonda com tapete azul. É o recolhimento
domestico, modificado no seu aspecto por uma consideração : — a
consideração feita pelo recolhimento de que o estão observando os
passageiros curiosos dos omnibus, que passam na rua, quasi por
cima dos pés das pessoas que estão nas salas.
As casas são tão juntas e a concorrência tão agglomerada, que
todos vivem em contacto intimo uns com os outros, mesmo ficando
cada um em casa. Pela manhã, a gente abre a janella do seu quarto,
deita a cabeça de fora e pôde fazer a barba no espelho do seu vi-
sinho do prédio fronteiro.
Ha um bom hotel, o Hotel Club, fresco, aceado, dirigido por
uma senhora franceza e apresentando a boa apparencia interior,
modesta e confortável da pension bourgeoise.
Ha também algumas velhas arvores frondosas dentro da quinta
do duque de Cadaval, a cuja porta hospitaleira vão as senhoras
nos dias calmosos pedir sombra.
Pedrouços tem óptima sombra fresca e murmurosa para todos
os seus habitantes. Somente é preciso que estes tenham o traba-
lho de a ir buscar á matta de Cadaval. Fora d'esta propriedade é
arriscado contar com outra sombra que não seja a que cada um
projecta nos muros, o que sempre dá alguma frescura, ainda que
pouca — ás paredes.
A praia, como todas as da grande Bahia do Tejo, é lisa, plana,
de areia fina. O mar é tranquillo, sereno como um lago, o melhor
dos banhos, na maré enchente, para as creanças fraquinhas, para
as mulheres débeis, fatigadas.
O forte mar que bate as rochas da praia da Foz, da Figueira,
de Leça, da Povoa de Varzim, convém mais particularmente aos
fortes, ás grossas constituições limphaticas, alentadas e molles,
que precisam do exercício da resistência e da lucta. As praias do
Tejo, de Pedrouços a Cascaes, são como as dos golphos da Itália
e as da bahia de Arcachon, as mais propicias á constituição dos
valetudinários e dos anemicos.
É pena que, de tantas senhoras que se banham em Pedrou-
ços, no Dá-Fundo, em Paço d'Arcos, em toda a orla do Tejo, tão
poucas nadem. N'estas aguas serenas seria da maior vantagem para
AS PRAIAS DE PORTUGAL 43
as mulheres a natação. Este nobre exercício, executado de bruços,
obriga a uma forte contracção os músculos do dorso e do pescoço,
gjTnnastica extremamente benéfica para as pessoas que se fatigara
com o menor exercício, e ás quaes a natação desenvolve muito a
força da columna vertebral.
Seria um óptimo serviço á therapeutica o estabelecimento n'esta
praia de uma escola de natação para as senhoras.
Nas praias da Allemanha é raríssima a mulher que não sabe
nadar. Outra differença: as portuguezas vão para a agua cora de-
masiado fato ; as allemãs chegam a ir vestidas unicamente com o
seu bracelete. Para que esta innocente hberdade paradisíaca, para
que esta simples toilette pre-historica se torne possivel, ha na Alle-
manha algumas praias privativas das senhoras, onde o ingresso é
prohibido aos homens por meio de ura distico coUocado a distancia
n'um poste de madeira. Ao que transgride a disposição do letreiro,
appUca-se uraa multa de cerca de duas libras . . . Meu Deus ! é enorme.
Aconselho a escola de natação, mas não aconselho na toilette senão
modificações parciaes, porque, a nudez por ura lado, as duas li-
bras por outro, em Allemanha é a lei para todos, em Portugal
seria para cada ura a ruina : tantas vezes a multa seria paga !
Junto de Pedrouços, para o lado de Lisboa, fica a praia de
Belém, cujas condições são muito similhantes ás de Pedrouços.
Como povoação, Belera tera inteiraraente o caracter de ura
bairro urbano, desgregado da capital pela breve solução de con-
tinuidade que ha nas edificações raarginaes entre Alcântara e a Jun-
queira. Supprimara essa solução com a edificação de alguns pré-
dios, e desde Santa Apolónia até o Bom Successo ninguera perce-
berá onde Lisboa termina e onde o subúrbio começa.
Durante a melhor parte da estação dos banhos, em agosto e
setembro, o principal elemento da vida social e da animação de
Belém e praias adjacentes, é a feira, a faraosa feira de Belera.
No grande largo dos Jeronyraos, em frente da igreja, arma-se
a feira era três long.os arruaraentos parallelos. O primeiro tera de
ura lado a igreja e do outro a linha das barracas dos bonitos, da
louça das Caldas, da quinquilheria, da ourivesaria, dos pequenos
botequins, onde antigamente o serviço se resumia em nozes, quei-
jadas da Sapa, algum doce d'ovos e licor de rosa, mas onde mo-
dernaraente se vendem os gelados aristocráticos, ha um piano
que procura com mais ou menos êxito alegrar os prazeres da gula,
e sob os bicos de gaz scintillara os copos de groseille, larabedor
que parece particularraente grato ás raeninas de olhos sentiraen-
44 AS PRAIAS DE PORTUGAL
taes que circumdara as mesas, e aos offlciaes subalternos dos es-
quadrões de lanceiros que completam a roda.
No segundo arruamento estão dispostos os restaurantes am-
bulantes, as tascas nacionaes, tão pittorescas e tão características,
presididas pelos Vateis celebres na gastronomia popular: o Velho
Pinxa, a Guilhermina, o Vicente.
Este arruamento é o orgulho da cosinha portugueza em toda
a sua nativa e genuina pureza.
Nos grandes restaurantes de Lisboa, a preoccupação franceza
desnortéa os cosinheiros e leva-os a envenenar-nos com burun-
dangas asquerosas, cujos effeitos gástricos levam muitas vezes a
victima a lamentar que, em vez de terem vendido a sua alma ao
extrangeiro, os cosinheiros a não tivessem vendido ao diabo, para
não manipularem para mais ninguém as suas mixordias execran-
das e traidoras. Na tasca da feira de Belém, a caldeirada de me-
xelhão e de ruivo, os camarões, as saladas de alface ou de pimen-
tos, o linguado frito, constituem a lista do que Portugal pôde ofTe-
recer de mais perfeito na ordem dos simples e honestos acepipes
nacionaes.
No terceiro arruamento ficam os theatros ambulantes, os acro-
batas, os alcides, os animaes sábios, as figuras de cera, o tiro ao
alvo, os gigantes, os anões e as mulheres gordas, que, depois de
haverem sido admiradas em todas as curtes e de terem fascinado
as principaes testas coroadas, consentem afinal, cheias de magna-
nimidade e de transpiração, que os povos, com a ponta do dedo
e mediante a quantia de um pataco, verifiquem que ellas não tra-
zem algodão na barriga da perna nem em nenhuma outra parte, a
não ser talvez, um pouco, no velludo do vestido — dadiva de um
poderoso príncipe.
Na varanda dos pequenos theatros, os figles bufam grossos
monosylabos mavórcios; os clarinetes silvam alegres marchas
triumphaes ; uma corneta de chaves, dedilhada por uma grossa
mão athletica com uma unha esmagada, divaga em requebros sen-
tiraentaes e gemebundos. Os palhaços gritam: «Vae prrrincipiar a
funcpãol Vae prrrincipiar! Comprrrem seus bilhetes!» A grande luz
crua do gaz alluraia de chapa as physionomias dos circumstantes.
Uma dançarina macroba, cora a sua angulosa corpulência ossuda,
vestida de tulle de côr verde, mastigada pelo tempo, salpicada de
lentejoulas enferrujadas pelo suor, com o rosto estucado de alvaiade
e alegrado de vermelhão, espera ao lado da orchestra, com as
suas castanholas nc bolso, que sòe a hora tle ella entrar em scena,
AS PRAIAS DE PORTUGAL 45
juvenil, travessa, salerosa, com uma rosa de papel vermelho af-
íixada na cuia, sorrindo n'um pas de deux ao gitano de óculos,
que interinamente está por baixo, n'um nicho, vendendo os bi-
lhetes.
E dentro das pequenas barracas mais obscuras — á porta das
quaes ura simples realejo modestamente remoe — o anão, vaidoso
e maligno, passeia com as mãos nos bolsos ; a mulher gorda, posta
no throno em que se ha de exhibir, pede ao seu empresário que vá
de uma corrida buscar-lhe um bocado do ventre postiço que lhe es-
queceu em casa; e o gigante, encolhido, contemplando as suas longas
pernas esgalgadas e frágeis, escuta a musica, os pregões, os ale-
gres ruidos da feira, sente a mais profunda tristeza nostálgica — a
enorme tristeza dos gigantes; e com o seu pequenino craneo, des-
proporcional, apertado nas mãos, considera-se o mais desgraçado
dos seres.
Para os extrangeiros, Belém é interessantíssimo, pelos monu-
mentos que encerra:
O Picadeiro de Belém, onde se conservam os velhos coches
de gala dos reis portuguezes.
O monumental paço d 'Ajuda, de uma grandeza cezarea, cuja
ornamentação caracterisa profundamente o mau gosto inexcedivel
da arte decadente, da orgulhosa pompa monarchica, absolutista e
fradesca, construído pelo italiano Fabri e encerrando alguns fres-
cos bem pintados por Pedro Alexandrino.
Finalmente, o convento dos Jeronymos, a jóia preciosa, a obra
prima da architectura nacional.
O Santo templo
Que nas praias do mar está sentado.
A historia do grande e famoso mosteiro prende-se aos fastos
mais bellos da nossa historia, à gloria immarcessivel dos nossos
navegantes.
No logar em que hoje se acha o edificado convento — a antiga
praia do Rastéllo — existia no tempo de D. Manoel uma simples er-
mida, fundada pelo infante D. Henrique e doada por elle á ordem
de Christo, de que era mestre, a fim de n'ella se prestarem os soc-
corros espirituaes aos mareantes.
46 AS PRAIAS DE PORTUGAL
Esta ermida presenceou no dia 8 de julho de 1497 — um sab-
bado — a ceremonia que, solemnisando a partida de Vasco da Ga-
ma, marcava a primeira data do maior feito d'essa edade: — o
descobrimento do caminho maritimo da índia. Barros, nas Décadas,
descreve nos seguintes termos essa commovente solemnidade:
«E quando foi ao embarcar de Vasco da Gama, os freires da
casa, com alguns sacerdotes que da cidade lá eram idos dizer mis-
sa, ordenaram uma devota procissão, com que o levaram ante si
n'esta ordem : Eile e os seus com cirios nas mãos, e toda a gente
da cidade ficava de traz, respondendo a uma ladainha que os sa-
cerdotes adiante iam cantando, té os porem junto dos bateis em
que se haviam de recolher. Onde, feito silencio, e todos de joe-
lhos, o vigário da casa fez em voz alta uma confissão geral; e no
fim d'ella os absolveu na forma das bulias que o infante D. Hen-
rique tinha ávido para aquelles que n'este descobrimento e con-
quista fallecessem. No qual acto foram tantas as lagrimas de. todos,
que n'este dia tomou aquella praia posse das muitas que n'ella
se derramam na partida das armadas que cada anno vão a essas
partes que Vasco da Gama ia descobrir. De onde com razão lhe po-
demos chamar praia de lagrimas para os que vão e terra de pra-
zer para os que vem. E quando veio ao desfaldrar das velas, e que
os mareantes, segundo seu uso, deram aquelle alegre principio de
caminho, dizendo: boa viagem, todos os que estavam presentes
na vista d'elles com uma piedosa humanidade dobraram estas la-
grimas e começaram de os encommendar a Deus e lançar juizos,
segundo o que cada um sentia d'aquella partida. Os navegantes,
dado que com o favor da obra e alvoroço d'aquella empreza, em-
barcaram contentes, também, passado o termo do desferir das ve-
las, vendo ficar em terra seus parentes e amigos, e lembrando-se
que sua viagem estava posta em esperança, e não em tempo certo e
lugar sabido, assim os acompanharam (aos que ficavam) em lagri-
mas e no pensamento das cousas que em tão novos casos se apre-
sentam na memoria dos homens. »
D'esta partida e do glorioso regresso de Vasco da Gama, veio
talvez a D. Manoel a ideia de fundar o convento que substituiu a
ermida, sendo dada pela coroa aos freires de Christo a casa em
que fora uma synagoga, que a rainha mandou purificar e que se
converteu na igreja da Conceição Velha.
Os religiosos a quem foi dado o mosteiro sob a invocação de
S. Jeronymo eram oljrigados á seguinte clausula: «Ao lavabo, o
sacerdote que celebrasse a missa, se voltaria para os fieis e diria
em voz alta: Rogae a Deus pela alma do infante D. Henrique,
»:-(
AS PRAIAS DE PORTUGAL 47
primeiro fwidador d'esta casa, e pelu de D. Manoel, qns a doou
d 7wssa ordem. »
Segundo o snr. abbade Castro, o altar em que se disse a missa
da partida do Gama é o do Senlior dos Navegantes, que ainda lioje
se conserva na igreja de Belém.
O templo é todo de mármore branco, no estylo gothico, sendo
todos os ornatos arrendados e cinzelados primorosamente ao gosto
manoelino que inspirou o risco opulentíssimo do claustro.
Ao entrar na igreja pela porta principal, transpondo-se a pri-
meira parte do edifício, abafada debaixo do curo, recebe-se uma
repentina sensafão de grandeza e de magestade, de que Filippe ii
deu a medida, quando, visitando pela primeira vez a igreja de
Belém, se voltou para Ctiristovam de Moura que o acompanhava e
lhe disse: É nada o que fizemos no Escu/rial.
Fihppe II tinha estudado profundamente architectura. O seu
voto, como critico, é tão auctorisado quanto é insuspeita a since-
ridade da sua admiração como rei e como hispanhol.
Os pilares que sustentam o tecto, de abobada chata, são tão
superiormente trabalhados, que o barão Taylor, enviado a Lisboa
em 1836 pelo governo francez, não só tirou d'elles os desenhos,
mas os mandou modelar a todos em gesso pelo natural.
A abobada do cruzeiro é mais admirável que a da casa do
capitulo na Batalha,
Na porta da igreja para a parte do Sul, trabalhada como uma
jóia, de magnificência admirável, vé-se sobre a columna que di-
\ide a porta pelo meio, a estatua do infante D. Henrique, armado,
de cabeça descoberta, encostado á espada. Seria demasiado longo
consagrar aqui ao mosteiro dos Jeronymos o estudo que elle me-
rece e que, de mais, está já feito pelos snrs. abbade Castro e Var-
nhagen. Ás investigações d'este ultimo erudito se deve o achar-se
hoje demonstrado que o primeiro architecto da obra de Belém foi
um itahano chamado Bocetaca. O segundo mestre foi o portuguez
João de Castilho. Além d'este havia outros empreiteiros que se
obrigavam a trazer effectivos no trabalho um certo numero de ope-
rários, cerca de cem cada empreiteiro.
Mestre Bocetaca ganhava 100 reis por dia. O jornal dos ope-
rários era de 40 reis e o dos mestres empreiteiros 50 a 60 reis.
A estas despezas tinha D. Manoel mandado apphcar a vintena
da importância dos productos trazidos da índia. Em 1570, D. Se-
bastião mandou cessar as obras que ainda se estavam fazendo na
capella-mór da igreja, reedificada pela rainha D. Catharina, sendo
48 AS PRAIAS DE PORTUGAL
O dinheiro anteriormente destinado á obra applicado por ordem do
mesmo rei ás despezas das guerras d'Africa.
No edifício do mosteiro acha-se estabelecida, desde a extincção
das ordens religiosas, a Real Casa Pia de Lisboa, um dos raros es-
tabelecimentos portuguezes exemplarmente administrados e diri-
gidos.
POVOA DE VARZIM
É o caravansará rtos habitantes do Minho em uso de ba-
nho ou de ar do mar. Nenliuma outra praia ofTerece tão variada
concorrência. Em agosto e setembro a Povoa converte-se em uma
enorme estalagem com quartos a todo o preço, em que se alber-
gam os romeiros de todas as gerarchias, desde o mendigo legen-
dário, o mendigo dos melodramas e das feiras minhotas, de mu-
letas, de alforge ao pescoço e de grandes barbas esquálidas, até o
poderoso commendador brasileiro, de camisa de bretanha anilada
como um retalho de ceu pregado no peito com um brilhante.
A rua da Junqueira — principal artéria da povoação que hga a
praça em que se acha a casa da camará, a administração e o mer-
cado, com a praia — está desde pela manhã cedo até alta noite coa-
lhada de moscas e de gente.
As moscas cobrem os muros, as humbreiras das portas, as vi-
trines e os mostradores das lojas, n'uma immobilidade, n'um goso,
n'um extasi que impressiona particularmente os forasteiros. As su-
perQcies que as moscas deixam devolutas são occupadas pela gen-
te. Quando um viajante chega, com a sua mala, ergue-se no ar uma
nuvem negra que scintilla e que zumbe: são as moscas que se des-
locam e procuram apertar-se um pouco mais para dar logar ao
adventício. Outras vezes é a gente que encurta o passo, que se con-
densa, que se enovella: n'estes casos é uma nova mosca que che-
ga e sollicita o seu logar na rua. Dá-se-lhe o espaço preciso para
ella se estabelecer e a circulação dos viandantes regularisa-se e
prosegue.
Vê-se o pequeno lavrador que desceu dos montes para banhar
as suas enfermidades. Traz um lenço na cabeça, por baixo do cha-
péu, atado ao queixo, amplas chinellas de couro cru, longo capote
de cabeções. Mulheres de pés mis, com as saias de baeta pelos
50 AS PRAIAS DE PORTUGAL
hombros, as mãos crusadas no estômago, o cabello curto cabido
n'uma sanefa sobre as sobrancelhas. Os morgados ruraes, de botas
de montar e esporas, jaqueta de astrakan, alta chibata de marme-
leiro. As senhoras provincianas com as suas boas cores sadias, os
seus bons dentes brancos, as suas fortes bocas vermelhas, luvas
de fio de Escócia apertadas com cordões de seda azul e cuias de
retroz em rolo inteiriço, enroscado como o chouriço de sangue, ou
dividido em secções como um cacho de murcellas de Arouca preso
á nuca com dois pregos de cabeça de tartaruga. Todos os juizes,
todos os delegados, todos os presidentes de camarás das comarcas
e das municipalidades circumvisinhas. O sport de Braga, com os
seus bigodes espessos e brilhantes, os seus chapéus á moda e as
suas esporas de prata tilintando na lage das calçadas. O high-life de
Guimarães, de Fafe, dos Arcos, de Santo Thyrso, de Villa Nova de
Famalicão, de Barcellos, ostentando novas toilettes esmeradas, imi-
tadas dos últimos figurinos com as devidas modificações exigidas
por um bem entendido espirito de conciliação entre a novidade de
Pariz e as tradições e as conveniências locaes dos respectivos me-
ridianos. Os jogadores de toda a provinda e de outros pontos do
reino com as pálpebras inflammadas pela acção do gaz e do petróleo,
com a sua paUidez oleosa como se fosse tratada pelas exhalações
da terebentina ou como se se lhes tivesse congelado na face o gor-
duroso vapor das batotas.
Entre esta multidão que permanece na Povoa durante um,
dois ou três mezes, figuram ainda os touristes que fazem a viagem
circulatória do Minho e se demoram poucos dias, os visitantes do
Porto que chegam nos domingos com os seus bilhetes de ida e volta.
A rua da Junqueira com a sua gente e as suas moscas apre-
senta o aspecto de um arruamento de feira.
Em todas as casas ao rez da rua se organisam estabelecimen-
tos de commercio, uns fixos, outros fluctuantes.
As lojas de barbeiro, sempre em exercício, no meio das quaes
um homem envolto n'uma toalha, dorme n'uma cadeira de braços
ou considera as moscas que coalham o tecto, em quanto o Figaro,
de mangas arregaçadas, lhe segura delicadamente a ponta do nariz
e lhe raspa a face envolta n'um floco de espuma.
Os ourives postados por traz das suas vitrines mostrando ás
mulheres do campo os grandes corações de filagrana de ouro, os
relicários, as grossas arrecadas.
Os camiseiros com a sua exposição de camisas de cor, de gra-
vatas de todas as gradações do iris, de bengalas, de chapéus de
chuva, de jóias de cobre dourado, de collarinhos postiços, de lu-
AS PRAIAS DE PORTUGAL 51
vas, de aguas de cheiro e de unguentos aromáticos, — todos os ar-
tigos do luxo barato.
Os espectáculos das grandes guerras e dos longínquos paizes,
das mulheres gordas e das mulheres gigantes, tendo á porta o seu
reposteiro de chita encarnada ao lado do respectivo cartaz e den-
tro o realejo festival moendo um trecho da Favorita.
Os botequins, os estancos, as tabernas com o seu grande ra-
mo de loureiro á porta.
Os mercadores ambulantes, vendendo ás esquinas os peque-
nos espelhos, as estampas, as lithographias das testas coroadas e
os reporíorios montados n'um barbante. Os que trazem suspenso
do pescoço por uma correia o taboleiro com os canivetes, os gar-
fos, as colheres, os pentes, as caixas dos pós de dentes e os sa-
bonetes Windsor. Os que tiram as nódoas e vendem as pastilhas
maravilhosas que comem a gordura da gola das jalecas. Os que
exhibem encostada ao muro a coUecção de varapaus argolados, de
desempenados marmeleiros, de cannas da Índia com os seus ferrões
■ polidos embrulhados em papel.
N'esta multidão espessa e ruidosa sobresahem de espaço a es-
' paço as pesadas diligencias, os chars-à-bancs de cortinas de risca-
do ou de couro, cobertos de poeira, puxados por três cavallos es-
cancellados, com o tejadilho acuculado de malas, de saccos de chi-
ta, de alforges, de bahus, de caixas de lata, carreando os passa-
: geiros de Barcellos, de Fão, de Celorico e do Pico.
' A' porta das estalagens homens com as suas bagagens sobra-
çadas descendem gymnasticamente da imperial, emquanto mulhe-
res gordas e pesadas, amparadas com as duas mãos aos batentes
da portinhola, adeantam para o estribo um pé arrastado, desco-
brindo o grosso artelho entorpecido pela sciatica.
Dois grandes e bellos cafés, com óptimos bilhares, grandes
espelhos, muita luz, abrem as suas portas sobre a rua da Jun-
queira.
A' noite esses cafés enchem-se inteiramente. Homens, senho-
! ras, banhistas de todas as classes, viajantes de todas as procedên-
cias, occupam todos os bancos, agglomeram-se em volta de todas
as mezas. No meio os jogadores de bilhar procuram cora diílicul-
' dade um pequeno espaço para poderem recuar os tacos. Os crea-
dos circulam difficilraente com as bandejas. Harpas e rebocas or-
ganisam um concerto. Uma mulher hespanhola ou italiana, com um
' prato de estanho, soUicita com um sorriso os donativos da assem-
bleia. Um barítono de longos cabellos, penteados para traz das
orelhas, infatigável borrador, com a mão na abertuia do coUete,
52 AS PRAIAS DE PORTUGAL
a fronte alta, o olhar intrépido, entoa uma romansa. Uma espessa
aíhmosphera de fumo dos charutos, empregnada dos vapores do ál-
cool, da cerveja e do café^ envolve aquelle grande ruido. Ás por-
tas mulheres do povo, homens de cajados e jalecas ao hombro,
olham apinhados e em bicos de pés.
Por cima de um d'estes cafés é a casa de Jantar do hotel
Luso-Brasileiro, um vasto salão que eni algumas noites se converte
em sala de baile. Não ha club. Os bailes organisam-se por subscri-
pção entre os banliistas e a casa é alugada para esse fim aos pro-
prietários do hotel.
Em todos os cafés ha um compartimento supplementar em
que se joga o monte ou a roleta; em um d'elles passa-se da sala
do bufete ao jardim, onde se acha a roleta installada n'um bonito
pavilhão.
Na Povoa, assim como em Espinho, na Foz, na Figueira, em
todas as grandes praias, a concorrência em volta do panno verde
é das mais curiosamente variadas. Homens de todas as condições
sociaes, proprietários, funccionarios públicos, capitalistas, professo-
res, htteratos, mihtares com os seus uniformes, sacerdotes com as
suas coroas.* Como o jogo é prohibido, como a casa da tavolagem
se considera secreta, como ha uma entrada mysteriosa, cada ura se
julga ao abrigo da notoriedade e todo o mundo joga. Os caixeiros
imaginam que não serão ahi vistos pelos seus patrões, os filhos
que não encontrarão lá os seus pães, os devedores remissos que
estarão livres dos fornecedores implacáveis, os amanuenses que
não darão com os chefes de secretaria, os jovens tenentes que es-
tarão a coberto do olhar reprehensivo e severo dos commandan-
tes dos corpos. Depois, lá dentro, se os inesperados encontros se
eíTectuam, como geralmente succede, a cumplicidade n'um delicto
commum estabelece uma indulgência reciproca. Isto é uma cala-
midade que só ha um meio de evitar : decretar a hberdade do jogo
sob certas condições essenciaes entre as quaes não devem esque-
cer as seguintes:
1.^ Que o jogo seja inteiramente publico, cora porta aberta
para toda a gente sem excepção alguma. Desde que um filho-fami-
lia com os seus sapatos envernizados, as suas meias de seda e as
suas luvas côr de pérola, resolve frequentar a batota, é preciso
que entenda bera que se rebaixa até o ponto de ir achar-se senta-
do entre um moço da cavallariça e um empregado na limpesa dos
canos, os quaes irão com as suas camisas gordurosas e fétidas e
com os seus pés nús dar á mocidade inexperiente e elegante a
dura Ução das vicissitudes sociaes.
AS PRAIAS DE PORTUGAL - 53
2.^ Que a casa de jogo seja assignalada á critica do publico,
ao exame dos philosophos e á vigilância da policia por meio de
uma taboleta e de uma lanterna especial que estará accesa toda a
noite.
3.* Que a policia tenha direito, quando o julgue conveniente,
de exigir o nome de cada um dos jogadores, a fim de que possa
, capturar os vadios, que por ventura se tenham escapado á acção
: da lei.
4.^ Que os proprietários das casas de jogo sejam devidamen-
te inscriptos nos registros dos escrivães de fazenda, que se torne
extensiva á sua industria a lei tributaria que pesa sobre os lucros
proporcionaes de todos os cidadãos.
5.^ Que os banqueiros, proprietários das casas de jogo sejam
obrigados a uma escripturação regular e authentica dos seus lu-
cros e perdas, da qual a policia extraia os dados precisos para a
estatística geral do vicio, averiguada pelo exame d'estas novas ca-
■ sas toleradas.
A repressão do jogo, além de offensiva da liberdade, é diífl-
cil de se tornar eífectiva. Dá em resultado encarcerar de quando
: em quando alguns pobres diabos que jogam os seus patacos em
um quarto de taberna, emquanto deixa impunes os jogadores mais
■ poderosos que encontram sempre meio de evadir-se ás pesquisas
■ pohciaes.
Emquanto o jogo fôr uma illegalidade secreta, elle manterá
os attractivos das coisas defesas. E' preciso dar-lhe na sociedade o
seu verdadeiro logar e mostral-o claramente, não como um fructo
prohibido, mas como um fructo podre.
Emquanto a imprensa considerar sob outro ponto de vista a
questão cio jogo este continuará como até agora fazendo estragos
irremediáveis na honra e na fortuna das famílias e constituirá nas
' praias de Portugal durante a estação dos banhos o mais lamenta-
' vel flagelo.
Como o numero das pessoas do Minho predomina na concor-
rência a esta praia, a Povoa mantém inalteravelmente a feição pro-
vinciana. Todos os banhistas jantam ás três horas e fazem os seus
passeios á tarde. Ao toque das Ave-Marias toda a gente que pas-
seia na praia e no Paredão, que é o ponto da reunião geral, tira
os seus chapéus, pára, persigna-se e faz oração.
A mais interessante e a mais importante curiosidade da Po-
voa é o pescador poveiro.
O poveiro constituo uma raça perfeitamente especial na po-
pulação do nosso littoral. Inteiramente diíTerente dos typos gregos.
54 AS PRAIAS DE PORTUGAL
finos, magros, elegantes, de perfis aquilinos, dos varinos, dos ce-
lebres pescadores de Ovar e de Olhão, o poveiro tem o typo sa-
xonio. É ruivo, de olhos claros, largos hombros, peito athletico,
pernas e braços hercúleos. As feições são arredondadas e duras.
As bocas dos velhos quando perdem os dentes alargam-se extre-
mamente na direcção das orelhas e dão-lhes ao perfil uma certa
similhança com os jacarés. Teem uma força prodigiosa. Ha tempos
um poveiro ainda moço fói capturado em consequência de um pe-
queno distúrbio n'uraa taberna. iMettido pela primeira vez da sua
vida na cadeia, onde devia passar vinte e quatro horas, sentiu
uma saudade irresistível da liberdade e fez o seguinte : agarrou a
grade com os seus fortes pulsos, arredou um dos varões de ferro
para um lado, arredou o outro para o lado opposto, e pelo espaço
aberto foi-se embora para casa.
Eu mesmo conheço um já velho, que o vicio da embriaguez
fez expulsar successivamente de todas as companhas. Um amigo
meu, José Falcão, deu-lhe um bote e umas redes. Elle só, consti-
tuo a tripulação d'este barco; elle só, lança e recolhe as redes;
elle só, dirige a embarcação no mar alto; elle só, á força de re-
mos, a arranca da praia e lança ao mar nos dias em que a maré
rebenta com mais Ímpeto na costa. Quando vae embriagado para o
mar, o que muitas vezes lhe succede, chora de enthusiasmo no
meio da borrasca e faz discursos patheticos ao oceano. Os seus
confrades teem-o visto só no meio dos vagalhões, em pé na sua
pequena barca, bater no peito nú e hirsuto com o punho cerrado
e exclamar trovejantemcnte : — Eh ! mar ! . . . aqui agora é nós
dois, tu e eu! Tu com as tuas ondas, eu com os meus protectores:
Deus e o sôr José Falcão !
Quando o mar se levanta repentinamente, todos os barcos an-
corados na^praia são varados na areia á força de braços por ho-
mens e mulheres. As embarcações, grandes lanchas algumas d'ellas,
são encalhadas a remos. Uma vez na areia homens e mulheres,
mettidos na agua até á cinta, encostam o hombro ao barco e fa-
zem-o subir na praia até dez ou quinze metros acima da lingua
da maré. É n'estes duros exercícios que se pôde apreciar a ex-
traordinária força muscular d'esta raça privilegiada. Velhos de ses-
senta a oitenta annos, de cabellos brancos e duros cabidos na testa,
a camisa desabotoada, o peito mordido pelo sol e pelo vento do
mar, a pelie vermelha, doirada, com reflexos metálicos como uma
folha de vinha no outono, acocoram-se debaixo da popa de uma
lancha, fincam os pés na areia e impellem com as costas, desen-
volvendo a maior força de que pôde dispor a columna vertebral,
AS PRAL^S DE PORTUGAL 55
ura peso de esmagar um homem vulgar. N'essas altitudes, com as
clavículas descobertas, os braços e as pernas nuas, de uma riqueza,
de uma amplidão, de uma perfeipão muscular que eguala as mais
vigorosas anatomias de Miguel Angelo, os po veiros são verdadeira-
mente bellos, de uma belleza titânica.
O traje de que usam contribue para fazer realpar o aspecto
da sua forta corpulência. De uma espécie de grossa ílanella branca,
fabricada na Covilhã e chamada branqueia, trazem umas amplas
pantalonas largas até o bico do pé, camisa egual, cinta de lã preta,
barrete encarnado, de grande manga, cabido quasi até á cinta, e,
lançado ao hombro, um jaquetão de grosso panno azul; que se não
veste senão quando chove. Nada mais simples, mais confortável e
mais commodo para um homem do mar.
Para os trabalhos da pesca arregaçam as mangas até o hom-
bro, arregaçam as calças até o alto da perna, e ficam quasi nús
como 03 atlethas.
Muitos são condecorados pelos assombrosos actos de dedicação
e de bravura, praticados no mar em serviço dos seus similhantes.
Nenhum d'elles traz a medalha na camisola ou na jaqueta. A con-
decoração, que elles estimam como uma lembrança querida e so-
lemne, trazem-a pendente do pescoço, escondida, junto da pelle,
sobre o coração.
No mez de maio do anno findo, 1875, naufragou uma lancha
á vista de terra. ^Morreram seis homens. N'essa occasião, um dos
tripulantes de um dos botes que acudiram de terra ao logar do
sinistro, mergulhou no alto mar e arrancou do fundo do oceano
um dos seus companheiros exânimes. Prestaram-se-lhe promptos
soccorros e esse naufrago sobreviveu aos effeitos da congestão que
o atacara. O valente companheiro que o salvou e por esse facto
foi condecorado com a medalha de prata chama-se Domingos Go-
mes, o Ainda.
Os factos d'esta natureza repetem-se por varias vezes em cada
inverno.
Os trabalhos do mar são aqui perigosíssimos. Na costa, intei-
ramente descoberta e nua, ha apenas um pequeno abrigo feito por
um quebra-raar não concluído. Dobrar a ponta do quebra-mar e
recolher no abrigo é de um perigo iminente apenas o mar se en-
crespa. Logo que uma lancha está era perigo, as mulheres dos tri-
pulantes vêem á praia e pedem em gritos dilacerantes aos santos
seus conhecidos que salvem a embarcação. Se o perigo continua,
se os santos se não apressam a salvar os maridos, os pães e os
irmãos d'aquellas boas mulheres, ellas accordam os santos que es-
56 AS PRAIAS DE PORTUGAL
tão em uma capella próxima, partindo-lhes as vidraças e enchendo
de pedradas o templo. Emqiianto a lancha em crise se não vira,
os pescadores que estão na praia desembarcando as suas redes ou
varando os seus barcos são absolutamente indiíTerentes ao alarido
lacrimoso das mulheres e ao espectáculo do naufrágio eminente.
Aquillo mesmo foi o que lhes succedeu a elles na véspera e é o
que os espera no outro dia. Virada a lancha, correm então ao
salva-vidas e todos se prestam a partir immediatamente em auxi-
lio dos seus companheiros.
De uma actividade infatigável no mar, os poveiros em terra
trabalham pouquíssimo ; alguns não trabalham pela palavra nada.
Ancorado o barco recolhem o remo e ficam nos bancos dormindo
com os braços crusados no peito. São n'este caso as mulheres que
descarregam o peixe, que contractam a venda, que recebem o di-
nheiro dos negociantes e que distribuem as quotas pelos tripulan-
tes. Estes acordam para receber o dinheiro, mettem-o na algibeira,
sobraçam um pichei ou um pequeno pipo que todo o pescador leva
com vinho para o mar, lançam ao honibro o jaquetão, saltam á
praia, e, com a indifferença mais profunda por tudo quanto os
cerca, caminham solemnemeníe para a taberna.
De uma ignorância pyramidal, é raríssimo aquelle que sabe
syllabar. Nenhum sabe escrever. Na administração do concelho per-
guntaram a um que ali tinha ido saber se o filho estava recenseado
como se chamava o filho; elle pediu que o esperassem um mo-
mento e foi n'uma corrida a casa perguntar como o filho se cha-
mava. Pela sua parte, nunca lhe tinha chamado senão unicamente
filho.
São naturalmente bons, dedicados, reconhecidos, dóceis como
mulheres. Com uma palavra e com um sorriso, uma creança le-
va-os por uma orelha para onde quizer, para a taberna ou para
a morte.
Não usam faca. Nas suas questões pessoaes batem-se ao pu-
gilato. Nas questões de companha para companha batem-se no alto
mar á pedrada. Nos motins em terra lançam mão da primeira arma
que o acaso lhes ministra e tudo é arma nas mãos d'elles. Um dia,
em 1846, constou-lhes que a camará municipal, reunida em ve-
reação, estava tractando de lhes lançar um novo tributo. Vieram
alguns á praça em que estavam os paços do concelho, arrancaram
os estadulhos dos carros que estão no mercado, subiram á casa
da municipalidade, e tudo quanto lá estava dentro, vereadores,
auctoridades administrativas, policia, fisco, saltaram pelas janellas
á rua. No dia immediato chegava á Povoa um regimento para suf-
AS PRAIAS DE PORTUGAL 57
focar a anarchia. Os pescadores que teem ás armas de fogo um
terror de selvagens, apenas lhes constou esta noticia, desamarra-
ram de noite os seus barcos, fugiram para o mar e durante mui-
tos dias nem um único appareceu. Se o regimento não retirasse
seria de receiar que nunca mais voltassem a terra.
É incomparável e única a aversão do poveiro ao serviço mi-
litar. O modo como elles conseguem evadir-se ao pagamento do
tributo de sangue merece referir-se. Para isso porém são necessá-
rias algumas palavras acerca do bairro especial dos pescadores na
Povoa.
Nada teem com o resto da villa os pescadores. Vivem em uma
parte, da povoação inteiramente distincta e que fica na praia ao sul
do paredão a que acima me referi. Três ruas parallelas, cujas pe-
quenas casas ficam umas defronte das outras á beira do mar, con-
stituem a porção da villa que os pescadores habitam. Um signal
dado n'um apito ou n'uma busina previne todos os moradores
d'este pequeno bairro. As casas são interiormente de um grande
piltoresco. Nos dias de sol, com todas as casas abertas, de qual-
quer das ruas se avista a espaços o mar descoberto atravez das
portadas. O mesmo quarto serve de sala, de alcova, de cosinha. A
um lado está o lar, ao outro a cama, um leito ou um beliche sus-
penso como a bordo; a prateleira da louça pende de uma pa-
rede; do tecto suspendem-se os molhos das cordas còr de sé-
pia; as trouxas de roupa, as redes, os cestos, os apparelhos de
pesca. Lembraria os interiores flamengos se a ausência completa
da agua, os cações escalados que estão secando ao sol estirados
nas portas com três pregos, as paredes negras e gordurosas não
provassem evidentemente ao viajante que elle está bem longe das
cabanas hollandezas escrupulosamente baldeadas, esfregadas e lus-
tradas todos os dias, como o convez da mais nitida corveta da ma-
rinha ingleza.
Eífectuados na Povoa os trabalhos do recenseamento militar e
do recrutamento subsequente sem que um só poveiro se tenha
apresentado perante as convocações da auctoridade, um, dois, três
ou quatro beleguins acompanhados do respectivo escrivão apre-
sentam-se no bairro dos pescadores a requisitar os refractários.
Apenas os representantes dos poderes públicos penetram no bairro
da pesca, um signal dado pela primeira pessoa que os avista, ura
velho, uma creança, uma mulher, põe de sobreaviso toda a visi-
nhança. Se os pescadores estão a essa hora no mar não appare-
cem senão mulheres, as quaes declaram todas, contestes, que
nunca ouviram fallar nos nomes dos refractários a que a auctori-
58 AS PRAIAS DE PORTUGAL
dade se refere. Se os pescadores estão em terra, apparecem to-
dos ás suas portas. Todos teem os mesmos typos physionomicos,
todos teem o mesmo vestuário, o grande gorro encarnado ou preto,
a larga calça e a camisa de branqueia ou a camisola justa com um
coração e uma cruz bordada no peito, e umas armas de Portugal
cora a respectiva coroa bordadas no braço direito. Principia então
o inquérito do refractário.
— Onde mora aqui João das Pragas, filho de José, o Russo?
O primeiro dos pescadores a quem se dirige esta pergunta
retira o seu cachimbo de gesso do canto da bocca e diz:
— O João?
— Sim, snr.
— O João das Pragas ?
— Sim, snr.
— O filho do Russo ?
— Sim, snr.
— Conheci muito bem. Esse rapaz morreu.
— Morreu ? Mas do livro ■ dos óbitos da freguezia não consta
que elle tenha fallecido.
— Pois pôde mandar plantar no livro que morreu. A gente
não estamos lá no livro, porque a gente quando morremos não mor-
remos cá na freguezia. A gente morremos no mar.
— Passa-se a interrogar o segundo poveiro, que dá exacta-
mente a resposta que deu o primeiro ; o terceiro responde como o
primeiro e o segundo; e assim por deante, successivamente, a
mesma resposta invariável, até não haver mais poveiros que in-
quirir.
Outro refractário : Manoel Forte, filho de Joaquim da Rita.
— Está intimado para declarar terminantemente sob pena de
cadeia onde pára este mancebo.
— O Manoel? O Manoel Forte? o filho do Joaquim da Rita?
Gonheci-o muito bem ! Até parece que ainda o estou a ver! Esse
rapaz está ali defronte ...
— Onde?
— No fundo do mar.
E a evasiva consagrada, a resposta sabida e constante: todo
o mancebo recenseado morreu.
Deante das requisições da auctoridade não ha entre os pes-
cadores inimigos nem indiíTerentes, protegem-se todos dedicada-
mente perante o inimigo commum. É uma alliança indissolúvel e
invencível. Todos os esforços são inúteis para a combater. Viola-
dos no seu bairro, os pescadores fogem para a praia. Alii a per-
AS PRAIAS DE PORTUGAL 59
seguição é perigosissima para quem a intenta. Se um oíTicial de
justiça ousasse apparecer na praia seria infallivelmente morto de-
baixo da mais densa chuva de pedras, de fisgas, de liarpões. Em
ultimo recurso embarcam. Assim a Povoa não dá um único homem
para o recrutamento maritimo, o que prova que quando três mil
e quinhentos homens reunidos não querem uma coisa é impossí-
vel obrigal-os áquillo que elles não querem.
Três mil e quinhentos é o numero dos pescadores na Povoa.
O producto annual da pesca é, segundo as estatísticas da alfande-
ga, de 145 contos. Segundo o computo mais provável dos nego-
ciantes, que proposeram fiscalisar por sua conta e dar ao Estado o
tributo proporcional, eleva-se aquella somma a 269:66ô?$>600 reis.
O imposto do pescado pago pelos pescadores da Povoa é de
5:661^828 reis.
Em troca d'esta elevada quantia quaes são os servipos pres-
tados pelo Estado a estes pescadores? Nenhuns. O quebra-mar
está por concluir ha muitos annos, apesar da promessa feita aos
pescadores pela própria pessoa de el-rei, em 1872, de que o go-
verno iria occupar-se immediatamente da conclusão d'aquella ur-
gentíssima obra. A camará da Povoa e os seus habitantes estão in-
hibidos de occorrer áquelle trabalho tão importante pela razão
que pertencem exclusivamente ás altribuições do ministério da
marinha as obras comprehendidas desde o ponto a que chega a
hngua da maré em agosto até o mar.
Não ha um guindaste a vapor, que poderia prestar relevan-
tes serviços á fazenda dos pobres pescadores recolhendo rapida-
mente nas occasiões de borrasca os seiscentos barcos ancorados
na praia nos dias de inverno.
Ha um farol cujo custeio é pago da bolsa particular dos pes-
cadores. A somma de perto de seis contos de reis que elles pa-
gam annualmente ao Estado não chega a este para lhes accender
sequer uma luz que os livre de serem devorados pela vaga sus-
pendendo assim o pagamento do tributo que pesa sobre as suas
vidas. Uma vez que elles deixam de pagar depois de mortos, estaria
talvez, não diremos n'um dever de humanidade, de justiça, mas
no próprio interesse do Estado contribuir um pouco para salvar a
vida dos que tão desinteressadamente o subvencionam.
O único serviço que ha memoria de ter sido prestado aos
poveiros pelo governo portuguez é o presente que ha annos lhes
foi feito de um barco de salva-vidas cujo patrão percebe pelo
orçamento geral do Estado a quantia de 360 reis diários. Estes
360 reis diários são todo o troco, que o Estado julga consciencio-
60 AS PRAIAS DE PORTUGAL
sãmente dever dar aos poveiros, dos cinco contos seiscentos e ses-
senta e um mil oitocentos e vinte e oito reis, que o fisco lhes sub-
trae do modo mais escandalosamente iniquo perante os princípios
mais rudimentares do direito.
Sempre que um cidadão paga ao Estado em imposto mais do
que o Estado lhe ministra em serviços á classe, á industria, ao
meio em que elle vive, o cidadão é roubado em quantia egual á
differença que existe entre a importância do imposto e o valor
equivalente do serviço.
Ora os mesmos únicos 360 reis votados pelo Estado ao pa-
trão do salva-vidas não são a paga de um serviço real prestado
aos pescadores, por isso que o patrão é um cargo exclusivamente
nominal e honorifico. O patrão não embarca nunca. O salva-vidas
nas occasiões de temporal e de perigo é tripulado pelos próprios
pescadores. Para occorrer ás despesas dos soccorros aos náufra-
gos, os poveiros impuseram-se um segundo tributo que pagam á
Senhora d'Assumpção. Esta segunda collecta, de uma rede de peixe
annual por cada lancha produz uma receita de 600 a 700 mil reis
que a confraria dispende no farol, nos estipêndios aos que tripu-
lam o salva-vidas e em ajudas de custo para irem ao Porto sub-
metter-se aos cuidados de um algebrista aquelles que quebram
alguns ossos no trabalho da pesca. O saldo que no fim do anno
sobeja da applicação da receita a estes encargos, mais á fabrica
da capella e a seis missas rosadas por alma dos que morrem no
mar, calcula naturalmente o leitor que reverte aos pescadores que
se associaram na confraria para esse fim? Não. Quando na confra-
ria ha um saldo no fim do anno económico, esse saldo embolsa-o
o Estado para o applicar juntamente com o imposto do pescado aos
encargos orçaraentaes do exercito, da instrucção, das estradas, da
rehgião do Estado, coisas de que o pescador poveiro tiraria ape-
nas o delicado proveito, puramente platónico, da satisfação do seu
orgulho nacional, se lhe. fosse dado fazer alguma ideia da existên-
cia de qualquer d'essas coisas : nacionalidade, instrucção, viação
publica, religião do Estado, etc.
Da nacionalidade elles sabem que um soberano portuguez,
viajando a bordo de um paquete e encontrando-os no mar alto, im-
pressionado pela extranheza dos seus trages e dos seus typos phy-
sionoraicos, lhes perguntou se eram portuguezes. Ao que elles res-
ponderam que não; e accrescentaram : — «A gente semos poveiros,
meu senhor.»
De instrucção sabem o que aprenderam com os seus pães:
AS PRAIAS DE PORTUGAL 61
tecer uma rede, colher uma vela, manejar um remo, prever o
tempo e calcular a hora pelo aspecto do ceu.
Da viação sabem que ha o caminho de ferro da Povoa — feito
por uma empreza particular.
Da religião salDcm que ha o parocho a quem elles- pagam os
baptisados, os casamentos e os enterros e que ha também a Se-
nhora da Assumpção que lhes dá missas regulares que elles pa-
gam e um ou outro milagre extraordinário, que elles também pa-
gara.
Tal é o poveiro. Tal é o caracter das suas relações com a so-
ciedade portugueza. Entre o Estado e elle, a seguinte distribuição
de serviços: o Estado recebe; elle paga. Paga e pesca.
Poderoso e desdenhado, o poveiro captiva a nossa mais viva
sympathia, e alcançará decerto a do leitor, que nos perdoará as
longas linhas que dispendemos em apresentar-lh'o de perto.
A Povoa de Varzim, vestígio evidente da existência de uma
colónia saxonia n'esta parte do território portuguez, tem um nome
commum a varias posições da AUemanha. Chama-se egualmente
Varzim á propriedade celebre, residência habitual do snr. de Bis-
mark.
Da Povoa podem-se emprehender com commodidade e cora
economia os melhores passeios e as mais interessantes digressões
no alto Minho. A cerca de duas léguas ao Norte, á beira da estrada
de Barcellos, fica perto de S. Pedro de Rates, o Monte de S. Fé-
lix de Lanudos, cuja ascenção está nas forças do homem menos
robusto e até de qualquer senhora habituada a andar a pé.
A vista, do alto da montanha, estrellada de moinhos de vento,
coroada por um marco geodésico, é admirável. No fim da tarde,
nos bellos dias do outomno, o aspecto da paizagera corapensa bera
o leve incommodo da ascenção, que somente se pôde fazer a pé.
Para todos os lados bastas florestas de pinheiros, por entre os quaes
ondeia o rio Cavado; largo horisonte de dez léguas, descobrindo
para um lado a Povoa, Villa do Conde, Moreira; para outro lado a
Apúlia, Fão, Esposende, Vianna do Castello.
Na falda do monte, à beira da estrada, ha uma pequena ta-
berna, que recommendamos aos viajantes. O fino ar da montanha,
o exercício da ascenção e mais ainda o da descenção, abrem natu-
ralmente o appetite e tornam convidativo e ridente o aspecto rús-
tico e negro da pequena taberna. Que o viajante a evite! Essa
crypta é a mansão do jejum. Tudo lhe falta. É inteiramente ency-
62 AS PRAIAS DE PORTUGAL
clopedica a sua nudez. Não tem um ovo, não tem uma talhada de
chouriço, não tem uma simples fatia de pão, não tem um biscoito !
Estive n'esta catacumba, ao descer de Lausados, restaurando as mi-
nhas forças com a única coisa que o antro me podia fornecer — o
contacto de um banco. Tive a curiosidade de perguntar á dona da
taberna o que fazia ella mesma tenção de jantar. Ella sorriu tris-
temente. Insisti. Um homem que estava á porta, encostado, e ao
qual eu tinha dado lume para accender um cigarro, explicou-me
então que por aquelles sitios não era uso entre os povos o jantar;
cada um comia um bocado de pão, quando o tinha, ou um cacho
de uvas, quando o encontrava.
Na Povoa ha vários hotéis, dos quaes damos os nomes dos
maiores pela ordem da sua importância: Central, de Itália, Por-
tuense, do Sígnal. Os preços são de 1)^000 a l^JiSOO reis. As ren-
das da casa variam, segundo as commodidades que proporcionam,
desde a quantia de 200 a 2f$i000 reis.
A GRANJA
A Granja é uma povoação diamante, uma estação bijou, uma
iraia de algibeira. Ao chegar tem a gente vontade de a examinar
10 microscópio; ao partir appetece leval-a na mala, entre as ca-
nisas, como um sachet.
Ha poucos annos ainda, quando se abriu o caminho de ferro
.lo norte, não havia uma só casa na actual povoação. As primei-
ras conslrucções foram edificadas depois da inauguração da via
férrea por um proprietário da visinhança, o snr. José Fructuoso
Íyres de Gouveia.
As condições do logar, a meia hora do Porto, á beira do mar,
a orla de um denso pinhal, attrahirara successivamente os ba-
nhistas e fizeram rapidamente da Granja o que ella é hoje: a mais
graciosa, a mais fresca, a mais aceiada das estações de recreio em
Portugal.
Como não ha no logar população indígena, a Granja pertence
exclusivamente aos banliistas. Quando estes, no mez de novembro
levantam os arraiaes, a povoação deshabitada é guardada apenas
pelo banheiro, pelo padeiro e pelo tendeiro do sitio.
De sorte que a Granja é verdadeiramente a coisa que o seu
nome indica, — uma espécie de quinta.
Os banhistas poderiam mandar mural-a e pòr-lhe uma grade
de ferro cora o seu guarda-portão que annunciasse os viajantes
ou acceitasse os seus bilhetes de visita nos casos em que a popu-
lação não quizesse receber.
O serviço do portão é feito por emquanto pelos empregados
na estação do caminho de ferro, a um dos quaes nós perguntamos
um dia em outubro passado:
— Queira dizer-me: está em casa a Granja?
I E elle respondeu-nos :
64 AS PRAIAS DE PORTUGAL
— Não, snr. Está em Mathosinhos. Foram para lá todos, áí
corridas de cavallos, pelo comboyo da manhã. iMas as senhoras vol-
tam para jantar no expresso das sete horas.
Na Granja os banhistas não são somente os habitantes, en
grande parte proprietários das casas, são ao mesmo tempo os do-
nos da povoação e representam n'ella a camará municipal, o exer-
cito, a policia, o escrivão da fazenda e a repartição das obras pu-
blicas. As despesas geraes, o club, a fonte, a igreja, o mercado,
a rua, são mantidas pela communidade, que se cotisa para esse
fim. Notável exemplo do principio da descentrahsação na sua mais
larga escala.
Graças a este systema de administração local, as ruas estãc
escrupulosamente aceiadas e não lhes falta senão uma coisa: uri
cinzeiro a cada esquina para se lançarem as pontas dos charutos,
O aspecto do pequeno mercado, com o seu pavimento areadc
como um jardim e os seus pavilhõesinhos rústicos, inspira um re-
ceio : o de lhe poder cahir uma nódoa.
Os vallados estão plantados de cactos.
As ruas são salpicadas de corbcilles com flores como squares
ajardinados.
Os taludes acham-se cobertos de choupos, de eucaliptus, de
tramaguciras, de roseiras bravas.
Grandes moutas de magnificas hortênsias ornam a entrada das
casas.
A grande floresta de pinheiros que cobre a povoação do lado
do nascente está tratada com esmero ; tem clareiras terraplenadas
para o jogo da bola e do croquet, varias plantações de camehas,
viveiros de arbustos.
Entre as mais recentes edificações sobresaem algumas casas
lindíssimas, verdadeiros modelos do género, delineadas e execu-
tadas com o mais perfeito gosto.
O chalet do snr. Nuno de Carvalho situado na orla da flores-
ta, circumdado de pinheiros, com o telhado de ardozia de largos
beiraes salientes e a sua ampla janella aberta sobre o mar e res-
guardada do sol por um longo toldo escocez, é um primor da gra-
ciosa architectura moderna das edificações de recreio.
O cottage do snr. Eduardo Ghamiço, com os seus tijolos re-
vestidos de hera, o seu talude plantado de roseiras e coberto de
relva, abarracado, com pequenas janellas, é o typo da habitação
modesta e elegante, o modello do ined-à-terre gracioso e econó-
mico.
As casas dos sns. Manoel de Esperguelra, Francisco António
AS PRAIAS DE PORTUGAL 65
Miranda e algumas outras dão ainda á paisagem do sitio uma va-
liosa contribuição de pittoresco.
A concorrência dos banhistas na praia da Granja, cujo movi-
mento pôde ser actualmente orçado em cerca de trezentas pes-
soas, augmenta consideravelmente de anno para anno.
Uma companliia estabeleceu alii um hotel regularmente ser-
vido com quartos pelo preço de li$í200 reis, comprehendido o ser-
viço.
O club, para o qual está sendo concluído um edifício especial
com um salão para trezentas pessoas, restaurante, cocheiras, etc,
acha-se estabelecido em uma casa provisória e é muito concorrido.
N'elle se dançou era muitas noites durante a temporada passada,
fizeram-se concertos, e no dia era que ali passaraos planeava-se a
representação de um provérbio de Musset, uma sessão de qua-
dros vivos extrahidos de ilkistrações de Gustave Doré, e um pas-
seio á luz dos archotes na floresta.
Os banhistas da Granja conhecem-se todos, apertam-se todos
a mão, frequentam as casas uns dos outros, vivera finalmente em
família. É tão agradável isto que custa ás vezes a supportar.
A gente acaba de chegar e de entrar em casa : calçou as suas
chinelas, poz-se em mangas de camisa, aninhou-se diante da sua
mala, está tirando para fora as piugas, tem as escovas no chão a
'um lado, os lenços de assoar a outro lado, as camisas debaixo do
braço. . . N'isto grandes risadas frescas e cristallinas entram como
'um enxame alegre e canoro: são as amáveis senhoras A. . . e as
■encantadoras meninas B.. ., que souberam da nossa chegada, que
vêem fazer-nos uma surpresa, que nos trazem um ramalhete de
irosas chá, que teem uma truta na mesa, que nos esperam para
-almoçar no prédio ao lado, que acceitam uma garrafa do nosso
'Chably, que, em summa, começam a fazer-nos a honra de nos re-
|ceber «em famiha».
' A gente foge para o canto da cama, acalcanha como pôde um
par de sapatos^ enfia á pressa uma jaqueta, ata um lenço no pes-
■coço, corre ao chapéu de palha que está n'um taboleiro da mala
em cima de uma cadeira, e lança-se na vida «de família» a braços
com uma garrafa de Chably e com o receio de ter talvez, indiscre-
tamente, manifestado a cor dos seus suspensórios ás amáveis se-
nhoras A . . . e ás encantadoras meninas B . . .
Depois ás senhoras A . . . e ás meninas B . . . reune-se a inte-
ressante família C . . . que nos leva a jantar para casa dos hospita-
leiros cônjuges D. . . Pela nossa parte procuramos pagar todas es-
'tas obrigações com a amabilidade, com a phrase, cora a anedocta,
¥
66 AS PRAIAS DE PORTUGAL
com o dito, com todas as despezas da conversapão, com todas as
prodigalidades do espirito.
Todas aquellas pessoas nos retribuem na mesma moeda e são
egualmente espirituosas comnosco.
Á noite estamos todos cançados da graça que tivemos, e mais
ainda da graça que fomos obrigados a achar que tinham os ou-
tros!
Recolhemo-nos pensando nas meninas A. . ., que vimos n'esse
dia sem pó de arroz e que teem sardas quando estão nas praias ;
nas senhoras B..., que tinhamos por espirituosas nos salões de
Lisboa e que são insignificantissimas no téte-à-téte do campo quando
lhes falta para discursar o escândalo do dia, a anedocta do baile
da véspera, a phrase consagrada á critica do ultimo drama ou á
musica da ultima opera; na interessante família G. . ., que mette
os bicos dos pés para dentro; nos cônjuges D..., dos quaes um
troca o b pelo f e o outro tem só meia unha em um dos dedos pol-
legares.
Elles, os A ... , os B . . . , os G . . . , os D . . . , pela sua parte,
observaram-nos também de perto, cara a cara, durante um clia in-
teiro, o que nunca até então lhes succedera. É claro que nos acha-
ram mil vezes peor do que nos presumiam, porque é raríssimo o
individuo que examinado minudentemente não perca cincoenía por
cento do valor que se lhe presumia quando cultivado apenas no i
intervallo de uma quadrilha, durante um entre-acto n'um cama- t
rote, nos quinze ou vinte minutos de uma conversação de visita .
quando elle traz preparadas para o caso as suas phrases assim
como as suas finas luvas còr de ganga, e a gente o olha barbeado
de fresco, com os cabellos correctamente separados por uma risca
bem uitida, vestido por Poole, sentado n'um fauteuU de setim e
tendo no plastron uma grossa pérola còr de rosa.
No campo ou nas praias, com sapatos ferrados, sem luvas,
sentados no chão, sem ter o santo e a senha da conversação do
dia, como succede nos grandes centros, entregues a si mesmos,
aos seus recursos pessoaes, ás suas observações, ao seu critério,
ás suas ideias, quantos resistem á tremenda eternidade de uma
convivência de dez horas ?
Nas grandes sociedades a attenção de que somos objecto es-
palha-se por aquelles que nos cercam; em uma quinta ou n'uma
pequena praia essa attenção recae toda sobre os nossos ridículos,
sobre os nossos defeitos. Fomos já discutidos desde que annun-
ciamos a nossa vinda, fallou-se de nós uma noite inteira, os nos-
sos amigos disseram de nós o menos bem que poderam, as meni-
AS PRAIAS DE PORTUGAL 67
nas esperam-nos. Ainda não olharam para nós e já nos viram, na
sombra, projectando no muro um immeuso nariz disforme e ridi-
culo. Ainda llies não falíamos e ellas conservam os olhos baixos,
mas sob esse estreito raio visual descobriram já as joelheiras que
temos nas calças e o lado para que cambam os nossos tacões. As
senhoras idosas assestam sobre nós as suas terríveis lunetas cu-
riosas, sedentas de matéria examinavel, e pensam que a nossa pho-
tographia nos favorece de mais e que somos inferiores á fama que
nos precedeu como figura, como maneiras e como intelligencia.
Deita mo-nos n'este primeiro dia aborrecidos de obséquios, es-
tafados de amabilidades, esvaídos de conversação. Promettemo-nos
descançar ao outro dia no silencio e na solidão, fumando o nosso
velho cachimbo á beira do mar, conversando simplesmente com
um rude pescador ou com um bronco trabalhador dos campos
tranquillo e sereno, sem ideias, sem pretenções e sem palavras.
No dia seguinte, levantando-nos de madrugada, não achamos
pescadores na costa nem cavadores nas terras. Creados de sapa-
tos descobertos, meias brancas, e jalecas de linho, envernisam ás
janellas as botinas dos seus patrões, lavam as vidraças, lustram as
guarnições de cobre das portas da rua, regam com uma bomba a
relva dos taludes. É o alvorecer do chie.
Refugiamo-nos no pinhal, na boa solidão simples da natureza.
Deitamo-nos de costas no solo fofo, na cama feita com a rama secca
dos pinheiros. Respiramos com delicia a brisa marítima coada pe-
los arvoredos.- Olhamos para o ceu azul e diaphano cortado pelo
voo sereno das rolas trazidas pelo primeiro vento suão, sentimos
a grande tranquillidade ineíFavel que dá a convivência da floresta,
a plenitude do nosso ser, o profundo bem-estar. A mansidão ex-
terior das coisas communica-se-nos e dá-nos a satisfação moral.
Pensamos nos nossos amigos com ternura,' nos nossos inimigos com
indulgência e com bondade. Planeamos estudos, trabalhos, propó-
sitos bons. Principiamos a applaudir-nos da escolha que fizemos do
tranquillo e doce retiro cuja influencia tão saudavelmente nos fe-
cunda.
N'isto, por entre a cor sombria da espessura, vemos uns pon-
tos garridos, alegres e ruidosos que se aproximam. Na clareira
ao pé da qual nos deitamos desembocam de repente os chapéus
ornados de margaridas, de papoulas, de flores silvestres, os vesti-
dos de linho aromáticos e frescos guarnecidos de renda côr de pa-
lha. Os sapatos de pelle de gamo apertados com fitas de seda branca
e as meias côr de cinza de xadrezes de seda apparecem ao sal-
tar do pequeno valado. As bolas de buxo torneado rolam de en-
68 AS PRAIAS DE PORTUGAL
contro aos arcos de ferro cravados no chão. As meninas E. . ., as
meninas F. . . e as meninas G. . ., ás quaes na véspera á noite,
no club, fomos apresentados pelas já mencionadas senlioras A. . .,
B..., C... e D... cliegam com os seus malhos polidos em Lon-
dres e vêem fazer a sua partida matinal de croquet.
— Que bom acaso!
— Que fehz coincidência!
— É o nosso visinho H. . . que chegou hontem de Lisboa. . .
— Minhas senhoras!
— Que vae fazer a nossa partida. . .
— E informar-nos dos últimos casos. . .
— Se é verdade que se está dançando o fado uo club de Cas-
caes !
— Se efTectivamente a viscondessa deX. . . foi vista fumando
cigarros còr de rosa na praia de Paço d'Arcos !
— Em paga virá esta noite ver o nosso fogo de artificio . . .
— E entrará amanhã nas charadas vivas que vamos fazer aqui
no pinhal com illuminação veneziana . . .
E assim começa a repetir-se n'esse dia a scena da véspera,
que ha de repetir-se ainda no dia immediato, e no outro, e mais
no outro, e em todos os outros dias até o fim da temporada. Sem-
pre as anedoctas, os ditos, os encontros, os gracejos!
Se uma vez não sahimos, vem a colónia toda visitar-nos.
Um manda-nos uma garrafa da sua agua de Saint-Galmier.
Outro remette-nos a sua botica homoepathica, os seus synapismos
Rigolot, as suas pastilhas de Vichy. Oito pessoas dedicadas mettera
a um tempo os dedos nas algibeiras do coUete para extrahirem a
caixa das suas pilulas predilectas: as Radway, as anti-biliosas, as
Déhaut, as de Famiha... Surgem de toda a parte, cercam-nos,
prehenchem-nos, cumulam-nos as receitas, os alvitres, os diagnós-
ticos, os conselhos therapeuticos.
— Tome quinino!
— Siga a medicina caseira de Raspail.
— Vejamos o pulso !
— Deite a hngua de fora!
— Porque não toma agua de Wals? "i
— Beba alcatrão e chá de eucaliptus. '
— O que elle tem é tristeza, desanimo, aborrecimento, final-
mente— figado !
—Dieta!
— Carnes brancas !
— Ostras e muitas uvas 1 ^
U
AS PRAIAS DE PORTUGAL 69
— E gelados, muitos gelados de limão e de laranja!
Se saliimos sósinhos uma vez, uma única voz, para descansar-
mos, para nos acharmos sem companhia, os homens todos a um
por um, procuram-nos n'essa noite ou ao outro dia, chamam-nos
á parte, levam-nos para debaixo de uma arvore, para a beira do
mar, para o vão de uma janella; enfiam um dedo pela casa do nosso
fraque, sacodem-nos as pontas da gravata com pequenos piparotes
amigáveis, e principia uma successiva e interminável ladainha de
explicações e de desculpas.
— Não cuidei nunca, meu caro, que você nos privasse do
prazer da sua companhia unicamente porque hontem uma simples
palavra que eu proferi innocentementc . . .
— Que a allusão aliás benévola de minha mulher. . .
— Que o dito irreflectido de minha filha. . .
— Esperamos porém que este desagradável incidente se con-
sidere terminado. . .
— Que se esqueça este desgosto. . .
— Que se restabeleça a bella harmonia inalterável n'esta co-
lónia. . .
— Que você nos restitua a sua amisade . . .
Etc, etc, etc.
De modo que é absolutamente impossível passear só, ficar em
casa, fechar a porta, prescindir das relações, abstermo-nos da con-
vivência, dispensar a companhia, por um dia, por um só dia que
seja!
Na Granja desde que o banhista salta do wagon á gare, es-
treitado nos braços da colónia, até que salta da gare ao wagon,
solto dos braços da mesma colónia, o seu destino impreterível, fa-
tal, é viver ali simplesmente, agradavelmente, sem exigências de
apparato e de luxo, saudavelmente, divertidamente, mas sempre
— em família.
— . . .Que é o melhor que tem esta praia! exclamam uns.
— . . .Que é o peor que esta praia tem! murmuram outros.
(
DE PEDROUÇOS A CASCAES
Se queres dar, leitor, o mais bello dos passeios permittidos
ao habitante de Lisboa, faze o que eu hontem fiz.
Levanta-te ás 5 horas da manhã, n'um domingo, veste-te á
luz do candieiro, porque em seteml^ro ainda não é bem dia a essa
hora, pega na tua bengala e no teu binóculo e vae á ponte dos
vapores ao. Cães do Sodré.
Tomamos um bilhete de ida e volta no vapor de Cascaes por
dez tostões. Ainda é cedo, o vapor não parte senão ás 7 horas.
Entramos no café Grego e fazemo-nos servir uma chávena de leite
ou chá preto.
Os passageiros vêem chegando em multidão ao cães. A ponte
dos vapores enche-se de alegres e frescas toilettes de manhã. Lis-
boa madruga para fugir á calma e á semsaboria de um domingo
de verão dentro da cidade. Enchem-se os vapores de Cacilhas e
de Belém.
Embarcamos, accendemos um charuto, subimos á ponte do
vapor. Magnifico espectáculo !
Diante de nós estende-se em toda a sua magestade, como um
pequeno Mediterrâneo, o bello Tejo, que scintilla sob a bruma
aquática como um peito de aço coberto por um véu de gaze, ba-
tido pelo largo sol.
Perdeu muito da sua fama antiga o celebrado Tejo. Podería-
mos mesmo dizer que alguma coisa perdeu também das suas an-
tigas aguas.
Frei Bernardo de Brito conta que viu em Toledo um dos bar-
cos que no seu tempo faziam a navegação do Tejo e que de Lis-
boa tinha ido á vela até áquella cidade, o que corrobora de um
modo bem notável o phenomeno, tão estudado actualmente pelos
geólogos, da progressiva diminuição da agua no volume dos rios
e no debito das fontes em toda a Europa.
72 AS PRAIAS DE PORTUGAL
As éguas das vastas lezírias do Tejo não são já, como nos tem-
pos imaginosos de Virgilio, fecundadas pelo vento.
Das suas margens já se não exportam as cannas, que, segundo
Strabão, davam as pennas preferidas dos escriptores romanos.
Também já não produz o ouro, de que Duarte Nunes de Leão
conta que se fez ura sceptro para D. João iii.
Finalmente, já não sahem da sua incomparável bahia os al-
terosos galeões que no tempo da Renascença varreram do Oceano,
para abrir campo à historia de novos feitos, a velha tradição das
conquistas dos phenicios e dos descobrimentos dos normandos.
Em compensação ahi temos o Aterro, com as suas altas e es-
guias chaminés empennachadas de fumo, a fabrica de gelo arti-
ficial, o gazometro, a officina de serração a vapor. Lá está o
Grande Hotel Central, com a sua casa de banhos e o seu res-
taurante francez. Mais acima, a bandeira ingleza tremula na larga
varanda do Bragance Hotel. Carroagens de New-York, puxadas
por mulas brasileiras, rolam apparalosamente sobre o carril ame-
ricano e salpicam o cães com as suas alegres cores ambulantes.
■ — O que tudo prova que alguma coisa se tem feito no mundo
n'estes três séculos que nós temos passado a recordar que foi
por nosso intermédio que as naus da índia trouxeram à Europa as
pimentas de Ceilão.
Do outro lado do rio fica-nos Almada, de cuja elevação se des-
cobre para um lado Lisboa inteira, desde Santos o Velho até Belém, e
para o outro a industrial Arrentella, o realengo Azeitão, Palmella,
acastellada, o Barreiro, com a sua estação do caminho de ferro do
Sul, o Lavradio com as suas apreciadas vinhas, e Cezimbra, a piscosa.
Diz-se que Almada fora fundada pelos inglezes que vieram
ao Tejo na expedição de Guilherme, o da longa espada, e que
Affonso Henriques doara aquelle território aos que desistissem da i
cruzada da Palestina. Bons tempos em que uma expedição ingleza
se peitava com uma nesga de terra ah da outra banda! Que diria
a Inglaterra se nós hoje oíferecessemos a faculdade de residir na
Trafaria aos seus expedicionários que preferissem ficar em nossas
terras a fazerem a viagem ao Polo?
Mas o vaporzinho de Cascaes levantou a sua ancora e partiu.
Aquelle renque de palácios que estamos vendo, gravemente
enfileirados, com os seus jardms plantados de palmeiras e de arau-
AS PRAIAS DE PORTUGAL 73
carias, é a Junqueira. O pequeno edifício redondo que mais além
sobresahe no arvoredo é o observatório da Tapada da Ajuda. Ao
poente fica-nos o grande e pesado palácio de D. João vi, que o
mandou edificar no mesmo logar em que fura devorado pelas chara-
mas o antigo paço, habitado ainda por D. .Maria i. Ao nascente
avistamos ainda, como sentinellas da cidade morta, os cyprestes
immoveis dos Prazeres.
Passamos era frente da praia da Torre. É animadíssimo o seu
aspecto. As barracas dos banhistas, brancas, ponteagudas, dão-lhe
o ar de um acampamento de opera cómica.
Junto da agua, barracões de madeira, embandeirados, osten-
tam as suas varandas cobertas com toldos recortados, debaixo dos
quaes ondeiam os véus e se agitam os leques das senhoras.
Dos barracões sahem para o mar pranchas, em que uns espe-
ram, pittorescamente drappés nos seus lençoes turcos, e de que
outros se precipitam de mergulho na vaga.
Alguns pequenos botes, com espectadores, bordejam na agua.
As cores dos vestidos de verão, dos chapéus de sol abertos,
das bandeiras desfraldadas, produzem sob o sol uma grande man-
cha alegre, ridente, cheia de luz, no meio da areia fulva.
Ao lado da praia destaca magnificamente, com uma leve cor
de sépia sobre o transparente azul, a bella Torre de Belém, com
os seus relevos e bastiões, as suas guaritas, os seus eirados, o seu
elegante azarve, em cujas ameias se entalham as cruzes floreteadas
de Chrislo, e a sua bateria airosa como o terraço italiano de um
palácio de recreio.
Considerada como construcção mihtar, a importância da Torre
de Belém é absolutamente nulla. As suas muralhas de cantaria des-
appareceriam dentro de poucos minutos varejadas pela aililheria
moderna. A única arma defensiva que a Torre de Belém pôde em-
pregar contra o inimigo é a sua belleza. A sua guerra terá de ser
toda por sorrisos como a das creaturas coquettes.
Quando ha poucos annos a torre mandou uma bala a um na-
\io de guerra americano que demandava a barra, o commandante
da embarcação reuniu conselho de officiaes e propôz a rephca ao
fogo da torre. Votou-se por unanimidade que se não abrisse uma
canhoneira contra aquella jóia, tão delicada, que se desmoronaria
á primeira descarga.
Para uma corveta americana, receber um tiro da Torre de
Belém era o mesmo que para um homem valente levar uma bo-
74 AS PRAIAS DE PORTUGAL
fetada da mão delicada, franzina, perfumada, de uma linda mulher,
fraca e pequenina. Á bala que a torre enviou ao navio, o navio
respondeu mandando um beijo á torre. Somente, como o amante
caprichoso que segura os pulsos da sua bella e lhe mette á força
nos cabellos o cravo encarnado que trazia na casaca, o americano
vingou-se da torre, obrigando-a a arvorar o estrellado pavilhão
dos Estados.
Á praia de Belém, chamada da Torre, segue-se a de Pedrou-
ços, na qual falta o pittoresco dos barracões, cujas varandas dão
a Belém, visto do mar, um aspecto tão festivo e tão jovial.
De Pedrouços até Cascaes seguem-se quasi ininterrompida-
mente as diíferentes estações dos banhos. Vem primeiro Algés,
com a sua ponte e os seus dois palácios.
Depois apparece S. José de Ribamar, com o seu convento en-
carnado, actualmente propriedade do conde de Cabral, a qual so-
bresahe no fundo de verdura da quinta da Piedade, que a familia
do finado príncipe D. Miguel de Bragança herdou o anno passado.
Vamos vendo successivamente o Dá-Fundo com as grandes ar-
vores da bella quinta do snr. Fernando Palha, a Cruz Quebrada, a
Boa Viagem, a Gibalta.
Eis Caxias e o seu palácio real, residência predilecta do snr.
D. Miguel nos últimos tempos do seu reinado. O desditoso soberano
habitava ordinariamente Queluz. Um dia, achando-se ahi occupado
a caçar pombos nas terras do Infantado, foram participar-lhe que
uma esquadra franceza, entrada no Tejo, acabava de apresar todos
os nossos navios de guerra a titulo de indemnisação por um insulto
de que dois francezes haviam sido objecto. Diante da noticia d'este
facto, verdadeiramente enorme — uma flotilha que entra n'um porto
e se apodera de uma marinha de guerra — o soberano, vestido
com um casacão de briche, botas de montar, meias de lã acima do
joelho e um bonet de prato, montou a cavallo e veio a Lisboa n'uma
d'essas galopadas legendarias, terror dos cortezãos, muitos dos
quaes derrogavam a etiqueta, dei.xando de seguir o soberano e fi-
cando extenuados pelas estradas.
Em Lisboa quiz o rei assestar nos cães a sua artilheria e met-
ter a pique, a tiros de peça, as embarcações francezas. Surgiram
porém obstáculos que não permittiram pôr em practica este alvitre
mais extraordinário talvez do que o próprio caso que lhe dera ori-
AS PRAIAS DE PORTUGAL 75
gem. Sua magestade mandou então construir uma bateria em Ca-
xias e passou a entreter os seus ócios, fazendo fogo de artilheria
sobre um velho navio que se collocára no mar como alvo aos reaes
tiros. E, depois d'isso, sua magestade permanecia muito em Caxias,
vigiando o mar, esperando talvez que a esquadra franceza lhe ap-
parecesse de novo, estando elle preparado para a receber. Mas a
esquadra franceza não voltou. Voltaram os navios que ella apre-
sara, trazendo a seu bordo os homens que puzeram no throno a
snr.* D. Maria II e desterraram para sempre o artilheiro de Caxias.
Os jardins do palácio n'esta praia conservam ainda o seu ca-
racter antigo, e são como Queluz um soffrivel specimen das ar-
chitecturas vegetaes do século passado, postas em moda por Luiz
XIV. As avenidas são riscadas por esquadria, em ângulos rectos. A
arvore é decotada em forma de columna, de pyramide, de obelisco.
Os tanques têem molduras altas, lavradas em relevo, como gran-
des espelhos de salão. As alamedas parecem galerias. As murtas
aparadas, lisas, rectas, em volta do pequeno tanque, de um vaso
de Le Nutre, da meza de mármore, do banco esculpido, semelham
os biombos que cercavam a meza do rei-sol, quando nas noites de
inverno elle ceiava com as suas damas, à grand couvert, nos salões
de Marly-Ie-Roi. As perspectivas — trompe-l'ceuil — de templos da
Gloria, de palácios de Alcestes, de jardins de Armida, pintadas nos
muros; os azulejos com que se forram os aviários; os embrexados,
feitos de conchas, de seixos, de bocadinhos de porcellana, com que
se constroem as cascatas; — todas estas superfetações da natureza
são um pouco ridículas aos olhos dos paisagistas. Todavia, esses anti-
gos jardins italianos tinham um fira lógico: harmonisar as construc-
ções com as paisagens, manter nas salas e nos jardins a mesma
.arte decorativa, o mesmo espirito de ornato. Cerquem dos nossos
mordemos jardins inglezes os grandes edificios macissos, rectangu-
lares, do século passado, e verão a discordância mais flagrante e
mais insoffrivel.
O jardim inglez, com os seus intuitos exclusivamente paisa-
gistas, a sua imitação da rusticidade ás vezes falsa e pretenciosa,
[ião se supporla senão em frente da modesta elegância da casa mo-
lerna, do cottage e do chalet.
A Caxias, que Deus guarde e conserve com o seu jardim e
com a sua triste e melancholica praia", segue-se Papo d"Arcos, de
Iodas as praias da margem do Tejo a que mais desafogadamente
vé o mar e respira a atmosphera marítima. Tem apenas uma
rua — a estrada — , mas essa está á beira da agua, exposta a su-
doeste, de modo que descobre largamente o Oceano. Depois de
76 AS PRiVIAS DE PORTUGAL
Pedrouços é esta a praia em que se grupam mais barracas. As
arvores da quinta do conde das Alcáçovas facultam-lhe um pe-
queno fundo fresco de verdura. Uma ou duas casas, cujos síores
exteriores vestem as janellas de pequenos toldos á flamenga, dão-
llie uma certa feição confortável.
Porque é que não téem todas as casas da beira-mar esteí
Stores alpendrados? Porque não contribuem os proprietários con
esse pequeno accessorio do piítoresco, de custo tão módico e tã(
agradável para quem. habita as casas expostas ao sol?
Quasi todas as casas do campo e das praias, dos subúrbio;
de Lisboa, são particularmente mias, descarnadas, rectilíneas, feiis
Simas. Querem transformal-as rapidamente, tornal-as agradáveis
sympathicas, appetitosas? Pintem-as de cinzento, de cor de lous;
ou de côr de chumbo, adornem-as de uma singela trepadeira, ;
hera, a gahrcina, o hehotropo ou a madresilva ; vistam-lhes a
janellas de grandes jelosias brancas, ou suspendam sobre as va
randas largos stores salientes de hstas verticaes ou de grande
quadrados escocezes. Se ha um muro de jardim, substituam-o po
uma sebe, por uma simples grade de madeira pintada de verd
ou por um vallado plantado de cactos.
Não ha casa que resista a este processo, porque as casas sã
um pouco como as mullieres, que só são feias quando são tão es
tupidas que se não sabem dotar com essa segunda belleza supple
mentar que se chama a sympathia.
Paço d'Arcos dizem que é a praia aristocrática dos subúrbio
de Lisboa. Não sei bem d'onde é que esta fama Ibe procede. Cus
ta tanto já hoje a assignalar na sociedade portugueza o ponto ei
que a aristocracia principia e o ponto em que ella acaba!
Ha por exemplo viscondes que ninguém considera aristocn
tas. lia famosos e antigos appelhdos cujos possuidores passam égua
mente pelas pessoas menos aristocratas do mundo.
Aristocrata chama-se em Portugal ao individuo que tem ce:
tos hábitos de vida, certos disvelos de roupa branca, certas coi
vivências de salão, um pouco de ar, de maneiras, de toilette e c
mão de rédea.
Que estas condições se dêem mais especialmente nos banhi:
tas de Paço de Arcos do que nos outros, eis o que não me atre\
a aífirmar.
Como quer que seja o corpo diplomático patenteia por Paj
AS PRAIAS DE PORTUGAL 77
d'Arcos uraa predilecção manifesta. Isto imprime á vida dos seus
salões o caracter grave e reservado que a diplomacia impõe. Este
caracter procede do duplo sentido que os representantes de cada
potencia folgam de perscrutar nas palavras que os outros dizem e
de dar áquellas que elies mesmos proferem. Assim, quando um
snr. enviado extraordinário- tem calor não o diz sem reserva, sem
restricção condicional, porque quem sabe se será essa ou não
a opinião thermometrica da politica do seu governo? Do outro la-
do o senhor encarregado de negócios que ouve o senhor enviado
extraordinário hesita em confirmar em absoluto ou em regeitar in
limine a opinião do seu illustre interlocutor, porque o senhor en-
carregado pensa. que as paredes tem ouvidos e que uma impru-
dência diplomática pôde — quem sabe? — agitar os fundos. De sor-
te que nada mais solemne, mais grave, mais casuístico, mais sub-
til, mais diííicultoso, do que formar-se entre suas exceilencias um
accordo sobre a opinião, tão audaz para uns, tão insidiosa para ou-
tros, de estar ou de não estar calor!
Era todo o caso as caleches, os creados, as librés dos senho-
res ministros, as saute-en-barque de flanela e os chapéus canotier
dos jovens senhores addidos de embaixada espargem nos passeios
um aspecto de curte, que os olhos admittidos aos grandes explen-
■dores agradecem, bem como um perfume de moda que acceitam
reconhecidos os narizes haut-placés.
Paço d' Arcos tem um hotel habitável — o do Bugio — , e um
club em cujo salão ha soirées aos sabbados. Os banhistas portugue-
zes são apresentados e pagam uraa quota. Para os extrangeiros ha
convites.
Senhoras hispanholas a banhos n^estes subúrbios são convoca-
das era cada semana a levarem aos sabbados de Paço d'Arcos o
doce tributo da sua presença, da sua toilette e da sua expansiva
vivacidade.
- Assim como pela manhã se pergunta para o banho — « ha ma-
'ré?)) — assim á noite se pergunta para o baile — «ha hispanho-
.las?».
í' Havendo hispanholas, todos os portuguezes que estão em Pa-
'ço d'Arcos, concorrem ao club; muitos vêem para esse fim das
praias circumvisinhas : da Boa Viagem, da Cruz Quebrada, do Da-
fundo. A valsa toma n'essas noites mais velocidade, mais Ímpeto,
mais arranque. A pronuncia hispanhola lança no ruido geral do
baile um elemento de rebate, de alarme, como se se presentisse
ao longe o frémito dos pandeiros, o frenesi das castanlioks, a ver-
tigem do bolero.
78 AS PRAIAS DE PORTUGAL
Com estes pensamentos contrasta singularmente o aspecto de
Oeiras, que se segue a Paço d'Arcos.
Nada mais profundamente triste, mais abatido, mais destroçado !
O bello palácio de Oeiras ergue-se no meio da desolação e
da miséria geral, como um fidalgo empobrecido no meio de velhos
moveis partidos e devastados.
Muitas casas esqueléticas, escancaradas, sem portas nem pos-
tigos nem vidraças, parecem caveiras dispersas na pequena pla-
nicie.
Oeiras é apenas notável pelo seu palácio e pelos seus bis-
coutos.
A povoação teve uma única razão de ser: a residência n'a-
quelle sitio do poderoso ministro de D. José. Os homens como o
marquez de Pombal, em qualquer parte onde se achem, espalham
a actividade em volta d'elles; são um phoco de organisação.
Além dos homens que o marquez naturalmente acariou, Oei-
ras devia conter no tempo de D. José os parasitas que no século
passado iam por toda a parte á babugem da auctoridade e do di-
nheiro. A classe proletária corrompia-se nos conventos á espera
do caldo da portaria; a classe media corrompia-se nas ante-cama-
ras dos fidalgos ao farisco dos despachos, das tenças ou dos sim-
ples restos dos perus que sobejassem do jantar.
Fallecido o marquez de Pombal, Oeiras, á falta de núcleo, dis-
solveu-se.
Por cima da povoação esphacelada, no viso d'um monte, de-
senha-se com uma certa grandeza no azul do espaço o duro con-
torno da egreja de S. Domingos de Rana, com o seu pequeno car-
rilhão, e os seus dois quadros de Pedro Alexandrino: A ceia e
Nossa Senhora dando o rosário a S. Domingos.
Entre Oeiras e Carcavellos, illustre pelos seus vinhedos, do
meio dos quaes se destaca a estação do telegrapho submarino, —
fica á beira do mar, beijada pelas ondas, a Torre de S. Julião da
Barra, cujas masmorras parecem ainda quentes do martyrio das vi-
etimas que n'ellas expiaram o seu amor pelos direitos modernos.
Hoje a torre é uma caserna, que procura justificar-se perante
a civilisaçãOj mantendo um gazometro e accendendo á noite no ai-
AS PRAIAS DE PORTUGAL 79
to eirado um pliarol, a cuja luz benéfica e amiga, o spectro apasi-
guado de Gomes Freire, deve, alta noite, passear tranquillo pelas
ameias da sombria fortaleza salpicadas com o seu sangue generoso
immolado á liberdade e á civilisação.
Ao sul da Torre de S. Julião fica-nos a Torre do Bugio cerca-
da d'agua como uma bateria fluctuante sobre o Tejo.
Por cima de Garcavellos a linha do horisonte é fechada pelos
recortes agudos, escarpados, graníticos, da serra de Cintra, onde
campéa, coroado de névoa translúcida, o castello da Pena.
A marcha do vapor descreve outra curva e entramos na ba-
hia de Cascaes, vinte e sete kilometros de Lisboa percorridos em
cinco quartos de hora.
Saltamos nos escaleres e desembarcamos na praia dos banhos
circumdada pela muralha da villa.
Ao poente fica a cidadella solidamente reconstruída sobre as
suas rochas logo depois da restauração de 1640. Do lado do nas-
cente a casa do club dos banhistas abre sobre a bahia as suas ja-
nellas de sacada. A praia é extremamente abrigada. A agua está
serena como n'uma tina e a brisa é tão suave que não faz ondear
uma fita nos chapéus das senhoras sentadas á sombra das suas bar-
racas.
Exceptuada esta pequena parte da enseada, toda a costa é de
rocha e a pique, o que dá logar aos mais pittorescos accidentes,
como o da Boca do Inferno, bella caverna escavada pelo mar, on-
de o acaso pérfido da vaga quiz que uma parte da família real
tivesse corrido o perigo de afogar-se pelo verão, no mesmo sitio
em que eu e o meu amigo Eça de Queiroz almoçamos tranquilla-
mente n'um ventoso dia de inverno. Onde suas altezas estiveram
a ponto de perder a vida, por tantos títulos preciosa, tivemos nós
mergulhada a nossa garrafa de champagne que, entre duas garfa-
das de uma mayonaise de atum, içamos sã e salva do traiçoeiro
abysmo.
Como povoação, Cascaes é a mais importante das praias da
Extremadura. É cabeça de concelho. O numero dos seus fogos é de
cerca de 1:700 — exactamente o mesmo numero que existia ha cem
annos, o que prova que Cascaes, se não tem prosperado, também
não tem decahido durante o curso do ultimo século. Esse estacio-
namento não obsta a que a villa possua, segundo uma memoria
histórica e estatística do snr. Borges Barruncho, « vinte e oito ruas,
80 AS PRAIAS DE PORTUGAL
treze travessas, quatro beccos, doze largos, três calçadas, dois ca-
minhos, dois altos 8 três sitios)).
Além d'isso Cascaes possue uma praça, em que se acha o tri-
bunal e a casa da camará, um passeio publico, três hotéis, um
theatro e uma praça de touros. Outra coisa que ainda lhe faz mais
honra: possue também dez escholas, das quaes uma — caso talvez
único — é sustentada á custa do próprio professor, que fornece as
casas 8 ensina gratuitamente os alumnos. Este benemérito cidadão
obscuro é o snr. padre José Maria Loureiro.
Da salubridade da villa dá o mais eloquente testemunho uma
estatística publicada pelo snr. Barruncho, da qual se deduz que nos
últimos cinco annos a mortalidade foi de 2,71 ao passo que em
Lisboa, com todos os cuidados hygienicos de que se suppõe que é
objecto uma capital, a morlahdade tem chegado a 4,44.
Dos 957 indivíduos fallecidos em Cascaes durante o referido
praso 52 contavam de 70 a 80 annos; 19 de 80 a 90; 8 de 90 a
100; 1 de 100 a 110. É muito bom.
Um dos factos mais memoráveis da historia politica de Cascaes
é a derrota do prior do Crato, que concentrou ahi as pequenas
forças com que se bateu heroicamente contra os terços do duque
d'Alba que se dirigiam de Setúbal para a tomada de Lisboa. Schaef-
fer refere que D. António de Castro, senhor de Cascaes, suggerira
ao duque d'Alba a ideia de tomar por Cascaes a direcção de Lis-
boa, sob a clausula de que a villa não seria saqueada pelas tropas ■
híspanholas. Esta condição, se foi estipulada, não foi cumprida.
Rendida a cidadella, a villa foi posta a saque pelo duque d'Alba.
O mais curioso porém é que pouco depois d'este desastre, retiran-
do de Lisboa para embarcar em Cascaes o exercito inglez que vie-
ra em soccorro do prior do Crato, estando já então a praça em po-
der dos hispanhoes, foi a villa segunda vez saqueada pelos solda-
dos inglezes! Pobre villa!
Nos vinte e dois cubículos que existem no revelim da cida-
della foram em 1833 encurralados duzentos e quarenta e um pre-
sos poUticos transferidos da Torre de S. Julião da Barra cujos cár-
ceres haviam sido invadidos pelo cólera morbus. Isto não impedia
que dos duzentos e quarenta presos, acabrunhados de privações e
de vexames, sepultados no reveUm de Cascaes, cahissem doentes
cincoenta e três e fallecessem dezeseis.
Cascaes tem o seu homem illustre e o seu monumento celebre.
O homem é o piloto Afíbnso Sanches, que tendo arribado no
anno de 1486 com a sua caravella a uma remota região desconhe-
cida, veio depois a morrer na ilha da Madeira em casa de Chris-
AS PBAIAS DE PORTUGAL 81
tovão Colombo, que herdou as cartas e o diário do obscuro nau-
frago, o qual talvez, sem o presumir, fora o primeiro a tocar no
continente americano.
O monumento de Cascaes é a sua bella e secular palmeira,
plantada no centro da povoação á beira do pequeno rio que atra-
vessa a villa descendo do alto da serra de Cintra.
Cascaes, que além da via fluvial se aclia ligada a Lisboa por
uma boa estrada, tem tido nos últimos annos um grande desenvol-
vimento. A renda das casas, que se alugam com mobília e louça
durante os mezes da temporada de banhos, comquanto não seja
absolutamente elevada, é ainda pouco menos do que o preço por-
que as mesmas casas se venderiam, se alguém as comprasse, ha
15 annos.
Entre as novas edificações figuram os chalets do snr. Torresão,
as grandes casas dos snrs. conde de Valle de Reis, viscondes da
Gandarinlia e da snr.^ duqueza de Palmella.
Esta ultima, perfeitamente construída, tem o typo das moder-
nas habitações inglezas, elegantes, mas tristes, sempre que as não
rodeia a verdura espessa dos grandes arvoredos. Á casa está ap-
penso um parque e um jardim inglez, os quaes só d'aqui a alguns
annos poderão entrar no exercício das funcções a que se acham des-
tinados.
A casa da snr.^ viscondessa da Gandarinha tem a particulari-
dade de estar edificada nos terrenos em que antes do terremoto
existia o antigo paço do senhor de Cascaes, primitivamente occu-
pado no tempo de D. Fernando por D. Álvaro de Castro, irmão da
linda Ignez, e depois por João das Regras, a quem o senhorio de
Cascaes foi doado por D. João i.
Desde o meado de setembro até o fim da estação, Cascaes tor-
na-se o centro mais completo, o mais fino extracto da vida elegan-
te em Portugal.
As senhoras aristocratas começam então a reunir-se no salão
do club, onde se talham e se cosem os fatinhos para as creanças
pobres, que sua magestade a rainha distribuo por sua própria mão
aos agraciados.
Ha as soirées na cidadella presididas por el-rei, as partidas de
pesca, os prasos dados para as reuniões da tarde no parque da se-
nhora duqueza.
E' a plena vida de curte na sua expressão mais genuína. De
dez senhoras que passam, com as suas toilettes de campo, vestidos
de mousseline semeados de flores silvestres, chapéus de palha, o
grande leque — coup de vent — suspenso do cinto por um gancho
«
82 AS PRAIAS DE PORTUGAL
— oito são titulares. Representam os mais bellos nomes da tradi-
ção monarchica. Teem os Gnos pés pequenos, o vestuário simples
e modesto, a voz clara e bem timbrada, as altitudes de cabeça al-
tas e senhoris, os gestos resolutos das famílias privilegiadas. As
senhoras da burguezia destoam n'esse meio e não fazem bem em
sujeitar-se ao contraste d'esse confronto, a não ser que não tenham
levado as suas jóias, que não ponham senão os seus vestidos ve-
lhos, que usem o mais simples dos penteados e que sejam funda-
mentalmente despretenciosas e boas, — no qual caso todas as mu-
lheres, qualquer que seja o seu nascimento e a sua cathegoria, são
egualmente elegantes e distinctas.
Os homens novos que quizerem fazer o que se chama a en-
trada no mundo, a investidura social, devera procurar esta praia
para abrir a brecha, para penetrar na praça.
Aconselhar-lhes-hemos n'esse caso que não imitem os homens
que acompanham essas senhoras e são os seus pares.
Não, leitor inexperiente e amigo ! Se quizeres ser recebido
n'esta sociedade especial, a alta sociedade portugueza — em que se
pegam os touros, em que se toca a guitarra, em que se dança o
fado — não toques o fado, não pegues os touros, não bebas, não fu-
mes, não deites para traz o chapéu dando-lhe um piparote na aba.
Tudo isso fazem os fidalgos, mas tu, burguez, nunca parecerás um
fidalgo se o fizeres. Parecerás apenas um moço de cavallarice e
nenhuma d'essas senhoras consentirá jamais em que lhe apertes a
mão. Não tenhas também muito espirito, nem maneiras muito ac-
centuadas, nem opiniões muito expressivas.
Sê o mais que possas fácil, complacente, obscuro, nullo. Vae
á missa, lê o teu ripanso, está de joelhos na igreja, confessa-te uma
ou duas vezes, veste-te como um padre ou como um saloio, dà-te
um ligeiro ar idiota, inoffensivo, pascacio. Terás um successo in-
fallivel. As senhoras receber-te-hão com agrado, como um auxiliar
que não compromette, como um passivo, como um neutro. Apre-
sentar-te-hão, rindo, ás suas amigas. Pedir-te-hão os pequenos ser-
viços suaves que se encarregam aos procuradores e aos capellães:
que chegues uma cadeira, que vás buscar as luvas, o lenço ou o
chapéu de sol que esqueceu, que acompanhes esta, que vás cha-
mar aquella, que deites ao correio uma carta para aquelfoutra,
etc. ; terás uma incumbência de responsabilidade nos pic-nics, nos
passeios em burro, nas soirées de subscripção; serás o ponto ou o
contra-regra, o comparsa ou o creado que traz a carta nas repre-
sentações de salão. Converter-te-has finalmente n'um personagem
que será lembrado, requerido, utilisado.
AS PRAIAS DE PORTUGAL 83
No anno seguinte áquelle em que por estes meios te houveres
introduzido na sociedade, poderás então tocar guitarra, enrolar nos
dedos, em pleno club, deante das senhoras, um pestilento cigarro
de papel, arrojar o chapéu da testa para a nuca com o piparote fa-
dista, e fallar o calão — porque terás tomado posse, e principiarás
a exercer o teu logar de janota nacional, encartado e inamovível.
Além da via fluvial que seguimos de Lisboa a Cascaes e da
respectiva estrada marginal do Tejo, Cascaes tem ainda a estrada
de Cintra, de cuja povoação a separa um passeio de três quartos
d'hora em carroagem.
A proximidade de Cintra é o mais superior dos merecimentos
que tem Cascaes, porque — apesar da moda que ultimamente a es-
queceu e qae ha poucos annos fazia de Cintra a belleza official, a
paizagem dos compêndios de rhetorica, o logar selecto pela anti-
pathica unanimidade dos suffragios — Cintra é, ainda assim, pela na-
tureza dos seus terrenos, pela abundância das suas aguas, pelas
suas vegetações, pelas suas colhnas, pela sua serra, pelos seus ne-
voeiros, pelas suas quintas, uma das mais bellas, das mais suaves,
das mais tranquillas regiões que oíTerece o paiz. A vida de verão
tal como ali a passam a maior parte das famílias que habitam Cin-
tra na estação calmosa não contribuo de certo pela maneira mais
poderosa para pôr em relevo os attractivos do sitio. Nos bellos dias,
porém, da primavera e do outomno, claros, nitidos, quando uma
leve neblina cor de pérola corua os píncaros graníticos da monta-
nha, quando no caminho deserto dos Pisões se calcam as folhas sec-
cas despegadas das arvores, ou se vcem sobre os grandes tabolei-
ros de relva da quinta de Monserrate as primeiras flores desabro-
chadas dos hlazes; quando a grande serenidade silenciosa e ineíTa-
vel da natureza é apenas cortada pelo marulho da agua na fonte
da Sabuga ou pelo ranger da aréa sob as rodas de uma caleche na
descida de Coitares ; então, percorrer Cintra, passar ahi um ou dois
dias, como naturalista herborisando, como paizagista com a caixa
das aquarellas, ou como simples philosopho em ferias ; ter um quar-
to em Laivrence's Hotel, celebre pela especialidade do bom leite e
da manteiga fresca, tomar banho no grande douche, remar na vár-
zea, ir em burrinho á Pena ou á Pedra d'Alvidrar, é ainda uma das
poucas coisas boas, úteis, hygienicas, moralisadoras, que um lisboe-
ta pôde permittir-se o luxo de gosar pelo preço de uma das suas
libras.
I
VILLA DO CONDE
É talvez a menos frequentada pelos banhistas, o que não obs-
jta a que seja uma das mais pittorescas e mais bellas povoações
marítimas de Portugal.
A uma hora do Porto pelo caminho de ferro da Povoa, cuja li-
nha é cortada por entre espessos pinheiraes, Villa do Conde des-
cobre-se repentinamente, n'uma volta de estrada, no meio de uma
vasta paizagem, ampla, descoberta, de larga respiração.
Ao penetrar na ponte que une duas collinas, ao nascente da
villa, o viajante vé diante de si, ao longe, as montanhas de Rattes,
aos seus pés ondula o rio Ave por entre viçosas margens cobertas
pela verdura suave dos pinhaes. Ao meio do rio, entre a ponte de
ferro e a villa, um açude. Em cada uma das margens, um velho
moinho, musgoso, move lentamente a sua grande roda denegrida
e gotejante. Assente sobre rocha, na margem esquerda do rio, so-
branceiro á villa, o convento, grande edifício da Renascença fran-
ceza, tem um artístico aspecto, dominativo, senhorial, ostentando
ao largo sol, sobre a cimalha, junto de uma monja com o habito
de Santa Clara, o grande elephante branco, symbolo da castidade,
que constituo o brazão do convento.
D. AíTonso Sanches, filho bastardo do rei D. Diniz, e sua mulher
D. Thereza Martins de Menezes, filha do primeiro conde de Barcel-
los, foram os fundadores do convento, onde estão sepultados, e que
doaram ás freiras franciscanas.
O mosteiro de Villa do Conde era rico e fidalgo. Habitavam-o
120 freiras, a maior parte d'ellas de famílias nobres. Possuíam
a povoação de Azurara que fica na margem sul do rio, dízimos e
outros direitos senhoriaes. Eram donatárias de Villa do Conde, de
outras villas de Entre Douro e Minho, e de Alcoentre no Riba Tejo.
86 AS PRAIAS DE PORTUGAL
A abbadessa sentenceava as apellações das sentenças do juiz. Ti-
nham finalmente direitos soberanos.
D. João III tirou-lhes o senhorio e jurisdição, e instituiu por
donatário o infante D. Duarte. Azurara, com a sua bella igreja ma-
noelina, passou a pertencer a si mesma. Os dizimos foram extin- .
ctos. De sorte que as freiras empobreceram. As poucas senhoras
que actuaLmente assistem no mosteiro fabricam doce e vendem a
especial gulodice da ordem — os pasteis de Santa Clara.
A igreja matriz é do tempo de D. Manoel e no stylo manuel-
lino como a de Azurara.
A ermida de Nossa Senhora do Soccorro, que se avista da pon-
te e fica entre ella e a barra, á beira do rio, é redonda, tem a
forma de uma mesquita ottomana, a que só falta o complemento de
uma palmeira e o appenso de um camello ou de um cavallo árabe.
Além de algumas famílias muito distinctas e especialmente
hospitaleiras e amáveis, a população de Villa do Conde é compos-
ta principalmente de pescadores e de rendilheiras.
Todo o trabalho gera uma virtude que lhe corresponde. Do
fabrico da renda, delicadamente construída por meio de uma infi-
nidade complicadíssima de bilros, com linha branca finíssima, re-
sultam os hábitos de ordem, de aceio, de reflexão, de espirito de
systema.
Não é possível fazer renda e ter uma casa em desordem;
não é possível fazer renda e ter as mãos sujas ou deitar nódoas
no fato; não é possível fazer renda e murmurar ao mesmo tempo
da vida alheia ou altercar com as visinhas, como succede a quem
doba, a quem fia, a quem faz meia, a quem se occupa de traba-
lhos de machina puramente automáticos.
O fabrico da renda é profundamente raoralisador. D'elle pro-
cede o caracter e o ar senhoril das mulheres de Yilla do Conde e
de algumas que particularmente me impressionaram em Peniche
pela distincção das suas maneiras, pela gravidade das suas physio-
nomias, pela delicadeza das suas estaturas, pela elegância aristo-
crática das suas mãos.
As rendas de Villa do Conde, como as de Peniche, são do gé-
nero chamado Honiton, similhante á guipure de Chantilly. Magoa,
ao considerar os trabalhos d'estas sympathicas mulheres, ver tan-
ta perfeição de acabamento, tão completa posse do processo, alha-
da a tão profunda ignorância artistica !
Nem em Villa do Conde nem em Peniche encontramos uma só
operaria que soubesse desenhar. A creação de uma escola de de-
senho publica e gratuita é tão necessária em qualquer d'estas lo-
AS PRAIAS DE PORTUGAL 87
calidades como a escola das primeiras lettras, A essas mulheres,
que tão íiel e escrupulosamente executam os riscos, seria facílimo
ensinar a manejar o lápis.
Se em cada uma das escolas de desenho a que nos referimos
existisse uma coUecção de bons modelos d'ornato feitos pelos ar-
tistas de mais talento e os jornaes especiaes da moda franceza com
todos os novos modelos, talvez d'essas modestas operarias sahis-
sem algumas artistas cuja aptidão contribuiria muito para dar á in-
dustria das rendas portuguezas a grande importância económica de
que ella é susceptível.
O campo que cerca Villa do Conde, atravessado pela arcaria
do extenso aqueducto do convento, o qual lhe imprime um grandio-
so ar italiano, é ameno, posto que um pouco triste. As margens do
rio perto da graciosa aldeia da Retorta são extremamente pitto-
rescas.
O único defeito de Villa do Conde, como estação de banhos, é
a distancia que medeia entre a praia e as casas da villa, unidas
todavia por uma boa estrada, em que uma companhia edificadora
estava o anno passado construindo novas casas.
Ha feira semanal e feira grande a que concorre muito povo
dos subúrbios.
A villa tem dois hotéis. Estivemos no maior, situado na praça,
em frente da antiga ponte. O aceio não é a virtude especial que
recommenda esta casa ao respeito dos viajantes. O proprietário dis-
trae a attenção dos forasteiros da infecção de capoeira que cara-
cterisa os salões, servindo-lhes magnifico vinho verde, admiráveis
presuntos de Melgaço, de primeira ordem, e os melhores pasteis do
convento.
^'1
ESPINHO
É de todas as praias a mais estimada por aquelles que a fre-
quentam. Os banhistas de Espinho tomam-se todos por este sitio de
uma espécie de exaltação patriótica, exclusiva e intransigente. Não
admittem o parallelo da sua praia com qualquer outra, e conside-
ram os que tomam banho n'outras regiões do globo como adversá-
rios, quasi como inimigos. Por mais de uma vez encontrei no ca-
minho de ferro do Porto, dentro do mesmo compartimento, uma fa-
mília de Espinho e uma familia da Granja, e fiz então uma ideia do
aspecto que deviam ter, postas cara a cara, a familia Cappuletti e
a familia Montecchi. Os homens não se encaram. As senhoras não se
examinara senão com um olhar obliquo e debaixo para cima, des-
de o bico do pé até o contorno do hombro. As próprias creanças
de Espinho voltam as costas às creanças da Granja e, se estas lhes
faliam, mettem o dedo no nariz, que é o gesto mais expressivo
com que as creanças sorumbáticas, costumam expressar a sua per-
tinácia na incommunicabilidade e no silencio.
A povoação de Espinho divide-se em dois bairros diíferentes,
separados pelo largo do mercado. Para o nascente, até á estação
do caminho de ferro, fica o bairro novo e caro; para o poente, até
a praia, acha-se o antigo bairro pobre.
Pequena povoação de pescadores do concelho da Feira, no dis-
tricto de Aveiro, Espinho deve ao caminho de ferro o seu aspecto
actual.
As antigas barracas de madeira dos primitivos habitantes acham-
se mascaradas para o lado da estrada pelas edificações modernas
90 AS PRAIAS DE PORTUGAL
que se alinham com uma certa grandeosidade burgueza, nas duas
principaes ruas novas, a da Assembleia e a do Bandeira de Mello.
No velho bairro, as ruas estreitas e tortuosas, os antigos ca-
sebres esbeiçados que pendem era ruinas esfarpadas, as saliências
das varandas de pau, empenadas e barrigudas, a fogueira de pinho
que está dentro ardendo no lar, as creanpas semi-núas que sabem
á rua, as mantas ou as redes de pesca, penduradas das janellas ou
estendidas a enxugar em duas varas, teem um cunho muito cara-
cterístico, de ura pittoresco oriental.
Era poucas praias é tão aniraada corao era Espinho a vida de
club, expressão que n'este caso não tera o sentido inglez segundo
o qual o club, creação democrática do fim do século passado, era
uma reunião exclusivamente de homens. Em Espinho o chib é o
ponto de reunião de todos os banhistas de ambos os sexos.
Pela manhã, desde o meio dia até às três horas reaUsa-se a
priraeira reunião. Leem-se os jornaes, conversa-se, faz-se musica.
Muitas vezes succede que uma joven tocadora, viuva saudosa
do seu piano de estudo, se apodera do instrumento do club para
repassar os seus exercícios. Se este abuso continuar é de crer que
o numero dos banhistas diminua, porque todos os inconvenientes
da vida de Espinho, — a pobreza indígena, o amanho da sardinha,
a aridez do solo — são menos pungentes que as estudiosas pianis-
tas que vão ás manhãs exercer sobre o piano do club a sua apren-
dizagem feroz !
Debaixo das mãos presistentes e accintosas de uma celebrida-
de que desponta, o piano converte-se n'um raonstro.
O tigre ruge, o lobo uiva, o raocho pia, a serpente assobia, a
rã coacha, o juraento zurra, — o piano serra!
Ha uma calamidade social representada por ura sujeito ignóbil
charaado o troca-tintas. Ha outra calamidade peor representada nas
salas pelo troca-teclas.
A antiga inquisição era o boi de que o troca-teclas é o extra-
cto de carne.
Ao contacto dos dedos protervos da fera, a mais innocente pol-
ka, a mais inoífensiva phantasia, toma o caracter sinistro do bem
conhecido supplicio da gota d'agua, e começa a pingar em semi-
colcheas compassadas no cérebro da victima, como um filtro peço-
nhento.
O troca-teclas insinua-se pela mansidão e pela modéstia, como
ura fio de azeite destinado a converter-se n'um fio d'alfange. O tro-
ca-teclas começa por declarar com os olhos baixos que pouco ou
nada sabe. Com a mesma astúcia porém com que a aranha tem a
AS PRAIAS DE PORTUGAL 91
sua teia, o troca-teclas tem a sua família, e é do seio d'ella que
perante a modesta aílirmação do troca-teclas sae uma voz que re-
plica :
— Não é tanto assim. . . A menina o mais que tem é acanha-
mento pela falta d'uso de tocar diante de gente, mas estes senho-
res desculpam. . . Toque lá aquelle bocadinho dos Dois Foscaris. . .
A menina então adianta-se para o instrumento do crime, me-
neando a cabeça com movimentos de cysne que voga na direcção
do comedoiro. Offerece-lhe o braço um cavalheiro que a anima cora
palavras tónicas e lhe desenrosca a coragem e o pé do banco até
á altura conveniente.
Ella descalça as luvas, que coUoca ao lado da estante. A as-
sembleia silenciosa escuta. Ella principia. Mas, como se enganou,
torna a principiar, e engana-se outra vez, com a única diíTerença
de que se engana melhor, — com mais fogo ! Principia pela tercei-
ra vez e consegue finalmente enganar-se com uma perfeita maes-
tria e bravura. Depois do que, prosegue satisfeita e victoriosa,
atropelando as notas com uma justiça de moiro, fazendo pagar as
teclas justas pelas teclas peccadoras, e acabando finalmente por
provar que confundiu os Dois Foscaris, de Verdi, com os Dois re-
negados, do snr. Mendes Leal.
E assim nasce a opinião geral de que são quatro as prendas
de uma menina: bordar cães e araras de veludo com olhos de con-
tas, fazer flores de papel e compota de pecegos, marcar lenços com
anagrammas phantasistas, e — não tocar piano.
Além do alfobre das pianistas. Espinho costuma ter um viveiro
de poetas, bons rapazes, amantes da lua e da arte poética, os quaes
não podendo escrever os Lvsiadas por os acharem já escriptos, en-
treteem a musa desoccupada com o banho de mar, com a recita-
ção ao piano e com algumas chávenas de chá preto com leite, acom-
panhadas das competentes torradas.
A sociedade que concorre a Espinho é extremamente numero-
sa e variegada. Cem senhoras chegam a frequentar o club. Com-
prehende-se que estas senhoras não são todas princezas. lia mes-
mo algumas que são apenas as honestas esposas de algum merca-
dor de Penafiel ou de algum cambista do Porto, ao passo que ou-
tras são mais ou menos garantidamente pessoas nobres e titulares.
E todas ellas se reúnem ao mesmo tempo, debaixo do mesmo te-
cto, sobre o mesmo pavimento, ao som dos mesmos Lanceiros.
92 AS PRAIAS DE PORTUGAL
As cathegorias porém reunem-se mas não se baralham, a não
ser, provisoriamente, nas figuras das quadrilhas. Acabada a contra-
dança os grupos delimitam as suas fronteiras, descentralisam-se, e
cada circulo fica tendo a sua existência própria, independente e au-
tonomia.
Nos passeios á ponte da Canha e á estrada da Granja, nas di-
gressões a Ovar, á Graciosa, á Borralha, á ria de Aveiro, os diflfe-
rentes círculos concêntricos do club, desgregam-se, passeiam, con-
versam e divertem-se em separado.
Cada uma d'essas tribus tem a sua organisação especial, com
os seus competentes personagens em rivalidade com os das tribus
adjacentes e limitrophes. Em cada tribu ha uma pequena socieda-
de completa, uma roda, com o respectivo poeta, o pianista, o tro-
ca-teclas, os parceiros do voltarete, os pares dançantes, a menina
bonita, a senhora espirituosa e o competente homem celebre. Quan-
do cada um dos grupos assim divididos toma banho, vai ao club,
passeia, viaja, faz pic-nics ou se recolhe a sua casa, leva comsigo
todo o seu pessoal. De sorte que as impressões de cada individuo
variam segundo a roda a que elle pertence e a tribu de que faz
parte.
As casas de Espinho alugam-se mobiladas e com louça ou sem
louça e teem, segundo as comraodidades que offerecem uma larga
tarifa de preços, desde 200 reis até 4j$(500 por dia. Entre os prin-
cipaes prédios novos figuram o do snr. Fulgencio Pereira, — meta-
de do qual se alugou o anno passado por 5^000 reis por dia e a
outra metade por 800)5íOOO reis por anno — os dos snrs. Cardoso
Valente, conde da Graciosa e Pintos Bastos.
Ha três hotéis : o Hotel Particular, o Bragança e a Nova Es-
trella, a Is^íOOO reis por dia, e jantar de meza redonda a 500 reis
por cabeça. D'estes boteis o mais tranquillo é o Hotel Particular,
da snr.* Maria da Gloria Villas-Boas.
A ERICEIRA
Fica a sete léguas de Lisboa e tem cerca de 700 fogos.
Se exceptuarmos Olhão, no Algarve, é esta a terra mais acea-
da de Portugal.
As ruas estão escrupulosamente varridas como as de um jar-
dim. As mais pequenas casas teem as vidraças nitidamente lava-
das e as paredes exteriores caiadas de branco.
Quasi ao meio da villa, sobranceira ao mar, fica n'um alto a
capella de Santo António, circumdada de bancos, ponto de reunião
dos banhistas á hora do pôr do sol e á do despontar da lua.
Para o norte da capella ha uma praia de banho, para o sul
ha outra. A cada uma d'estas praias corresponde um bairro. A
praia do sul, perfeitamente abrigada por uma cortina de rocha que
a rodeia como um biombo, é a mais agradável, e o seu respectivo
bairro o mais importante. Para o lado do norte ficam as peque-
nas casas quasi todas de um só pavimento, abarracadas.
A vida é extremamente comraoda na Ericeira. As casas alugam-
se com mobilia, e póde-se ter egualmente de aluguer a louça e a
roupa de camas. Uma familia de quatro pessoas aloja-se commoda-
mente por seis libras por raez. O preço do hotel é de 800 reis por
pessoa com cosinha soCfrivel e serviço regular, fia um club e um
pequeno theatro.
A população indígena, composta principalmente de marítimos,
é pacifica e abastada, d'onde resulta que o banhista não padece a
exploração de que é objecto nas terras em que o habitante é in-
dolente e pobre.
Estivemos na Ericeira fora da temporada dos banhos. O aspe-
cto da população só differia do que é em agosto ou setembro pelo
numero das pessoas. De resto, o mesmo aceio, as mesmas lo-
94 AS PRAIAS DE PORTUGAL
jas abertas; ao fim da tarde algumas famílias passeavam na pra-
ça do Jogo da Bola. A' noite accenderam-se luzes em quasi to-
das as casas. Nos pavimentos do rez do chão via-se, atravez dos
vidros, os cortinados das janellas, a gaiola envernisada ao centro
das duas cortinas; um candieiro de sala, de globo fosco ou de
abat-jour, sobre a mesa do centro confortavelmente coberta com
um tapete ; o cabide, o espelho, o vaso com flores, todos os peque-
nos característicos da vida serena, bem administrada, com um or-
çamento regular, com hábitos adquiridos, com costumes de famí-
lia. Devemos especificar que em duas casas chegamos a avistar al-
guns livros : caso extraordinário e raríssimo em Portugal, onde nas
pequenas casas da província o livro é um objecto de luxo que nin-
guém se permitte, e o habito tão moralisador da leitura aos serões,
curiosidade que ninguém tem, dignidade que ninguém professa.
A existência d'esta inclinação artística que nos surprehendeu
na Ericeira procede talvez da educação que os marítimos adquirem
nas viagens, reunida á natureza especial do solo que pela sua ari-
dez em torno da villa obriga o habitante a recolher-se e a procu-
rar no interior da sua casa as distracções que o campo e a paiza-
gem lhe não facultam.
O único passeio da Ericeira é Mafra que fica a distancia d'uma
hora ao trote de uma carroagem ou das diligencias que durante a
estação dos banhos fazem esta carreira pelo preço de 300 reis.
Mafra é dignissima de ver-se, de visitar-se por mais de uma
vez, pela importante hção de historia que ella ministra.
A villa é pequena e pobre. O celebre edificio de D. João v os-
tenta a sua enorme corpolencia quadrada e macissa no meio de uma
vasta nudez fria e abatida. Não é propriamente um monumento archi-
tectonico; é apenas um prédio, mas um prédio immenso, incrível,
phantastico, pharaonico. Occupa uma área de 40:000 metros qua-
drados. Tem quatro mil e quinhentas portas e janellas, oitocentas e
oitenta salas, duas torres de 68 metros de altura, um zimbório,
dois torreões tão vastos que n'um só andar de qualquer d'elies se
aloja toda a família real quando vae caçar a Mafra. Levou treze an-
nos a fazer. A media dos operários empregados em cada dia na
construcção da obra monta a vinte mil. Para cortar a montanha
que fica ao sul do edificio davam-se quotidianamente mil tiros, e
consumiam-se 400 kílogrammas de pólvora. Além de vinte mil ope-
rários havia em Mafra para manter a policia uma força militar de
AS PRAIAS DE PORTUGAL 95
sete mil homens de cavallaria e infanteria. Nas conducções empre-
gavam-se 1:270 bois fora os que os lavradores circumvisinhos
eram obrigados a ceder em dois dias da semana. Uma só pedra,
de que se fez a varanda da sala principal, levou seis dias a chegar
de Pêro Pinlieiro e foi puxada por 200 bois. Morreram durante a
obra 1:338 operários. O numero total dos sinos é de 114. Os dois
carrilhões custaram na Itaha 800 contos de reis. O castiçal em que se
mette o cirio pascal, e que está na sachristia pesa 235 kilogrammas.
O apagador respectivo pôde apagar um homem, e apagou um século.
Os paramentos ainda hoje existentes e bordados a matiz sobre as mais
bellas sedas da índia ou das melhores fabricas da Europa, são de tal
modo sumptuosos que D. João v dizia haverem-lhe custado mais
caro do que todo o ediíicio ! A tapada contigua ao palácio occupa
um circuito de 3 léguas. As cosinhas compoem-se de sete grandes
casas, a das hortaliças e do peixe, a da pastelaria, etc. Na cosi-
Dha grande, forrada de azulejos, cercada de torneiras de bronze,
ha duas enormes chaminés com os dois apparelhos destinados a
mover os caldeirões, em cada um dos quaes se podia coser um
boi. As festas da sagração duraram oito dias. No primeiro dia as
solemnidades religiosas começaram ás 8 horas da manhã e acaba-
ram ás 5 da manhã do dia seguinte. Assistiram o rei, a rainha,
o príncipe, os infantes, a comitiva real, o patriarcha, dois car-
deaes, quatro bispos com os seus secjuitos, os cónegos, trezentos
frades, os fidalgos, os regimentos de infanteria e cavallaria. Além
do que toda esta gente comeu, o rei mandou dar de jantar a to-
dos os romeiros que se apresentassem, e apresentaram-se nove
mil. As cosinhas do convento prepararam os jantares para toda es-
ta multidão.
Mafra, em que D. João v, Nero de sachristia, Pharaó freirati-
co, consumiu tantos milhares de centos, tantos mihiares de braços
e tantos milhares de vidas, representa a dupla catastrophe de um
monumental triumpho e de uma monumental derrota.
Tudo quanto um triumpho pôde ter de calamitoso para um po-
vo deu-a a edificação de Mafra: — a perturbação económica, a con-
centração de todas as forças vivas de ura paiz sobre um único suc-
cesso, a embriaguez do êxito, o falso orgulho, a petulância, o pe-
dantismo, todos os vicios das heroicidades pervertidas e desmora-
lisadas.
Tudo quanto uma derrota nacional pôde ter de deplorável
deu-o egualmente Mafra: — o enfraquecimento, aruina, a prostração
dos temperamentos e dos caracteres, a pobreza geral.
96 AS PRAIAS DE PORTUGAL
Por outro lado a edificação de Mafra não produziu nenliuraa
das vantagens que os grandes triumplios ou as grandes derrotas
podem influir na educação moral de ura povo: — nem a afíirmação
da sua força, nem a imposição da sua vontade triumpliante, nem
o modesto recolliimento du seu espirito ensinado pelo revez e pro-
curando retemperar-se no dever, na renovação moral, na reconsti-
tuição do seu ser pela condensação interior de todas as forças da
intelligencia e da vontade.
Enorme infortúnio !
Ha apenas século e meio que o ediQcio de Mafra foi erigido
era consagração de uraa ideia religiosa e de uraa ideia monarchi-
ca. Que papel tem hoje esse colossal montão de mármore, de cal-
careo e de bronze no serviço de qualquer d'esses dois cultos a que
o destinaram: — o culto catholico e o culto monarchico?!
Ha quarenta e oito horas que eu estive em Mafra. Era meio
dia de sexta-feira, antes de domingo de Ramos d'este anno de 1876.
No meio da igreja, por baixo do grande zimbório, cinco padres de
sobrepeUiz cantavam automaticamente um responso era volta de
um esquife. Por baixo das batinas appareciam as grossas botas sa-
loias dos caminheiros dos campos. As mãos que seguravam os li-
vros do cantochão eram espessas e calosas como as dos cavadores;
as physionomias, crestadas, duramente contorcidas com as violên-
cias vejetativas dos sobreiros.
Quando estes cinco padres aldeões, bons homens do campo,
vigorosos e boçaes, suspendiam o cantochão para aspergirem agua
benta ou para menearem o thuribulo, ouvia-se no alto da torre
os sinos do carrilhão telintarera o coro do primeiro acto da Tra-
viata. Em quanto eu me dirigia á igreja, dois inglezes, que vira
no hotel a reforçarem-se com dois alentados bifes e duas garrafas
do adstringente vinho de Torres, tinham subido ao carrilhão e pu-
nham em movimento o cyhndro.
E era tudo o que sobrevivia dos antigos esplendores da igre-
ja e da curte do tempo de D. João v: — cinco padres que tinham
acudido das redondezas á espórtula do responso trazendo a trouxa
com a loba e a sobrepeUiz em uma mão e ura varapau na outra,
e o afamado carrilhão divertindo com a mais profana e mundanal
das partituras dois dilettanti herejes, dois touristes lutheranos em
peccado mortal de um kilo de carne por estômago na penúltima
sexta-feira da paixão!
No Egypto as pyramides são, pelo menos, um tumulo. Mafra
ê uma eça vasia levantada á ausência de ura defuncto rico e so-
AS PRAIAS DE PORTUGAL 97
berbo, para cuja memoria uca não ha uma lagrima de saudade ou
de respeito na lembrança d'aquelles a quem o morto não testou
senão a pobreza, a desorganisação e a ignorância.
O mosteiro dos Jeronymos e a Batalha, inspiram um sentimen-
to delicado, commovente, respeitoso, porque são para o povo a
manifestação de uma das mais bellas das suas faculdades, o seu
sentimento artístico. Como verdadeiras obras d'arte, como pri-
morosas eíllorescencias do génio nacional, esses monumentos não
teem a feição individualista de uma ordem regia, são a obra col-
lectiva de um povo, prendem-se profundamente na sua tradição,
na historia do seu passado, nos elementos da sua vida intellectual.
Não são, como Mafra, o cumprimento de um voto feito aos santos
por um rei enfermo com interferência d'alguns frades arrabidos ;
são a commemoração das grandes epochas, dos gloriosos feitos, que
aílirmaram a nacionalidade e a raça, — a independência do territó-
rio e a descoberta da Índia.
Não é o lápis nem o cinzel assalariado por um déspota papar-
rotão o que risca e lavra os feixes d'essas airosas columnas que
crescem para o ceu e bracejam como palmeiras nos lavores ren-
dilhados das ogivas manuelinas; é o espirito popular — com todas as
tradições, com as impressões do caracter e do temperamento, com
as influencias do solo, do clima, das viagens, dos contactos com o
mar, das recordações de paizagens e de vegetações longínquas, —
que se reflecte e condensa na alma dos artistas e lhes guia a mão
privilegiada que torna visíveis e palpáveis os sentimentos e os es-
tados de espirito.
Mandando, como D. João v, recrutar e prender por todo o paiz
os trabalhadores e os artífices, que chegaram a constituir uma le-
gião de 50 mil operários, pedindo a inspiração a um collegio de va-
ratojanos ou de capuchos, promettendo aos santos da sua devoção
não as suas penitencias mas os sacrifícios dos seus súbditos, em
taes condições, dizemos, fazem-se igrejas, fazem-se torres, fazem-se
cadeias, fazem-se fortalezas, fazem-se forcas, mas não se fazem mo-
numentos nacionaes.
Por isso Mafra, apesar de todas as receitas consumidas, de
todos os esforços empregados, de todos os sacrificios feitos, é ape-
nas um prédio, enorme, soberbo, magestatico; mas simples prédio.
Como prédio é magnifico ; admiravelmente situado, descobrin-
do uma larga paizagem; perfeitamente penetrado de ar, de luz e
de sol ; satisfazendo cabalmente todas as condições da hygiene com
relação aos grandes agentes physicos.
A insensatez de prodigalidade com que tal obra foi feita só
7
98 AS PRATAS DE PORTUGAL
poderia ser compensada com a insensatez de desperdicio com que
ella se está desfazendo. O edifício de Mafra acha-se inteiramente
abandonado. O asphalto, dos torreões despedapa-se e a chuva pe-
netra nos vigamentos. Nos magniíicos pateos interiores a lierva
cresce por entre a murta dos antigos arabescos versalliezes. A bi-
bliotheca, bella sala com excellente obra de talha feita no tempo
em que o convento foi occupado pelos cónegos regrantes de S. Vi-
cente, está inutilisada com os seus vinte e cinco mil volumes de
obras clássicas e de erudição. O collegio militar, que estava mui
propriamente instalado n'este edifício foi transferido para a Luz,
o asylo dos filhos dos soldados, que ahi esteve algum tempo, foi
egualmente mudado. A casa está completamente deserta. As três
léguas de magnifico solo occupadas pela tapada estão incultas. A
pobre villa de Mafra, assoberbada pelo grande edificio, constrangi-
da entre o mar e três léguas de terreno inútil para o qual ella não
pôde estender nem a sua propriedade nem as suas explorações
agrícolas, fechada n'esta espécie de sitio, decae e deperece de dia
para dia.
No emtanto o carrilhão toca o repertório dos seus menuetes
em todos os dias de gala; de dois em dois annos el-rei e a real
família vão por um dia capar as gallinholas que abundam na tapa-
da; de quando em quando, pelo verão, ,um viajante chega, manda
tocar os sinos, manda abrir as gavetas da sachristia, fuma um cha-
ruto nos terraços, e apressa-se a voltar para Cintra ou para a Eri-
ceira, ou a retomar a diligencia do Gato ou a do Simplício que fa-
zem a carreira de Lisboa ao preço de 800 reis por passageiro.
E todavia o edificio assim abandonado prestava-se admiravel-
mente ao estabelecimento de uma universidade, de uma grande es-
cola modelo de instrucção secundaria, com internato a miniraos
preços, reunindo o ensino industrial, o ensino agrícola, a lavoura
e as artes e ofíicios, fazendo cidadãos úteis e prestáveis na mesma
machina destinada á engorda de príncipes parranas e de frades pou-
seiros.
A NAZARETH
Situada a breve distancia das Caldas da Rainlia a praia da Na-
zaretli, assim como a de S. Marlinlio do Porto, convida naturalmen-
te as pessoas que fazem uso das aguas sulphureas. Assim a Naza-
reth é principalmente occupada pelos banhistas das Caldas e pes-
soas d'aquella3 redondezas da Extremadura: Pombal, Leiria, Torres
Novas, Santarém.
A praia propriamente dita, o logar dos banhos, fica entre a
antiga villa da Pederneira, situada n'um alto e o sitio da Nazareth
que se eleva em outro alto.
A vida na Nazareth é tão commoda como na Ericeira. As ca-
sas alugam-se mobiladas, com louça, com roupas de cama. O ho-
tel, muito bem situado, perto da praia, tem o preço de 800 reis
por cada hospede. O peixe é abundante e excellente.
A celebre festa da Nazareth realisa-se no mez de setembro e
dura três dias, havendo arraial, tourada, representação no theatri-
nho da locaHdade, etc.
A imagem da Senhora da Nazareth, cuja capella foi edificada
em 1370 pelo rei D. Fernando, foi tida durante muito tempo como
uma das mais milagrosas de toda a christandade. E' de madeira
pintada, tem palmo e meio de altura e dizem que foi trazida de
Nazareth para Merida, onde esteve algum tempo, e de Merida para
o logar em que actualmente se acha. A primeira ermida foi cons-
truída por Fuás Roupinho, de Porto de Moz, no tempo de Afl^onso
Henriques. A imagem estava a esse tempo collocada entre duas ro-
chas no sitio chamado a Memoria. Sabem certamente a historia do
milagre que originou a gratidão piedosa de D. Fuás.
100 AS PRAIAS DE PORTUGAL
Elle andava caçando no dia 14 de setembro de 1182. A ma-
nhã estava enevoada e sombria. Os cães levantam um veado, que
parte á desfilada perseguido pela matilha e seguido de perto por
D. Fuás. De repente o solo desaparece debaixo das mãos do cavai-
lo de D. Fuás, que havia chegado á orla do grande rochedo cor-
tado a pique na altura de 200 braças sobre o mar. D. Fuás grita
pela imagem da Senhora que elle tinha visto na Memoria. O cavallo
empina-se e estaca, tendo o cuidado de marcar a rocha com o ves-
tígio das ferraduras. D. Fuás apeia-se e vera dar graças á Virgem
por havel-o livrado de se despenhar no esbarradouro. O veado pe-
la sua parte desappareceu, facto de que se deduziu que elle não
era mais nem menos do que o vivo demónio disfarçado em caça.
Desde que se erigiu a capella edificada por D. Fuás, os mila-
gres tornaram- se consecutivos e extraordinários. Doentes sem falia,
sem vista, paralyticos de pernas e braços, tendo consultado os me^
dicos, tendo tomado os banhos próximos nas Caldas da Rainha, che-
gavam em piedosas romagens e recuperavam a saúde junto do al-
tar da Senhora.
De cada milagre se fazia registro em um livro devidamente
escripturado, onde a narrativa era aulhenticada com o depoimento
e assignatura de muitas testemunhas. D'esse livro existente no car-
tório da Senhora se tirou cópia e muitos dos termos n'elle exara-
dos se acham incluídos na obra publicada em 1628, sob o titulo
Antiguidade da sagrada imagem de Nossa Senhora da Nazareth,
por Manoel de Brito Alão.
Muitos dos casos alii referidos não são puras mistificações phan-
tasiadas por escriptores interessados nem meras illusões dos senti-
dos referidas de boa fé por individues allucinados. N'essas simples
narrativas acompanhadas dos pormenores mais característicos trans-
parece a expressão da verdade. Lemos com profundo interesse o livro
a que nos referimos e lamentamos que o caracter ligeiro d'este Guia
não consagrado á attenção dos philosophos mas ao recreio dos ba-
nhistas nos prive de demorar-nos um pouco como mero diletante
na analyse pathologica dos casos referidos no tomo dos milagres
operados por interferência da imagem de Nossa Senhora da Naza-
retii. Não podemos porém furtar-nos á transcripção de um d'esses
casos, — um só pelo menos — como amostra da natureza da maté-
ria que o registro a que nos referimos oíTerece á observação e ao
estudo.
AS PRAIAS DE PORTUGAL 101
« A vinte e sete de setembro á terça-feira da era de seiscen-
tos e onze annos veio a esta santa casa o commendador-mór com
Dona Maria de Távora sua molher, trazendo em sua companhia a
Dona Isabel de Moura filha de Dom Francisco de Moura freira pro-
fessa do Mosteiro de Santos, a qual vinlia aleijada de uma perna,
e braço direito, e da mão direita tendo-a mais de meia fechada, e
o braço encolhido com os nervos tomados, e pegados, que lhe fa-
ziam no sangradouro tamanho de uma noz grande ao comprido, e
o braço pegado de maneira que para nenhuma parte o podia go-
vernar nem menear, e a perna aleijada tinha mais curta quatro de-
dos, e andava muito poucos passos sobre um bordcão que avia dias
tinha, e o dia que partio para aqui das Caldas, quebrou, sobre que
andava arrimada quando dava algum passo, e apeando-se á porta
da igreja da senhora, ao ir para casa e tornar outra vez para a
egreja, era em uma cadeira, e ordinariamente andava em braços de
molheres, e quando veio do seu mosteiro a curar-se ás Caldas, e
d'ahi a esta santa casa (onde havia muito tempo que esta religiosa
desejava vir em romaria) uma porteira ao sahir do Mosteiro, por
nome Dona Briolanja, lhe disse que sonhara que a ditta D. Isabel
de Moura lhe disia que no dia de S. Miguel avia de ter saúde, e a
dita religiosa o sonhou nas Caldas aonde se estava curando, que
a Virgem Senhora Nossa lhe dava saúde dia de São Miguel, e assi
o contou a Dona Maria de Távora molher do commendador mór, a
quem esta rehgiosa tinha pedido que a quizesse trazer em romaria
a Casa de Nossa Senhora porque não linha outro meyo para puder
comprir este desejo, e vindo elles para estarem a véspera de São
Miguel, e se partirem ao outro dia, estiveram bua novena por acon-
tecer o milagre na forma seguinte. Aos vinte e outo de setembro
da dita era, que foi véspera de S. Miguel, veyo esta Religiosa em
hua cadeira era braços d'homens ouvir missa e assentando-se assi-
ma dos degraos no taboleiro junto ao Altar da Senhora da parte
esquerda em geolhos, depois de fazer oração á Senhora, lhe deu
um accidente dos que lhe costumavam a dar, e passado elle lhe
deram no braço direito, que era o aleijado, tão intrínsecas dores
dos nervos da mão e braço, que estando banhada em lagrimas, di-
zia que nunca em sua vida taes dores padecera, trás eha lhe deu
um somno tão profundo, que lhe durou mais de uma grande hora,
de maneira que por duas vezes lhe tomou o pulso Dona Maria de
Távora, que assistia junto d'ella, porque lhe pareceu que estava
como passada, e morta com o pesado somno que tinha, e vendo-a
n'este estado tirou um lenço da manga e o deu ao Irmitão dizendo
qne lh'o molhasse no azeite da alampada da Senhora, o que logo
102 AS PRAIAS DE PORTUGAL
fez, e com elle lhe começou a fazer a ditta senhora o signal da
cruz, no meio da costa da mão junto aos dedos, e entre o polegar
e o grande pela banda de fora por não poder ser na palma por
respeito da aleijão. Estando n'isto deu a ditta religiosa um arran-
co com o braço e o estendeu com toda a mão, e isto tudo estando
fora do seu sentido, no somno que assima apontei. Levantou então
a voz Dona Maria de Távora dando a Senhora as graças de tão
grande maravilha e milagre : n'isto despertou a dita religiosa dizen-
do: que é isto, prima? E no mesmo instante correu com as mãos
levantadas sãa, sem aleijão algua, avendo perto de dois annos que
estava na forma que acima se diz, do ar que lhe deu duas vezes,
do qual tinha já vindo ás Caldas por outras duas, e estando encos-
tada no altar da Senhora cahiu uma rosa á Senhora que tinha no
peito dependurada n'uma cadeia, e deu na cabeça d'esta religiosa
que lhe estava dando as graças pela mercê recebida, a qual rosa
(com aver hoje nove dias que foi colhida) está fresca e as outras
que vieram ontem que a Senhora tem estão murchas, e seccas: e
acabando a dita religiosa de dar graças à Senhora começou a pas-
sear pelo taboleiro do altar da Senhora á vista de todo o povo, do
qual a Igreja estava cheia, vendo-a toda a romagem, que seriam
perto de quatrocentas pessoas vir dantes em uma cadeira em que
a traziam, e confessa a dita religiosa que andando algum tanto al-
catruzada sendo sãa, anda hoje mais direita depois que recebeu a
saúde per meyo da Virgem Senhora da Nazareth. As pessoas que
estavam presentes ao ditto milagre foi o commendador-mór e Do-
na Maria de Távora sua molher : Francisca Cardosa e Maria da Assem-
ção creadas do ditto commendador mór e Maria de Andrade crea-
da da ditta religiosa: Pedro Fernandes Irmitão da ditta casa e ou-
tras muitas pessoas que entraram na Igreja quando a Senhora fez
o ditto milagre, que a conheceram e viram vir aleijada na forma
que arriba se faz menção. E eu o Licenceado Manoel de Brito Alão
Abbade simples de S. João de Campos e administrador dos bens,
obras, e culto divino da Casa de Nossa Senhora de Nazareth por
Sua magestade, de cuja immediata protecção é a dita casa, pre-
guntei ás dittas testemunhas que aqui comigo assignaram e á ditta
religiosa, e escrevi este milagre n'este livro das maravilhas, e mi-
lagres da Senhora, até o Arcebispo de Lisboa mandar tomar conhe-
cimento para se verificar o ditto milagre tão notório, e por tudo
passar na verdade fiz, e assignei este termo oje dia de S. Francis-
co, a quatro de outubro de 611.» (Seguem as assignaturas).
AS PRAIAS DE PORTUGAL 103
Graças aos pormenores com que o milagre se acha ingenua-
mente descripto não ha medico, mediocremente iiistruido, que da
narrativa exposta não extraia hoje o diagnostico preciso da enfermi-
dade de D. Isabel de Moura, religiosa, o que quer dizer solteira,
sujeita a incidentes que lhe costumavam dai', imaginativa, sonhan-
do que sararia no Dia de S. Miguel e procurando para a romaria
o dia annunciado no sonho, atacada finalmente de um mal que por
duas vezes lhe dera e a deixara paralytica. Um medico actual pôde
não somente precisar a natureza da moléstia — o hysterismo — mas
ainda assignalar com a mais perfeita segurança os "tramites psycho-
logicos pelos quaes se realisou a cura por via de um poderoso
agente therapeutico, que faz cobrir o rosto de lagrimas e declarar
o doente que nunca em sua vida taes dores padecera. Esse mara-
vilhoso modificador das enfermidades é o synergismo ou a acção
da energia e do poder da vontade do enfermo sobre a perturba-
ção da saúde. E' depois d'esses violentos e decisivos exforços de
todo o systema nervoso sobre o systema muscular que sobrevoem
os somnos profundos do género do que levou D. Maria de Távora
a molhar o lenço no azeite da lâmpada para fazer o signal da cruz
em D. Izabel por a julgar passada.
Os antigos milagres de Nossa Senhora da Nazareth podem já
hoje ser aíToitamente analysados e ratificados pela critica sem re-
ceio de que as interpretações da sciencia fechem á cura: ou ao ali-
vio das pessoas religiosas as portas d'essa grande pharmacia sym-
pathica e veneranda que se chama a Fé.
Infehzmente a Senhora da Nazareth ha muitos annos que não
faz curas. No dia do milagre de D. Isabel de Moura quatrocentos en-
fermos compunham a romagem que implorava a intervenção thera-
peutica da Virgem. Hoje em dia a não ser á hora matutina da mis-
sa conventual, o templo está deserto. O ermitão desappareceu. O
administrador do culto deixou de existir e o tomo dos milagres e
maravilhas em que o abbade Manoel de Brito Alão registava em ca-
da dia um successo novo passou da banqueta da igreja para a col-
lecção das curiosidades bibliographicas.
Novas imagens modernas e extrangeiras vieram tirar a virtu-
de ás velhas imagens portuguezas. Passou o tempo da Senhora de
iNazareth na antiga villa da Pederneira; passou o tempo de Santa
Iria em Santarém ; passou o tempo de S. Torquato em Guima-
rães.
A' data d'este livro é Nossa Senhora de Lourdes que está fa-
zendo os milagres, principalmente entre a sociedade culta, que sa-
104 AS PRAUS DE PORTUGAL
be ser devota em francez ou que segue eruditamente as traducções
mais recentes das bibliothecas românticas. Que os interessados apro-
veitem, em quanto é tempo, a efficacia d'este novo elemento ma-
ravilhoso ! Os milagres são como os medicamentos da moda acerca
de um dos quaes dizia um medico citado por Littré a uma senhora
que o consultava:
— Sim, pôde tomal-o, mas tome-o já — emquanto elle cura!
A FIGUEIRA
O viajante sente ao entrar na Figueira, no tempo dos banhos,
uma impressão similhante á que se experimenta penetrando nos
geraes da Universidade em dia lectivo. É a impressão do lente,
do pedagogo, da aula. Tera-se uma espécie de terror mesclado de
tédio. Ha uma atmosphera especial de pedanteria, de rigor e de
troça. Aspira-se vagamente o cheiro dos sapatos e das velhas ba-
tinas gordurosas na aula quente e fechada. As physionomias dos
doutores, de uma grave expressão emphatica, guindada e ôcca, as
cabelleiras dos estudantes apparatosamente penteadas, os ares do-
gmáticos de uns, misturados com os ares patuscos d'outros, um
tom geral de prelecção ou de desfructe, uma tonalidade especial-
mente affeclada na pronunciação, um desgarre pecuhar de gestos
8 de maneiras: taes são as principaes notas que caracterisam a
população de Coimbra.
Além d'isto a cidade tem um argot que se não usa em ne-
nhuma outra parte.
Um dia passávamos na Sophia dentro de uma das carroagens
americanas que fazem o serviço da estação do caminho de ferro.
No banco que ficava adiante do nosso sentava-se uma senhora de
dezoito a vinte annos, com o aspecto de uma pessoa bem educada,
a qual tinha ido esperar á gare um sujeito idoso, de óculos, que
se sentava junto d'ella. A referida senhora soltou estas textuaes
palavras :
«Ah! papá, que cohcas que rapou o Barreira! O guarda-mór
disse-lhe que tinha ficado bem, mas o Augusto foi saber á secre-
taria, e quando voltou vinha tão torto de cara que eu logo disse
ao Barreira : ou você levou um r ou Augusto embaçou com algu-
ma chalaça nossa.»
106 AS PRAIAS DE PORTUGAL
Era preciso estar effectivamente na Sophia para ouvir esta es-
pécie de enunciado na boca de uma senhora.
Coimbra inteira exprime-se d'es5e modo. Faliam assim os es-
tudantes, as serventes, os creados das hospedarias e dos cafés, os
negociantes, as estaoqueiras e os professores.
Sente a gente o seu espirito asphyxiado em tão estreita cora-
prehensão de interesses e de curiosidades, em tão perfeita confor- ■
midade de stylo chinfrim e de maneiras esbandalhadas. l
Antigos estudantes reprovados, velhos cabulas incorrigíveis,
de cabellos cheios de caspa, a barba por fazer, o rosto macilento e
sombrio, as unhas e os dentes sujos, os sapatos acalcanhados, pas-
sam chupando o cigarro e arrastando no macadam coberto de pa-
peis rasgados a ponta da capa enodoada e rota. Os professores,
habituados pela antiga organisação da Universidade a exercerem
sobre o alumno um poder quasi illimitado, afeitos á bajulação, á
pusillaniraidade, á subserviência dos escolares, caminham magesta-
ticamente com a determinação imperiosa de quem mandará cortar
.a cabeça dos extrangeiros que se não ajoelhem na passagem d'el-
les e das suas famílias.
Tal é sobre o aspecto de uma população inteira o effeito de
um dogmatismo exagerado e pedantesco, da confusão do ensino e
da educação htteraria baseada na hypocrisia antiga e na indisci-
plina moderna!
Os admiráveis subúrbios de Coimbra, de uma paizagem tão
doce e tão saudosa, os bellos monumentos da cidade, a archite-
ctura árabe da Sé Velha, as ruinas tão pittorescas e de tradições
tão dramáticas dos paços de Subripas, a linda varanda do Paço
Episcopal, a Igreja de Santa Cruz, a bibliotheca da Universidade,
todas essas jóias encantadoras são sufíicientes para fazer esquecer
aos viajantes a impressão triste da convivência conimbricense.
A Figueira participa do caracter que tem Coimbra, um pouco
para peor, porque os estudantes que frequentam a Figueira são
ordinariamente os peores, os mais broncos, os que não saem de
Coimbra, aquelles em quem os effeitos do vicio universitário se
desenham mais profundamente. Estes senhores com o seu aíTectado
desdém, com o seu mau ar de críticos, com o seu espirito de tro-
ça, e os snrs. professores com a sua sobranceria cathedratica, con-
stituem o grande senão da sociedade da Figueira, sobre a qual
destingem a sua côr especial.
AS PRAIAS DE PORTUGAL 107
E, Dão obstante, nenhuma outra praia em Portugal possue as
condições d 'esta para tornar agradável a estação dos banhos.
Batida do grande mar, tendo á direita a bonançosa bahia de
Buarcos e á esquerda os rochedos em que assenta o castclio de
Santa Catharina, que defende a foz do Mondego, a villa da Figuei-
ra oíTerece aos l3anhistas incomparáveis condições.
A povoação é rica pelo commercio do sal e pela exportação
dos vinhos da Bairrada.
Uma companhia edificadora tem construído casas agradáveis,
em um bairro novo junto á foz do Mondego, em sitio elevado e
sadio. N'este bairro ha um hotel, Foz do Mondego, onde se rece-
bem hospedes a 1^000 reis por dia.
A villa tem ainda mais dois boteis, o Figueirense e o da Pra-
ça Novaj um pequeno theatro, uma praça de touros e dois clubs :
'a Assembleia Recreativa, no bairro novo, onde se dança ás terças
e sextas-feiras, e a Assembleia Figueirense, no antigo palácio dos
condes da Figueira, onde se dança á quinta-feira e ao domingo.
Além das soirées nos dois clubs, as senhoras costumam orga-
nisar concertos e bailes. A soirée é uma das grandes preocupações
d'esta praia, e não será por falta de contradanças que os banhis-
tas deixarão de se regosijar n'este sitio.
As burricadas e os pic-nics a Buarcos, ao farol da Guia, ao
palácio de Tavarede, vão-se tornando cada vez mais raros.
Por uma disposição superior, cujo alcance debalde nos exfor-
çamos por attingir, é prohibido o ingresso dos burros no interior
da villa, o que não obsta a que lá entrem muitos — disfarçados.
O passeio predilecto dos banhistas é a Palheiros, pequena po-
voação de pescadores, a meio caminho de Buarcos, onde se colhem
as redes da sardinha.
• A população dos banhistas na Figueira consta de duas cama-
das diíferentes. No fim de setembro retiram-se as famílias de Coim-
bra e algumas de Lisboa, e succedem-se as dos lavradores da Bei-
ra, que vêem para esta praia depois das colheitas repousar dos
trabalhos do campo.
As primeiras d'estas duas camadas não parece serem mui par-
ticularmente sympathicas á população indígena.
A Figueira tem pelos seus hospedes sentimentos similhantes
aos que por muito tempo animaram a população futrica de Coim-
bra com relação aos estudantes: suporta-os, mas não os estima.
O caminho de ferro, a convivência cada vez mais estreita com os
viajantes tem sanado em Coimbra os antigos conílictos tão frequen-
tes entre os burguezes e os académicos.
108 AS PRAIAS DE PORTUGAL
Na Figueira, entre a população fixa, que habita a antiga villa
e frequenta a Assembleia Figueirense, e a povoapão fluctuante, que
habita principalmente o bairro novo e frequenta a Assembleia Re-
creativa, não ha hostilidades, mas existe uma forte emulação pro
vinciana, que se descarrega muitas vezes em pequenos episódios
dignos de Dickens ou de Balzac.
I
A viagem da Figueira é bastante pittoresca, mas não isempta
de incommodidades. Quer o viajante chegue a Coimbra ás 3 Ya
horas da tarde, quer chegue ás 4 horas da manhã, tem de espe-
rar até ás 6 horas da manhã ou até ás 2 Ya da tarde para poder
seguir para a Figueira na diligencia, que gasta seis horas n'este
caminho e pede Ij^OOO reis por cada logar.
Na imperial da dihgencia, como artista, em companhia ale-
gre; ou em carroagera descoberta, que se pôde alugar em Coim-
bra, o caminho não parece longo, porque a estrada é boa e a pai-
zagem lindíssima.
Entra-se na villa por uma estreita garganta que se alonga pa-
ra o viajante como o bico de um funil. Se não é fácil a entrada
pela foz do Mondego a bordo de uma das escunas ou dos hia-
tos que frequentam o porto e aos quaes o rumo da barra é indi-
cado de terra por meio de um signal no alto de um mastro, a
entrada em diligencia pelo funil acima referido não é menos pe-
rigosa. Somente, pela via de terra é permittido ao viajante ura
expediente, que se não usa na superfície hquida, e vem a ser:
desembarcar a distancia respeitosa e entrar cada um na villa pelo
seu pé.
SETÚBAL
Comquanto não seja propriamente uma lerra de banhos, mas
uma cidade muito industriosa e muito commercial, a praia de Se-
túbal é actualmente bastante frequentada pelos banhistas da pro-
víncia do Alemtejo e da Extremadura hispanhola.
A exposipão de Setúbal, na foz do Sado, cercada de magnífi-
cos pomares e dos celebres vinhedos de Moscatel, que se esten-
dem ao longo de graciosas colinas, é extremamente risonha e pit-
toresca. A população, quasi toda empregada no commercio do sal,
na exportação da laranja, no fabrico dos vinhos, é activa e traba-
lhadora.
A cidade tem um bonito passeio publico, um soffrivel hotel
— o do Escoveiro— , um theatro, um club e uma estatua — a do
sympathico poeta Bocage, o representante da escola revolucionaria
na litteratura portugueza do fira do século xviii, um dos poucos
Utteratos do seu tempo em cuja obra se presente a passagem do
grande fôlego de 1789.
A praia é uma das mais vastas e das melhores do paiz.
Os subúrbios são dos mais interessantes que pôde appetecer
o touriste, o archeologo, o naturalista.
As ruínas de Tróia, ultimamente exploradas por uma compa-
nhia franceza, estão dando logar ás escavações mais úteis para a
historia da civilisação romana em Portugal. Tróia fica a um pe-
queno passeio da praia.
A serra da Arrábida, occupando uma superficie de cinco lé-
guas, offerece aos botânicos e aos paizagistas as digressões mais
agradáveis e mais profícuas.
No Espelho de Penitentes e Chronica da província de Santa
Maria da Arrábida, da regular e mais estreita observância da
110 AS PRAIAS DE PORTUGAL
ordem do seráfico 'padre S. Francisco no Instituto Capucho, en-
contrarão os curiosos a mais minuciosa descripção do convento,
cujas ruinas ali se conservam; da lenda da sua edificação; das
hervas medicinaes que cobrem a serra ; da ermida de Nossa Se-
nhora do Gabo de Espichel e dos cirios do Alemtejo e do termo de
Lisboa que festejam aquella milagrosa imagem; da lapa de Santa
Margarida; e finalmente do penedo chamado do Duque, em que
D. Álvaro de Lencastre se sentava para pescar á cana, á beira do
mar, e a ninguém mais era permittido sentar-se no dito penedo.
Tudo isto repintado no estylo pretencioso, rhetorico, de frei Antó-
nio da Piedade, leitor de theologia e quahficador do Santo OíRcio,
o qual ofFereceu d sempre augusta magestade d'el-rei D. João V
nosso senhor o peso da sua chronica e a incontinência sacharina
do seu stylo archaico.
Setúbal fica a sete léguas de Lisboa. A viagem faz-se com
grande commodidade entre as duas cidades atravessando o Tejo e
tomando o caminho de ferro de sueste. Póde-se fazer a ida e vol-
ta no mesmo dia.
AS PRAIAS OBSCURAS
Além das praias a que nos temos referido, Portugal, que é
todo elle uma praia, — a occidental praia lusitana — tem natural-
mente muitos outros pontos adequados á installapão de uma famí-
lia em uso de banhos.
Entre as pequenas praias são particularmente dignas de men-
ção as seguintes:
A7icora, pequena povoação situada entre Vianna e Caminha.
É um dos mais hndos sitios do Minho. Fica á beira da mais bella
estrada de Portugal, a hora e meia ^la cidade de Vianna e do Rio
Lima, e a egual distancia do rio Minho e da fronteira da Galliza,
nma das mais interessantes provindas hispanholas. Nas proximi-
dades de Ancora acha-se a pittorcsca povoação de Aflfe, de onde
são oriundos os melhores estucadores portuguezes. Afife, sobre-
sae de todo o Minho pelo gosto artístico dos seus habitantes pela
graça e pelo asseio das suas edificações. Parece provado que Afife
foi fundado por duas ou três famiUas italianas que ali se estabele-
ceram em época que não podemos precisar.
A Apúlia, junto de Fão e de Espozende, habitada principal-
mente por algumas ricas famílias de Braga e de Barcellos.
112 AS PRAIAS DE PORTUGAL
Lavadores, perto do Porto, defronte de S. João da Foz. A po-
voação consta de um pequeno grupo de casas.
O Furadouro e a Costa Nova frequentadas por algumas fa-
mílias de Aveiro e seus subúrbios.
I
S. Martinho do^ Porto, na Extremadura, entre as Caldas da
Rainha e Alcobaça. É uma povoação de pescadores. Aluga por mó-
dicos preços vinte ou trinta casas mobiladas. Está ligada á Mari-
nha Grande por um caminho de ferro americano, e communica com
as Caldas da Rainha, com Alcobaça e com a Batalha por uma boa
estrada. A temporada em S. Martinho do Porto presta-se ás mais
interessantes excursões artísticas que se podem fazer commoda-
mente em Portugal. S. Martinho do Porto é principalmente habita-
do nos mezes de verão por famihas hispanholas. As pessoas de
Leiria, de Alcobaça, da Marinha Grande preferem a Nazareth. A
viagem de Lisboa a S. Martinho faz-se por Chão de Maçãs e Leiria
ou pelo Carregado e Caldas, e custa pouco mais ou menos de uma
libra por passageiro tomando logar de primeira classe no cami-
nho de ferro e proseguindo na diligencia do Carregado ou de Lei-
ria. Em setembro do anno passado encontramos em Merida uma
estimável família híspanhola que chegava de S. Martinho do Porto.
Traziam enormes cabazes cheios de excellente fructa de Alcobaça.
Tínham-se provido para o seu inverno de uma barrica de magní-
ficos badejos, pescados em S. Martinho e conservados em salmou-
ra. Disseram-nos maravilhas da commoda e tranquilla vida passa-
da durante dois mezes no agradável retiro que tinham tido a lem-
brança de escolher.
A Assenta, a duas léguas de Torres Vedras, perto da foz do
Sizandro. Meia dúzia de casas, e cerca de quatro famílias. Preços
das casas: de 100 a 300 reis por dia.
Santa Cruz, meia legoa ao norte do Sizandro, a duas léguas
de Torres. Bello ponto de vista das ruínas do convento de Pena-
AS PRAIAS DE PORTUGAL 1 1 3
firme. Pouco mais casas que a Assenta. Quatro ou cinco pessoas
mais na população dos banhistas.
S. Pedro de Moei, na orla do Pinhal de Leiria. Pequena po-
voação exclusivamente de banhistas, abandonada no inverno, ha-
bitada durante a estação de banhos por pessoas da Marinha Gran-
de ou de Leiria. Yisinhança magnifica : o pinhal, que é a primeira
floresta portugueza.
Junto de Lisboa, na margem esquerda do Tejo, encontram-se
ainda alguns legares de banhos onde a vida é mais barata que na
margem de cá. Taes são:
Porto Brandão, em frente de Belém. Magnifica vista para a
margem opposía do Tejo. Arvores — coisa rara — nas visinhanças.
Soflriveis casas a preços módicos. Um bello passeio de cerca de
três léguas pela charneca até á Lagoa de El-Rei, o retiro predile-
cto de D. Pedro v. O pequeno e modesto prédio da casa real, de
um só pavimento ao rez do chão, fica á beira do lago, na solidão
da charneca. A paizagem é de uma grande melancholia sympathica,
de um encanto profundamente penetrante. A agua tranquilia da
grande lagoa, o áspero aspecto da charneca, a grande solidão, a
planice, o profundo silencio, infundem uma pacificação e um sen-
timento de serenidade ineííavel. A lagua é muito povoada, mas a
pesca é prohibida sem licença expressa do individuo que a arre-
mata em cada anno. Não obstante, o auctor d'estas linhas na ulti-
ma vez que ali foi apoderou-se de um polvo, fisgando-o contra
uma rocha com uma navalha americana que o seu amigo Eça de
Queiroz lhe mandou de presente das margens do Niagara. Funda-
mos o nosso direito a este polvo na circumstancia de que a rocha
não é agua mas sim terra firme. Em todo o caso aproveitamos esta
occasião para desencarregarmos a consciência pedindo humilde-
mente perdão a sua excellencia o arrematante da lagua e a sua
magestade o proprietário d'ella. Estamos prontos a dar outro pol-
vo, se a coroa assim o exigir. Os contornos do lago são habitados
por óptimos coelhos, magros, mas de um especial sabor salgado
e bravio. O snr. D. Pedro v matava-os na carreira, á bala, com
notável pericia. A caça não tem arrematante e é permittida ao pu-
blico. Além dos coelhos, que são abundantes, ha massaricos, pa-
tos e outras aves marinhas.
8
114 AS PRAIAS DE PORTUGAL
O Alfeite, perto da quinta real do mesmo nome, junto de Ca-
cilhas e da Cova da Piedade. É o mais pittoresco sílio da margem
do sul do Tejo.
A Fonte da Pipa. Logar árido, abafado, triste. Poucas casas
sem mobilia. Pequenos preços.
BÂimOS DA BARCA
o TRATAMENTO MARÍTIMO
Segundo os auctores do excellente diccionario francez de Hy-
drologia medica, o tratamento marítimo que os doentes vão pro-
curar nas praias, consta de três elementos distinctos : a atmosphe-
ra marítima, a agua do mar para uso interno, e o banho de
mar.
A atmosphera marítima, ou ar do mar, actua sobre o orga-
nismo pela sua densidade, pela sua constituição chimiea e pelas
condições physicas a que pôde achar-se sujeito.
Os professores Durand-Fardel e Le Bret, auctores do livro a
que acima nos referimos, dizem :
Pelo simples facto da residência á beira-mar, como n'uma lo-
calidade muito elevada, o appetite augmenta, a digestão opera-se
mais regularmente e mais rapidamente, a respiração exerce-se com
mais actividade, o systema nervoso sobrexcita-se : taes são, pelo
menos, os phenomenos mais manifestos e mais geraes que se ob-
servam, e fazem com que o ar do mar seja tão salutar ás pessoas
fracas, molles, apathicas, de constituição lymphatica, como difficil-
mente suportado quando a circulação sanguínea se exerce com uma
grande actividade, finalmente quando a constituição do individuo
apresenta uma disposição nervopatliica ou inílammatoria domi-
nante.
É na infância que o ar do mar se torna mais particularmente
salutar, quando a evolução do organismo se acha demorada, quer
pela insufficiencia das forças, quer por uma convalescença difficil,
quer pela existência de algumas das diatheses familiares a esta
edade. As creanças possuem uma tolerância particular para o ar do
il6 AS PKAIAS DE PORTUGAL
mar. Todavia, segundo o dr. Gaudet, algumas ha que nos primei-
ros dias sobretudo, apresentam muitas vezes plienomenos de ex-
citação que indicam a influencia por que passou o organismo. As
manifestações lymphaticas e escrofulosas apparecem em alguns in-
dividues, e não é raro ver alguns accidentes febris, quer passa-
geiros, quer tomando o typo intermittente, ou ainda erupções anó-
malas. Doenças agudas — eminentes já sem duvida — manifestam-
se algumas vezes de repente sob esta influencia.
Para os tisicos do pulmão ou da larynge o ar do mar, segun-
do a opinião dos médicos mais distinctos, é sempre nocivo.
A agua do mar, como bebida, tem sido, infelizmente, pouco
explorada até hoje pelos clínicos portuguezes. O mar é no en-
tanto considerado como constituindo o primeiro typo das aguas mi-
neraes. Nenhuma outra possue a mineralisação mais forte nem é
mais rica em chlorureto de soda.
Eis a com.posição chimica da agua do Atlântico, segundo a ana-
lyse feita na bacia de Arcaclion pelos chimicos francezes :
AGUA 1 LITRO
Chlorureto de soda 27,965 gram.
» de magnesia 3,785 »
» de calcium 0,325 »
Odureto e bromureto indeterminados.
Sulfato de magnesia 5,575 gram.
» de cal 0,225 »
)) de soda 0,485 »
Carbonato de cal 1 n otc
)) de magnesia/ '
Matéria orgânica animalisada 0,052 »
38,727 »
As aguas do mar porém não teem sempre composição idên-
tica e as variantes são tanto mais sensíveis quanto mais perto da
costa, em resultado das aguas doces dos rios, da evaporação in-
cessante, das correntes que se estabelecem no fundo do mar e
dos animaes e dos vegetaes que o habitam.
A agua do mar para uso interno pôde applicar-se como me-
dicamento alterante e como medicamento purgativo. A doze laxan-
AS PRAIAS DE PORTUGAL 117
te é de dois a quatro copos. A doze alterante é muito mais fraca
e proporcionada á tolerância do estômago.
Todos os grandes médicos allemães insistem nas propriedades
medicinaes da agua do mar em bebida para os individuos lymplia-
ticos e escrofulosos. Os médicos inglezes applicam-a principalmen-
te como laxante. Vários médicos francezes, entre os quaes os snrs.
Gardet e Rocca reconhecem e recommendam as propriedades al-
terantes e laxativas da agua do mar. É utilíssima ás creanças ata-
cadas de vermes. Os auctores, da Ilj/drulogia ineiUca, d'oQde cx-
trahimos alguns d'estes dados, expõem a vantagem de introduzir o
acido carbónico na agua do mar com o fim de facilitar o seu uso
interno.
A agua do mar pôde ser ainda empregada com grande utili-
dade therapeutica nos usos da toilette feminina nas enfermidades
uterinas e em outras applicações.
O banho pôde ser considerado sob dois pontos de visla diffe-
rentes como agente hydrotcrapico e como banho medicamentoso.
A acção hydroterapica domina quando a duração do banho é mais
curta e a temperatura mais fria. Produz-se a acção medicamentosa
quando a temperatura é mais elevada e a durarão do banho mais
longa (três quartos d'hora). Assim o banho de mar apresenta o duplo
caracter hygienico e therapeutico.
Pelo lado hygienico, como agente hydroterapico, o banho de
mar opera como qualquer banho frio, e é indiíferente para o que
se tem em vista conseguir banharrao-nos no mar, no rio, ou n'uma
simples banheira com agua doce no nosso quarto.
Nas doenças em que é contra-indicado o banho frio, nas pes-
soas atacadas de aíTecções orgânicas do coração, dispostas a con-
gestões, a rheumatismos e a gotta, o banho do mar com as con-
dições physicas e chimicas que lhe são próprias é ainda mais noci-
vo do que o puro bapho frio.
A constituição lymphatica, a infância, o sexo feminino, todos
os estados pathologicos que se ligam ao enfraquecimento geral do
organismo, á insuíTiciencia do sangue, á depressão do systema ner-
voso, constituem o dominio especial do banho do mar.
Os escrofulosos e os nevrálgicos, ordinariamente mandados
para os banhos de mar como para um curativo supremo, encontram
n'elle um coadjuvante precioso, mas não um remédio decisivo.
118 AS PRAIAS DE PORTUGAL
N'estes casos um tratamento thermal bem dirigido é muito mais
profícuo, principalmente se os eífeitos dos banlios sulpliureos fo-
rem fixados em seguida cora os banhos de mar.
Além d'estas principaes applicapões do tratamento marítimo,
— o ar, a bebida, o banho — figuram ainda na therapeutica o ba-
nho de areia, utilissimo às creanpas, o banho d' ar, a alimentação
com mariscos, etc.
Qualquer que seja a natureza do tratamento adoptado, é pre-
ciso não esquecer que elle será sempre poderosamente auxiliado
com o regimen hygienico seguido na escolha dos alimentos, no
exercício, no theor de vida, na regularidade dos hábitos, etc.
A excitação do appetite produzida pelos primeiros banhes è»
pelo ar puro, fresco e penetrante do mar, junta a uma certa sonl-
nolencia e fadiga, que acompanha o principio do tratamento, pro-
duzem quasi invariavelmente algum incommodo intestinal, que pôde
comprometter ou retardar a cura se não intervier a dieta. Da aU-
mentação do banhista devem excluir-se os pratos irritantes, as sub-
stancias diíficeis de dirigir, o abuso da mostarda, da pimenta, do
café, das bebidas alcoohcas.
Os almoços, tão usados em Portugal, de café com leite e pão
com manteiga, são uma das massas mais indigestas e mais aff'ron-
tantes que se podem ingerir nos estômagos. Nada torna o estô-
mago mais abarrotado, o cérebro mais espesso, a intelligencia mais
bronca, a actividade mais dormente. O bife de vitella ou a cos-
telleta de carneiro grelhada, os ovos quentes e uma pequena chá-
vena de chá preto, ou simplesmente o bom leite fresco constituem
uma alimentação incomparavelmente superior à do café com leite
e do pão com manteiga, quatro coisas que reunidas constituem uma
broa, que pesa muito mais do que alimenta.
Ao jantar convém um regimen pouco animahsado. De carne
de boi nunca deve haver mais de um prato. São preferíveis as car-
nes brancas, a vitella, a gallinha, o perii, a sopa d'hervas, o peixe
fresco com manteiga fresca ou. com o simples molho de manteiga
derretida em vinho da Madeira, bons legumes, um vinho leve, agua
nevada, ura sorvete, e uma laranja, uma bua pêra, ou ura cacho
d'uvas.
É rauito salutar o levantar cedo, passear á frescura da ma-
nhã, beber em jejum meio copo d'agua fria.
AS PRAIAS DE PORTUGAL 119
Se apparece alguma perturbação nas funcções do organismo,
deve suspender-se o uso do banho até que o estado normal se res-
tabeleça.
Se fur preciso estimular o intestino, a melhor medicina será
a agua do mar destemperada com egual quantidade de agua doce.
Cumpre advertir que para todos os usos internos a agua do
mar não deve ser colhida senão á maior distancia da costa, quan-
to seja possível ao mar largo.
O programma domestico da vida á beira mar é também um
ponto essencial. O bom Michelet consagrou a este assumpto as se-
guintes linhas :
«Temos uma senhora nova, doente, ou quasi doente. Atraves-
sou difficultosamente o inverno, a primavera. >'o entanto nenhu-
ma lezão grave. Fraqueza, anemia : a diíTiculdade de viver. iMan-
dam-a para o mar passar o verão. Enorme despeza para um or-
çamento medíocre. Penoso desarranjo para uma dona de casa. Du-
ra separação para cônjuges amigos. Parlamenta-se. Procura-se sua-
visar a sentença. Não bastaria um mez ? Mas um medico sábio in-
siste, porque entende que uma temporada extremamente breve é
muitas vezes mais nociva que proveitosa. A súbita impressão vio-
lenta dos banhos sem preparação abala as saúdes mais robustas.
Toda a pessoa sensata deve aclimatar-se primeiro, respirar ; o mez
de junho é para isso excellente; julho e agosto para os banhos;
setembro e algumas vezes outubro descançam dos grandes calo-
res, suavisam a excitação que produziu a aspereza salina, conso-
lidam os resultados e preparam pelos seus ventos frescos para os
frios do inverno. Poucos homens estão livres todo o verão. O ma-
rido poderá quando muito ir reunir-se com sua mulher durante
um mez ou dois, em agosto, em setembro. Por mais disposto que
esteja a sacrificar-lhe lodosos interesses secundários, — embeneíicio
d'ella mesma, o marido deve ficar. Na vida do homem de trabalho
ha cadeias que se não partem sem detrimento da família. Portanto
que ella parta só. Não sabe o que isso é, nunca se viu sósinha.
Iria mais confiada se acompanhasse alguma d'essas faraihas ricas
que vão completas e reunidas, marido, mulher, filhos, creados.
Se ousasse dar a minha opinião, eu diria: «Não! que parta só.»
A companhia, no principio alegre e agradável, tem muitas vezes
consequências muito differentes. Incommodam-se uns aos outros,
malquistam-se, voltam inimigos, ou — o que ainda é peor — voltam
120 AS PRAIAS DE PORTUGAL
amigos de mais. A desoccupação do tempo dos banhos tem immen-
sas vezes resultados imprevistos que se deploram por toda a vida.
O menor dos inconvenientes, não pequeno para mim, é pessoas
que, separadas, teriam tido mais perfeitamente o sentimento do
mar e conservariam d'elle uma boa e grande impressão, irem, por
ter de viver juntas, continuar a vida de cidade (frivolidade, vul-
garidade, fingida alegria, etc.) Quem está só occupa-se e pensa.
O ajuntamento murmura e maldiz. As amigas ricas e mundanas
arrastal-a-hão aos seus divertimentos. Terá toda a agitação de uma
existência mais turva e mais anti-medical que a que passava em
Pariz. Errará completamente o alvo. Reflicta n'isto, minha senhora.
Seja corajosa e prudente. É n'uma solidão séria, na pequena vida
innocente com o seu filho, vida infantil, se assim for preciso, mas
pura, nobre e poética, é em tal vida, digo eu, que se dará a re-
novação que deseja. Creia, minha senhora, que lhe será tomada
em conta a justiça delicada e terna que a faz recear o prazer
quando outro, ausente, que ficou em casa, trabalha ao seu canto
para a família. O mar amal-a-ha mais, se fòr o seu único amigo, e
n'esse repouso lhe prodigalisarà o seu thesouro de vida e de mo-
cidade. O filho crescerá como umabella arvore. A mãe reflorirá na
graça e voltará mais nova e mais adorada.»
Para prehencher com dignidade e com sensatez a nobre soli-
dão aconselhada por .Michelet, quantas occupações úteis, elevadas,
profundamente moralisadoras ! Em primeiro logar a leitura, não a
leitura de pobres romances enervantes, que dão ao espirito a triste
nostalgia da commoção sentimental e do drama burguez, mas a lei-
tura dos bons e fortes hvros que educam, que retemperam o co-
ração e o caracter, que fortificam o espirito. Os do próprio Miche-
let, primeiro que todos : as suas vulgarisações dos estudos da na-
tureza e os seus incomparáveis trabalhos de historia, de uma tão
perfeita execução artística que basta um só volume da Historia de
França para suscitar no leitor todas as commoções mais nobres
de que é capaz a alma humana. Depois, as narrações das traba-
lhosas viagens aos paizes longínquos: os livros do barão Hubner e
do conde Beauvoir. Os estudos d'arte de Taine e de Lady Morgan.
Além das leituras, o doce trabalho da educação dos filhos minis-
trada nos seus jogos, nos seus passatempos, segundo o systema
de Froebel. Finalmente a applicação ao desenho, a aquarella, o es-
tudo das conchas, das algas, dos peixes, a confecção de um diário
em que se escreva uma pagina por noite, não com a narração es-
téril dos actos de cada hora, mas com a nota predominante e sin-
cera do pensamento em cada dia.
AS PRAIAS DE PORTUGAL 121
A primeira obrigação de uma pessoa bem educada, antes ainda
de saber distrahir os outros, é saber distrabir-se a si mesma. O
espirito do uma mulher digna e sensata deve achar-se na sua casa
como o bom amigo Robinson na sua ilha deserta : pronto para lu-
ctar com o immenso inimigo — o tédio; e preparado para prover
cora a sua invenção e com a sua industria a satisfação de todas
as suas necessidades. Que grande prazer triamphal o de nos poder-
mos comparar ao valoroso Robinson !
Nas grandes cidades, as relações sociaes, as visitas, os cum-
primentos, os convites, os espectáculos, os bailes collocam frequen-
temente o nosso espirito como fora de nós. Á força de nos repar-
tirmos pelos outros, dispersamo-nos na multidão, perdemos a pos-
se de nós mesmos. Sentimo-nos na dissipação dos sentimentos e
das ideias. Faltanos o centro moral. Queremos reconstituir na di-
gnidade a nossa boa e feliz vida domestica, e aborrecemo-nos na
casa de que nos divorciamos. Invade-nos então o cançasso, o abor-
recimento, o splecn. Não se sabe o que se ha de fazer ! Quem não
sabe o que ha de fazer adoece, e, se com a doença não aprende
mais alguma coisa, morre, porque na sabia natureza o destino de
toda a coisa inútil é desapparecer. É n'esta crise moral, de que
procede um determinado estado pathologico, que os médicos re-
ceitam o mar, como um tónico, como um revulsivo, como um se-
dante, como um reconstituinte. Falta-lhes dizer: como um metho-
do, como uma disciplina, como uma renovação moral.
Desgraçados de nós se na praia, na pequena casa isolada e
tranquilla, frente a frente com o austero oceano, não comprehen-
demos de um modo novo, por algum tempo ao menos, o dever,
a felicidade, a familia, a responsabiUdade dos nossos actos, o nos-
so grave destino de creaturas humanas!
Desgraçados, se á beira do mar, onde vamos reconstituir tanto
o organismo como o systema moral, nós prolongamos os hábitos
frívolos da vida sem rumo, de ostentação, de leviandade e desor-
dem, que passamos n'um inverno patusco, ôco e despresivel, sem
a moralisação do trabalho, de que depende a posse e a conside-
ração de nós mesmos, o nosso contentamento intimo, a forte e fe-
cunda alegria moral, a saúde no corpo e a fortaleza na alma, os
dois phenomenos correlativos e solidários no equihbrio da vida !
Tu, pobre mulher do povo, perdòa-me se nas prescripções
que tenho exposto acerca do tratamento pelo mar— precauções de
122 AS PRAIAS DE PORTUGAL
conforto, alimentação, viagens, mudança de meio, reorganisação
da vida domestica, etc. — eu me esqueci de ti !
A verdade é que as tuas enfermidades dispensam melhor os
conselhos que as das senhoras da sociedade, mais débeis, mais
fracas, mais doentes, e no fim de contas, sob o ponto de vista phy-
siologico, mais desgraçadas do que tu.
Na convenção franceza, quando se discutiu a creação dos mé-
dicos especiaes do campo, menos habilitados que os das cidades,
— o serviço dos officiaes de saúde — , objectou-se que similhante
instituição, distinguindo as habihtações dos que tinham de curar
os pobres e de curar os ricos, era anti-democratica e deshumana.
Então porém uma voz illustre expoz este profundo principií) : Que
onde a vida é mais simples as doenças são menos complicadas.
É certo que cada um se trata segundo os seus meios, e não
segundo os seus inales.
Á joven tisica, filha do abastado capitalista que habita um pa-
lácio, o medico aconselha a Madeira, o Cairo, o valle de Lima no
Peru, a dieta de gallinholas e de vinho velho da Bourgogne, os
passeios sem fadiga, no agasalho das pelles de marta ou de raposa
azul, no fundo de um coupé de Binder, suavemente balançado era
flecha e oito molas.
Aqui assim á visinha do meu terceiro andar, filha de um em-
pregado com oito centos mil reis de ordenado, o mesmo medico
prescreve unicamente um pouco de óleo de figados de bacalhau,
o bife na grelha, o vinho de Coitares, a mudança d'ares para
Bemfica e um ou outro passeio ao sol com um chaile nos joelhos
em cima de um jumento manso.
Subindo mais alguns degraus, chamado para ver a engomma-
deira de camisas ou a brochadora de livros que habita nos sótãos,
sempre o mesmo medico aconselha simplesmente uma camisola de
flanella, um copo^de leite e mais duas horas de descanço por dia.
O resultado de todas estas differenças na cura é que todas as
três doentes, a do primeiro andar, a do terceiro, a do- sótão, mor-
rem aproximadamente no mesmo praso de tempo.
Assim nos banhos de mar, emquanto as pessoas ricas plani-
sam uma temporada de três mezes, tu, se habitas o campo, che-
gas á Foz ou á Povoa de Varzim na véspera de S. Barlholoraeu,
e tomas os teus trinta banhos em três dias.
Bem sei que não podes demorar-te mais tempo. Tens muito
que fazer e tens muito pouco que gastar. A única coisa que eu te
aconselharia, se estas linhas te podessem alcançar, a ti ou ao ci-
rurgião da tua freguezia, seria que nem esse pouco tempo nem
AS PIUIAS DE PORTUGAL 123
esse pouco dinheiro sacrificasses, e que, em vez de ir banhar-te
no mar, que fica longe, íe banhasses simplesmente no rio que te
passa á porta de casa.
Tão salutares, Ião hygienicos, tão pouco usados mfelizmcnte
em Portugal, os banhos de rio podem em grande numero de ca-
sos substituir vantajosamente os dispendiosos banhos do mar.
Se a nossa humilde voz podesse chegar aos ouvidos das ca-
marás municipaes dos nossos conselhos ruraes, pedir-lhes-hiamos
que consultassem sobre esta questão hydrotherapica o seu cirur-
gião de partido ou o seu delegado de saúde, e que em beneficio
dos seus munícipes mandassem construir no seu rio uma pequena
barraca de madeira onde podessem gratuitamente banhar-se aquel-
les a quem o facultativo o ordenasse.
Aos que nem rio teem resta-lhes ainda um expediente exces-
sivamente bínefico : coUocarem-se n'uma pequena banheira, n'uma
dorna, n'um simples alguidar, e fazerem-se despejar pela cabeça
ou sobre o dorso alguns litros de agua fria. Em ultimo recurso
podem ainda percorrer toda a superfície da pelle, a principiar pela
cabeça com uma esponja embebida em agua fria, ou envolverem-
se por um momento em um lençol molhado em agua doce ou em
agua salgada com uma mão cheia do sal da cosinha.
PRECAUÇÕES HYGIENICAS
Com relação ao banho propriamente dito, as principaes pre-
cauções aconseltiadas pela hygiene referem-se ao que importa fa-
zer— antes do banho, no banho e dejjois do banho.
Ao ir para o banho deve-se ter em vista que tenham cessado
completamente os trabalhos da digestão.
A escolha da hora do banho depende da constituição do ba-
nhista e do fim physiologico ou therapeutico que se deseja conse-
guir.
Se o banhista é robusto e procura apenas no banho a toni-
ficação da agua Ma e a espécie de massagem produzida pelo em-
bate da vaga, a sua hora mais opportuna é de manhã. Para as pes-
soas débeis que procuram no banho os eíTeitos da composição chi-
mica da agua salgada sobre os tecidos, a hora mais conveniente é
das duas horas às cinco da tarde, quando por effeito do calor a
temperatura do mar sobe cinco ou seis graus.
O uso geralmente seguido de ir directamente da cama para
o mar esperando na praia que o corpo arrefeça, é essencialmente
anti-hygienico.
Como já dissemos, baseados na auctoridade dos mais abalisa-
dos especialistas, a pelle deve estar quente ao entrar na agua, e
a mesma transpiração não só não é nociva mas é salutar.
Um certo exercício moderado, um pequeno passeio a pé, ao
sol, é muito útil. O que mais convém evitar não é o contacto da
agua com o corpo quente, é o contacto do ar. As constipações con-
traem-se na barraca ao despir, ou á beira da agua ao esperar.
126 AS PRAIAS DE PORTUGAL
Convirá esperar, quando o corpo está suado, que o suor se
dissipe para entrar na agua?
Os auctores da Encyclopedia das Sciencias medicas respon-
dem a esta pergunta citando o exemplo dos gregos e dos romanos
que costumavam banhar-se ainda cobertos de suor e de poeira,
ao sahirem dos gyranasios em que se formava a robusta mocidade
dos dominadores do mundo, acrescentam :
« O uso tão frequente dos banlios russos e dos banhos orien-
taes, as praticas da liydroterapia empirica e da hydrotherapia ra-
cional demonstram até á evidencia que a immersão em agua fria
do corpo suado não tem os perigos nem os inconvenientes que a
rotina tenaz lhe attribue. Reduzindo a alguns minutos a duração
da immersão não ha inconvenientes que recear. Não succede o
mesmo quando, em vez de proceder em conformidade com a ver-
dadeira hygiene, se segue o uso deplorável de esperar à beira do
mar que o suor se evapore.»
É importante que o banhista ao chegar á barraca, se dispa
com a máxima rapidez, enfie um calção de malha de lã, se envol-
va n'uma capa ou n'um plaid e corra immediatamente para a agua,
desembuçando-se no momento da immersão.
As senhoras devem usar a touca de gutta-percha para não
molharem o cabello, e quando não tenham a touca não lhes con-
vém mergulhar a cabeça. Basta-lhes refrescar repetidamente a fron-
te e o alto do craneo com a mão molhada durante o tempo que
estiverem na agua. Os longos cabellos molhados com agua salgada
produzem mais males do que aquelles que o banho é destinado a
combater. iMolhados os cabellos no mar por qualquer incidente,
convirá às senhoras laval-os em seguida em agua doce com um
bom sabonete até restabelecer o aceio indispensável á hygiene da
pelle.
No banho a immersão deve ser súbita e não entrando na
agua progressivamente, o que faz refluir o sangue das extremida-
des inferiores para o peito e para a cabeça.
É prejudiciahssima durante o banho a immobilidade do corpo.
Todos os membros devem estar em movimento durante a immer-
são. A natação é n'este caso um exercido da maior vantagem.
Esta espécie de gymnastica é particularmente útil às creanças af-
fectadas de rachitismo, de enfraquecimento de espinha. Nenhum
outro exercício contribuo mais eíficazmente do que a natação feita
AS PRAIAS DE PORTUGAL I27
de bruços para robustecer os músculos do pescoço e a columna
vertebral.
A duração do banho depende da temperatura da agua, da
força da onda, e da constituição do banhista.
Com o mar chão e a agua aquecida pelo sol da tarde o ba-
nho pode prolongar-se muito mais do que na maré enchente e du-
rante o frio da manhã. Dez minutos bastam ás pessoas fracas cuja
reacção se estabelece lentamente. As pessoas fortemente constituí-
das e as creanças que sabem nadar podem demorar-se na agua
vinte ou trinta minutos.
Ao penetrar na agua sente-se um estremecimento, um calafrio
geral. Depois d'isso a circulação restabelece-se rapidamente e pro-
duz-se uma sensação agradável. Se o banho se prolonga demasia-
damente o primeiro calafrio repete-se. É o signal intimativo para
sahir immediatamente. A approximação d'este calafrio presente-se
perfeitamente n'um principio de perturbação no estado geral. Con-
vém não esperar que o estremecimento se de.
Aos que se demoram demasiadamente na agua, a despeito do
aviso acima indicado, o rosto cobre-se d'uma pallidez livida, o
corpo arrefece, as veias desvanecem-se, os pés e as mãos tornam-
se dormentes ; sente-se peso de cabeça e mal estar. Algumas ve-
zes apparecem na pelle manchas roxas symptomaticas da insuífi-
ciencia da circulação capillar. Do refluxo do sangue ao peito e ao
cérebro pôde n'este caso resultar a congestão. Os soccorros para
esse estado são as fricções immediatas e o banho aos pés em agua
quente.
Depois do banho deve ser o corpo rapidamente friccionado
com um lençol áspero até dar á pelle uma cur rosada.
Comer immediatamente depois do banho, no periodo da reac-
ção, é inconveniente. O mais salutar depois do banho é um exer-
cio moderado, um passeio a pé, de meia hora, na praia debaixo de
um chapéu de sol, com o cabello solto como usam as senhoras nas
praias da Allemanha.
SOCCORROS AOS AFOGADOS
Era todas as praias de l)anhos os soccorros a ministrar aos
afogados deveriam ser conhecidos de toda a gente: banhistas, ba-
nheiros, curiosos, touristes, etc. A eíTicacia dos meios empregados
para chamar á vida os asphpiados por submersão depende muitas
vezes da rapidez da apphcação. É um dever de humanidade achar-
se cada um habilitado para poder n'esses casos acudir de pronto
ao seu similhante.
A morte por submersão ataca um ou outro dos seguintes ór-
gãos: o cérebro, o coração, ou o jnilmão.
Quando a asphyxia actua no cérebro, os sjTuptomas que o afo-
gado apresenta são os seguintes: a face injectada; hvidos os con-
tornos dos olhos e da boca; os beiços inchados; as pupillas dila-
tadas ; a pelle da testa e os lábios roxos. Não apparece espuma na
boca.
N'este caso dá-se a apoplexia cerebral. É a consequência mais
grave da asphyxia. Dois ou três minutos bastam para converter a
morte apparente em morte real. O único remédio immediato é ope-
rar a sangria em ambos os braços ou nas veias jugulares.
Quando o coração é o órgão lesado, como ordinariamente suc-
cede, principalmente ás pessoas nervosas no momento da submer-
são, os signaes característicos d'esta espécie de lesão são os se-
guintes : a face pallida ; o nariz aífdado ; os olhos desmaiados ; as
9
130 AS PRAIAS DE PORTUGAL
pálpebras cerradas ; os lábios descorados. As feições estão perfei-
tamente tranquillas, o individuo parece dormir. Os primeiros soc-
corros n'este caso, o menos grave que pôde apresentar a asphyxia,
consistem no seguinte:
Deitar o afogado sobre a areia, ao sol, ou n'um quarto bem
quente, collocando-o estendido e com a cabeça mais alta que a li-
nha do corpo; abrir-lhe a boca e ingerir-lhe algumas colheres de
vinho do Porto ou d'outro qualquer licor espirituoso; friccionar-lhe
o peito e o epigastro e fazer-lhe respirar ammoniaco ; escaldar ou
queimar a pelle sobre a região do coração por meio de um ferro
de engommar, de compressas de ammoniaco concentrado, ou em
uma boneca de estopa ou de algodão em chamma. Quando a colo-
riflcação se não estabelece por estes meios submelte-se o afogado
a um banho quente, cuja temperatura se pôde elevar até 38 graus
centígrados.
ti
Quando é nos órgãos respiratórios que a lezão apparece, eis
os indicies d'ella:
Faces injectadas; entumescencia dos lábios; ecchymoses no
peito, no pescoço e nos braços ; olhos fechados ; a pupilla envidra-
çada; mucosidades espumosas na boca e na larynge.
Applicações: Além da sangria abundante, que é o mais es-
sencial dos soccorros, fricções em todo o corpo; insuíílação d'ar
pela boca; provocação do espirro ou do vomito por meio da rama
de uma penna; um clister irritante; um frasco de ammoniaco ao
nariz.
Seria extremamente útil que estas, ou outras indicações da
sciencia tendentes ao mesmo fim, succinta e claramente formula-
das de modo que podessem ser facilmente comprehendidas e de-
coradas por toda a gente, fossem expostas ao publico em cartaz,
ensinadas nas escolas e lidas pelos padres á hora da missa, em
todas as povoações de pesca e de banhos. Innumeros casos de
asphyxia por submersão produzem a morte unicamente pela igno-
rância dos meios com que se combatem as primeiras perturbações
manifestadas no organismo dos que permaneceram por algum tem-
po debaixo d'agua.
RECONSTITUIÇÃO
DOS TEMPERAMENTOS E DOS CARACTERES
PELO BANHO FRIO
(CONSELHOS ÁS MÃES)
Não terminarei este livro, simples applicapao aos elegantes de-
senhos do snr. Emilio Pimentel, de algumas das minhas mais ale-
gres recordações de viagem no litoral portuguez, sem cumprir um
dever de consciência para todo o escriptor honrado — pôr na sua
obra uma pagina útil.
A successiva degradação da nossa espécie é um facto notado
em Portugal por todos os physiologistas, por todos os pedagogos,
por todos os mestres de creanças.
As gerações que frequentam as escolas deperecem de anno
para anno. Os alumnos são cada vez mais débeis, mais fracos, com
menos força de musculo e de cérebro.
As condições profundamente insalubres da vida moderna tor-
nam cada vez mais necessária a forte resistência pela hygiene.
A anemia e o lymphatismo converteram-se n'um mal quasi
geral nas creanças portuguezas, e especialmente nas creanças de
Lisboa, onde a agglomeração dos habitantes, a construcção infecta
da maior parte dos prédios, a alimentação insuíTiciente ou mal es-
colhida, a ignorância quasi absoluta das mais rudimentares noções
de hygiene, determinam uma prodigiosa quantidade de doenças,
que mudam de nomes mas não mudam de intensidade em cada
estação do anno.
Carecemos quasi completamente de hygiene publica: os canos
não téem agua, os theatros não téem ventilação, as casas não téem
water-closet; não ha lavadouros, não ha banhos públicos de rio,
gratuitos ou quasi gratuitos.
Mas falta-nos ainda mais a hygiene particular do que a hy-
giene publica. E é da hygiene particular que é preciso partir a
iniciativa da grande renovação.
132 AS PRAIAS DE PORTUGAL
As mães de família podem n'este caso prestar á humanidade,
á civilisação, ao futuro, o mais relevante serviço. Este serviço con-
siste em robustecerem os seus filhos.
O banho de mar é de certo para esse flm um poderoso agente.
Michelet esperava do mar a revivescência, a regeneração humana.
Em Portugal todos os médicos aconselham sabiamente o mar a to-
das as pobres creanças portuguezas, tão descoradas, tão abatidas,
tão debihtadas.
O mar porém frequentado por dois ou três mezes no anno
não constitue senão uma medicação passageira, quando o que se
deve ter em vista é o emprego de um modificador permanente do
organismo.
Esse modificador é o banho frio quotidiano, em todas as esta-
ções do anno, desde o primeiro dia da primavera até o ultimo dia
do inverno.
Se para principiar o regime do banho frio fosse precisa algu-
ma preparação, aliás inútil, o banho de mar teria prehenchido esse
fim. Ao ultimo banho de mar deve pois seguir-se o banho duce de
agua fria em cada dia e para todo sempre.
Os que se reportam á experiência dos antigos para combate-
rem o uso dos banhos frios, ignoram a historia da hygiene, e fun-
dam-se apenas no exemplo de algum dos seus avós, mais illustre
pelas virtudes domesticas do que pelo aceio pessoal. Na antigui-
dade instruída o banho frio foi sempre considerado como um dos
principaes elementos da saúde. Phnio diz : «Tão bem se deram em
Roma com o uso dos banhos, que não houve outra medicina du-
rante seiscentos annos.»
O banho chamado tépido, tão geralmente usado, é extrema-
mente perigoso e anti-hygienico. O professor Lacassagne, um dos
mais distinctos hygienisías, diz a este respeito: «Se o banho té-
pido alcança um alivio passageiro e um instante de pausa, aug-
menta por outro lado a excitação do systema nervoso produzindo
uma diminuição progressiva das funcções da pelle e o enfraque-
cimento do systema muscular. As pessoas com saúde devem abso-
lutamiCnte evitar a acção iminentemente excitante e debilitante do
banho quente, o qual pôde além d'isso provocar as congestões e
as hemorrhagias.»
O grande medico Fleury, cuja competência n'esta especialida-
de é considerada como indiscutível por todos os homens da scien-
cia, diz o seguinte :
« As aíTusÕes, as immersões, os douches, os banhos frios (de
mar, de rio, de tina) podem ser empregados sem o menor perigo
AS PRAIAS DE PORTUGAL 133
com tanto que a duração d'elles não exceda a reacção expontâ-
nea e que o corpo esteja suado, quer o suor se ache no principio,
quer tenha alguma duração e uma grande abundância, quer haja
sido provocado pelo exercido muscular, quer por outro meio arti-
ficial como o abafo^ o vapor, etc. N'estas condipões, não somente
as applicações Mas não são em caso algum seguidas do mais leve
incidente, mas apresentam vantagens preciosas. Terminam brus-
camente a transpiração e livram os indivíduos do calor incommo-
do, fazendo-lhes experimentar uma sensação extremamente agra-
dável; põem ao abrigo dos accidentes resultantes do contacto de
um ar frio com o corpo suado ; exercem finalmente na pelle e em
toda a economia uma acção tónica utilíssima. »
No magnifico Diccionario Encyclopedico das sciencias medi-
cas, publicado em Paris em 1871, sob a direcção do snr. Decham-
bre, com a coUaboração dos primeiros médicos, Ic-se a respeito
do banho frio :
« O uso habitual e quotidiano do banho frio exerce na saúde
a mais feliz influencia. A pelle tonifica-se, aviva-se, conserva a
sua frescura e a sua agilidade ou recupera-as quando perdidas,
Cilam-se mulheres que devem em parte ao habito dos banhos frios
a conservação até uma idade avançada dos attributos da mocida-
de e da belleza. O tegumento externo torna-se egualmente menos
impressionavel ao calor e ao frio. No verão o banho frio modera
a transpiração, previne a debilitação que se segue á secreção abun-
dante do suor. No inverno corrige a disposição que teem algumas
pessoas para contrair anginas e bronchites. O systema muscu-
lar ganha força e energia, sustenta sem fadiga ao cabo de um
certo tempo exercidos de que anteriormente não era capaz. O ap-
petite torna-se mais vivo e as digestões mais fáceis ; as funcções
intestinaes regularisam-se, a assimilação, a nutricção, a absorção
intertiscial activam-se de modo que as pessoas obesas perdem o
excesso da gordura e os magros engordam. A innervação geral
modifica-se do modo mais feliz, o somno torna-se mais profundo e
mais reparador. A actividade do corpo e do espirito redobra : sen-
timo-nos com mais aptidão para o trabalho; experimentamos final-
mente um sentimento geral de força e de bem-estar physico, in-
tellectual e moral, que resulta do equilíbrio dos órgãos c da har-
monia das funcções. Gollocando-nos unicamente no ponto de vista
da pura hygiene, podemos dizer que o banho frio, cuja tempera-
tura e duração forem proporcionadas á sensibilidade nervosa e á
força da reacção dos indivíduos, convém geralmente ás pessoas de
qualquer sexo, de qualquer temperamento, de qualquer constitui-
134 AS PRAIAS DE PORTUGAL
ção. Os auctores que, a exemplo de Galiano, quizeram proscrever
o banho frio nas duas edades extremas da vida, na infância e na
veiliice, emmitiram opiniões demasiadamente absolutas. Quando se
sabe proporcionar a temperatura do liquido e a duração da appli-
cayão à faculdade de calorificação do individuo, as applicações da
agua fria, longe de serem nocivas ás creanças e aos velhos, são
pelo contrario extremamente vantajosas É então sobretudo que é
preciso ter em vista o preceito que consagra a necessidade das
applicações frias de curta duração e o ar quente. A experiência
prova que n'estas condições as creanças e os velhos, preparados
por applicações graduadas e calculadas de agua fria, podem, tanto
como os novos e como os adultos, aproveitar os excedentes effei-
tos do banho frio. Tem-se dito que o uso dos banhos frios endure-
cia a pelle das creanças, o que tornava diílicil a erupção dos exan-
themas tão frequentes n'essa edade da vida. Egualmente se tem
dito que as depurações cutâneas a que são sujeitos os meninos e
os velhos podiam ser impedidas pelo banho frio, d'onde a possi-
bilidade de retrocessòes ou de repercussões perigosas nos órgãos
internos. Tem-se dito finalmente que a agua fria tem por elTeito
supprimir certas secreções da pelle, taes como o suor fétido, e tem-
se visto n'essa suppressão um perigo para o organismo. Esses re-
ceios, reflexos de doutrinas humoraes antigas, nunca se nos figu-
raram baseados em factos bem observados, ou, pelos menos, os
factos citados soffrem interpretaçõ:"!S diíTerentes. É mais o racioci-
nio do que a experiência, que dá curso a essas opiniões. Em pri-
meiro logar a agua fria não endurece a pelle, pelo contrario raan-
tem-lhe a elasticidade e a permeabilidade. Nada prova que o seu
uso habitual crie um obstáculo serio á erupção dos exanthemas
próprios da infância. Se o banho frio, graças á alternativa das ac-
ções e reações de que a pelle é a sede, tem por eíTeito regulari-
sar e facilitar as funcções d'este órgão, não vemos como empeça
as depurações cutâneas das creanças e dos velhos. Finalmente, em
quanto ao suor fétido, muitas vezes devido à falta de aceio, o úni-
co mal que o banho frio poderia n'este caso produzir seria sup-
primir o mau cheiro. . . com grande vantagem dos que padecem
essa secreção viciosa e dos que vivem com elles. Os mesmos pre-
conceitos que teem feito prohibir os banhos frios ás creanças e aos
velhos levaram egualmente a prohibil-os ás mulheres durante os
seus prasos críticos e durante a gravidez. Temeu-se no primeiro
caso a suspensão do fluxo, e no segundo o aborto. A hydrothera-
pia moderna mostrou a falta de fundamento d'esses receios. Tem-
se visto mulheres em ambos esses casos supportarem o banho frio
AS PRAIAS DE PORTUGAL 135
sem o minimo inconveniente. Em quanto á gravidez o banho frio
é, pelo contrario, o melhor meio de curar a maior parte das doen-
ças produzidas pelo estado de gestação, taes como a dyspepsia,
os vómitos, a chloro-anemia, o nervosismo, etc, e de levar a bom
termo a obra tão laboriosa e tão accidentada da natureza.»
O mesmo Fleury no seu magnifico Tratado Therapeutico e
Clinico depois de descrever vários casos de creanças cujos tem-
peramentos lymphaticos foram convertidos em temperamentos san-
guineos pelo uso systematico do banho frio, acrescenta:
« Poderiamos produzir cincoenta observações d'este género ;
basta-nos dizer que a hydrotherapia (tratamento pela agua fria)
opera nas creanças uma verdadeira transformação. Se agora con-
siderarm.os, por um lado, quanto importa na medicina da infância
modlQcar o temperamento lymphatico quer cm vista do presente,
quer sobretudo em vista do futuro, e por outro lado attentarmos
em quanto são insufficientes, incertos, ineíficazes, de uma appli-
cação tão longa e difficil, os meios de que o medico dispõe para
obter esse resultado, reconheceremos que as observações prece-
dentes offerecem um grande interesse e attestam em favor dos ba-
nhos frios um poder que em vão se procuraria em qualquer ou-
tro modificador. Qual é o agente hygienico e pharmaceutico com
cujo auxilio seja possível modificar profundamente o temperamento
lymphatico dentro d'alguns mezes, fazendo desapparecer todos os
seus caracteres dentro de um ou dois annos? Desenvolver, crear
n'uma creança o temperamento sanguíneo, é prevenir as aíTecções
escrofulosas, favorecer o desenvolvimento physico e intellectual,
faciUtar o estabelecimento da puberdade, aíTastar as causas mais
numerosas e mais frequentes das moléstias nervosas, hysterismo,
epilepsia, chorêa, nevralgia, etc, a chlorose finalmente e o aborto.
É regenerar a espécie humana. »
Referindo-se em outro ponto á instituição das applicações frias
na hygiene das mulheres, o mesmo professor diz:
"«A enorme frequência da chlorose, da anemia, do hysterismo,
das nevroses, das nevralgias, das gastralgias, das enfermidades ner-
vosas de toda a espécie, das palpitações, dos abortos da febre puer-
peral, as deslocações e os engorgitamentos do útero, é unicamente
devida ao esquecimento de todas as regras de uma boa hygiene.
Encerradas em quartos hermeticamente fechados, sobrecarregados
de moveis, de tapetes, de cortinas, de quadros, de reposteiros,
n'uma atmosphera secca e viciada, fazendo do dia noite e da noite
dia ; debihtando-se nas vigílias, nos bailes, nos espectáculos, onde
permanecem por muitas horas expostas á acção deletéria de um
136 AS PRAIAS DE PORTUGAL
ar confinado, alterado pelos candieiros, pela respiração, pelas ema-
nações de um numero d'homens vinte vezes mais considerável do
que comporta o espaço que os encerra; expostas ás influencias de
mil causas debilitantes, que fazem as mulheres da sociedade para
contrabalançar a acção de um tão grande numero de agentes mor-
bigenas? Condemnam o seu systema muscular a uma inércia quasi
absoluta; não se permittem mais que uma alimentação insuffi-
ciente e mal escolhida; abusam até o extremo excesso dos ba-
nhos mornos, de todas as apphcações da agua morna á toilette,
dos emolientes, dos debilitantes. Parece terem-se finalmente encar-
regado de favorecer as causas de todas as doenças que as amea-
çam. Estou intimamente convencido que a agua fria substituída á
agua morna daria vantagens consideráveis e traria uma mudança
feliz a ura estado de coisas que compromette não só a saúde das
mulheres e a sua felicidade domestica mas ainda a sorte das ge-
rações futuras. Em resumo: muito é para desejar que, conforme
ao uso estabelecido na Inglaterra, na Allemanha e na America, as
abluções de agua fria se introduzam em França nos hábitos quoti-
dianos da hygiene privada. -»
De uma informação oíTicial acerca do estado da educação na
Grã-Bretanha, publicada em 1861, deduz-se que os alumnos cue
passam apenas algumas horas nas classes. e empregam uma egual
parte de tempo em exercidos gymnasticos fundados nas escolas fazem
mais rápidos progressos do que aquelles que passam todo o dia
amadorrados sobre o livro. O snr. Esquiros, em um artigo pu-
blicado na Revista dos Dois Mundos calcula que as forças produ-
zidas por esse .systema de diversão equivalem pela producção de
trabalho ao augraento de um quinto na população britânica. Em
1864 um professor belga, Van Esschen, em um relatório dirigido
ao ministro da guerra em Bruxellas, analysando os factos relativos
á introducção da gymnastica nas escolas inglezas diz :
« Os exercícios gymnasticos são voluntários, exigem uma certa
força physica, absorvem um tempo extremamente considerável e
apresentam mais de um perigo. Quaes são as creanças que mais im-
porta fortificar? São essas creaturinhas enfesadas, friorentas, de faces
pallidas e descoradas, de membros frágeis, de inteUigencia precoce
e ardente, em que as faculdades do entendimento parece absorve-
rem todas as forças do organismo. Ora esses meninos odeiam os
exercícios corpóreos, são demasiado fracos para se entregarem a
elles. Teriam de ser violentados, e o único fructo d 'essa violência
seria uma fadiga excessiva; os gostos das creanças débeis cha-
mam-as para as recreações menos violentas; preferem a conversa-
AS PRAIAS DE PORTUGAL 137
ção, a leitura, chegam algumas vezes a divertirem-se instruindo-se;
finalmente, como lêem o sentimento da sua fragilidade, receiam o
exforço e o grande movimento. A gymnastica é pois insuíRciente
para alcançar o fim proposto. Precisa-se de um agente de applica-
ção geral e fácil que fortifique todas as constituições mas princi-
palmente as que são débeis e anemicas, cujo uso possa ser pres-
cripto regulamentarmente, que não oífereça nem perigo nem in-
conveniente e cuja efficacia ninguém possa contestar. Esse agente
é a agua fria administrada de modo que não preste senão os seus
eíTeitos estimulantes; esse agente é o douche geral de agua fria.
Sob a influencia d'essa ablução quotidiana vé-se a pelle animar-se
rapidamente, colorir-se pelo impulso notável da circulação capil-
lar. Um sangue vivo e vermelho vem vivificar essa vasta superfí-
cie em que se produzem phenomenos tão importantes da vida ve-
getativa. A actividade funccional do invólucro cutâneo e a regula-
risação da circulação arrastam, como consequências infalliveis, uma
assimilação mais complecta, uma melhor nutrição, e por conse-
guinte, uma digestão mais perfeita e um appetite mais pronun-
ciado. ))
O fim do professor Van Esschen era estabelecer douches e tor-
nar o banho frio obrigatório para todos os alumnos da escola mi-
litar de Alost. Os argumentos poderosos do extenso relatório do il-
lustre professor levaram o governo belga a decretar o banho frio.
O serviço das abluções em Alost foi montado sob a direcção do es-
pecialista francez Fleury chamado pelo governo de Bruxellas para
esse fim.
Jules Simon, o grande erudito, o profundo reformador, um
sábio, um velho, sendo ministro da instrucção pubhca em França
depois da guerra da Prússia, fazendo um livro sobre a reforma do
ensino e da educação, achando-se rodeado das instrucções e dos
conselhos dos primeiros médicos e dos primeiros hygienistas mo-
dernos, escrevia a respeito do banho frio a seguinte pagina :
«As abluções quotidianas por todo o corpo, com agua fria e
uma esponja são um habito inglez que do coUegio deveria passar
ao uso de cada dia, porque, se é um pouco desagradável no pri-
meiro mez torna-se no segundo um prazer e uma necessidade. Po-
der-se-hia também depois de meia hora de gymnastica tomar um
bom douche de agua fria e uma massagem. Finalmente recommen-
do a natação desde que chegar o verão. Uma lei do 30 prairial
do anno xii determina que a arte da natação faça parte da edu-
cação da mocidade nos lyceus e nas escolas secundarias. Agua,
agua e mais agua. Agua fria, agua fria e mais agua fria. Não ha
138 AS PRAIAS DE PORTUGAL
comparação na saúde do corpo, na saúde do espirito, no bom hu-
mor, entre uma creança suja e friorenta e uma creança que o con-
ctacto quotidiano da agua fria habitua ao aceio, endurece contra
as apprehensões do movimento, do calor ou do frio, apprehensões
apenas desculpáveis nos velhos e nas mulheres. Dm philosopho en-
tendia que o aceio é uma virtude. Eu sou da opinião d'este phi-
losopho: é uma virtude e.é a origem d'outras virtudes, como a
franqueza, a firmeza e o sentimento da dignidade pessoal. A alma
estiola-se e rebaixa-se dentro de um invólucro insalubre e frioren-
to. Os gregos começaram a degenerar quando começaram a ves-
tir-se. Li com espanto ha alguns annos em um jornal religioso que
os povos menos aceados são os mais intelhgentes e os mais valo-
rosos. Não será esta jamais nem a opinião de um medico nem a
de um pedagogo. O escriptor de que fallo referia-se talvez aos cos-
méticos e aos insensatos requintes imitados das certezas por alguns
jovens devassos. Eu fallo apenas da agua, da agua viva- e pura, ver-
dadeira fonte de Juvencius, que dá á mocidade toda a força, toda
a graça, e alarga os limites da vida. O meu alumno, graças ás
suas immersões salutares, não receará o vento nem a chuva nem
o frio. Não caminhará envolto n'um duplo ou tríplice vestuário.
Não conhecerá o vergonhoso e ridículo uso do cache-nez. Não terá
a janella fechada e o quarto calafetado, conservando o mau ar co-
mo se conserva uma coisa preciosa. Não passará horas acocorado
ao lume. Toda a minha vida admirei a historia do charlatão que
enriqueceu vendendo agua da fonte por agua maravilhosa. Esse
ladrão tinha talvez descoberto, procurando outra cousa, o grande
segredo da medicina. Beber bòa agua e inundar-se com ella todos
os dias é a melhor receita contra as enfermidades. As mães vivem
em cuidados constantes. O menino terá frio ; não estará bastante
agasalhado ; irá molhar os pés ; apanhar um defluxo, um resfria-
mento, um catharro! Tome o menino em cada manhã um bom dou-
che, com uma massagem, ou façam-o friccionar com agua fria, e
todas essas desgraças desapparecerão juntamente com o acanha-
mento, com a timidez, com a pusilanimidade que as precauções
arrastam sempre comsigo. As doenças são como os cães que ros-
nam: se a gente corre para elles, deitam a fugir; se a gente lhes
foge, perseguem e mordem. Façam-me um rapaz forte, com uma
boa hygiene e com hábitos viris, e riam-se-me dos accidentes e
das variações atraosphericas.))
AS PRAIAS DE PORTUGAL 139
Eu disse que vinha aconselhar. A mim porém falta-me a com-
petência para dar conselhos. Eu venho simplesmente pedir ás mães,
que dêem banhos aos seus filhos. Peço-o para a fehcidade d'elles,
para a sua regeneração physica e moral, para o aceio do seu cor-
po, para a preservação das suas enfermidades, para a alegria do
seu espirito, para a firmeza da sua vontade. Peço-o como escriptor,
responsável deante da minha consciência e deante dos meus si-
milhantes pelas ideias que divulgo; peço-o como critico e como
homem de estudo; peço-o finalmente como pac, se me permittem
invocar este sagrado titulo.
Uma das minhas filhas era na sua primeira infância uma creança
Lxtremamente débil, iymphatica, atacada de rachitismo. Fiz-lhe um
longo tratamento fortificante. Principiou a andar aos três annos e
meio com penosa diíficuldade, com muita fadiga, com dor. Alguns
médicos, que me aconselharam no primeiro curativo, preparam-me
para o desgosto de a perder aos dez annos. Deliberei então sujei-
t;il-a a um tratamento hydrotherapico. Tenho três filhos. Obriguei
os outros dois a acom.panharem a doente no regime prescripto.
nhriguei-os, digo? Não, convenci-os todos três, um em nome da
iherapeutica, os outros dois em nome da dignidade e do aceio. Fiz
collocar pela manhã junto da cama de cada um uma banheira chata,
icdonda, de um metro de diâmetro, com um palmo de altura no
bordo, meia de agua fria. Forneci a cada um a sua provisão de
sabão e uma grande esponja. A mãe encarregou-se de dirigir a
operação balnearia, prevenindo que nenhum d'elles se constipasse
ao contacto do ar, e passasse immediatamente do calor da cama pa-
ra a agua fria, applicando com a esponja três ou quatro douches
successivos na cabeça e na columna vertebral junto do pescoço.
Uma boa creada compungiu-se de tal modo perante o bárbaro, es-
pectáculo matinal de que eram theatro os quartos dos meus filhos,
que pretendeu retirar-se do meu domicilio. Havia lagrimas. Eu,
que preconisava o banho frio em theoria, mas que o não acceitava
para mim na prática, tinha no meio d'esta crise domestica um pa-
pel bastante parecido com o de um Herodes de agua doce. Envergo-
nhei-me das abusões picantemente maliciosas feitas pelas victimas
ao apparente desaccordo das minhas opiniões e dos meus actos pes-
soaes, e, apesar de ter a esse tempo a apprehensão de uma lesão
cardíaca e uma dòr rheumatica n'um joelho, lancei-me intrepida-
mente no banho frio de cada dia. Os resultados de cinco annos
d'agua fria foram os seguintes:
1." A minha antiga doente, que nenhum outro remédio tomou
desde então até ao presente dia, tem hoje treze annos. E' uma pe-
140 AS PRAIAS DE PORTUGAL
quena pessoa desempenada como o cabo da sua vassoura. Activa,
madrugadora. Deixou de ser lymphatica.
2.° Durante cinco annos nenhum dos meus filhos adoeceu, ne-
nlium se constipou, nenhum teve tosse, nenhum teve defluxo.
3.° Passaram os meus symptomas de perturbação na região pe-
ricordial. Desappareceu-me a dur do joelho. Trabalho ordinária- i
mente da meia noite ás quatro horas da manhã, defronte da mi-
nha janella, invariavelmente aberta de verão e d'inverno. Não uso
camisola. Não me constipo nunca, e apesar da minha vida seden-
tária, supporto, com tolerância rara n'um plumitivo, o trabalho mus-
cular, a fadiga, as chuvas, as insolações.
Desculpem, minhas senhoras, ter-me citado a mim próprio,
— o que não é de bom gosto, mas é de boa moral. Seria mes-
mo esta uma prova a que seria útil sujeitar todos os escriptores :
obrigal-os a saborearem elles mesmos, de quando em quando, as
tisanas que ministram aos outros. Talvez que por este modo se
conseguisse escrevermos menos e acreditarem-nos mais.
FIM
A PRIMEIRA PESCA
índice
o mar. O aspecto da praia. O fundo do oceano. Os habitantes
das aguas. O polvo, a alforreca, o polypo, a estrella do
mar, o caranguejo, o tubarão, o carapau, a truta, a hypo-
caml3a, a raia, etc. Os fosfatos, o iodo, o bromureto. A cu-
riosidade feminil. O nosso instincto marítimo. Os Lusíadas.
A Historia tragico-maritima. A xacara da Nau Catlirineta.
II
A Foz. O tempo antigo. O Damião e a Rosa das Burras. A fa-
mília do Douro. A vida em minha casa. O carroção e sua
historia. Meu tio e o carropão de via estreita. O tempo mo-
derno. A sociedade na Foz. Os bailes. As senhoras portuen-
ses 23
III
Leça e Mathozinhos. Viagem a Lepa pelo Castello do Queijo.
Quem vimos, além de um papagaio. A do veu verde. A vi-
da vegetativa de Leça. A estatua de Passos Manoel. As ca-
sas 3^
142 IXDICE
IV
Pedrouços. A villagiatura official e o seu respectivo lixo. A som-
bra em Ped roucos. Os pianos. A praia. O banbo. Os Jero-
nymos. A feira de Belém. O xarope de groseilles. As mu-
lheres gordas. Os gigantes. A praia do Rastéllo . . . . 41
A Povoa de Varzim. A rua da Junqueira. Physionomias de ba-
nhistas. O jogo. O pescador poveiro. O bairro dos pescado-
res. As pescas. O recenseamento da armada. O imposto. Os
naufrágios. Os subúrbios. A concorrência. S. Félix de Lanu-
dos 50
Vi
A Granja. Praia de algibeira. Os chalets e os coítages. A convi-
vência. Theoria da amabilidade. A toilette. O croquct. O club.
O pinhal. O que esta praia tem de bom, ou o que é que
não tem G3
VII
De Pedrouços a Cascaes. O Tejo. O Aterro. O vaporzinho da
Outra Banda. Almada. A praia da Torre. A torre de Belém.
Algés. Dá-fundo. S. José de Ribamar. Caxias. Paço d'Arcos.
Oeiras. A torre de S. Julião. Carcavellos. Cascaes. A histo-
ria da villa. As casas novas. O ckib. A sociedade. Cintra.
Distrações 71
VIII
Villa do Conde. A paizagem. O convento. Historia. Azurara.
Aspecto da villa. As rendilheiras. Guipures de Chantilly.
A estalagem 85
índice 1 43
IX
1"AU .
Espinho. A povoação. A sociedade. A assembleia. Typos e ca-
racteres. O piano e sua peçonha. O troca-teclas. O poeta.
A menina bonita. Os pic-nics. As tribus. As casas. Os lioteis. 89
A Ericeira. A população indígena. O convento de Mafra. O car-
rilhão. O edifício. A tapada. D. João v. Decadência monar-
chica e decadência religiosa. Os menuetes e os touristes . 93
XI
A Nazareth. A praia. O sitio. A Senhora. Um dos milagres. Cri-
tica pathologica. Como se curou D. Isabel de Moura. Acaba-
ram os milagres da Nazareth. Theoria dos milagres e dos
remédios da moda 99
XII
A Figueira. Influencias de Coimbra. A rua da Sophia. Os ge-
raes. O lente. As assembleias da Figueira. O bairro novo e o
bairro velho. Os subúrbios. As duas camadas dos banhistas. 105
xin
Setúbal. A cidade. O aspecto das quintas. Tróia. A Arrábida . 109
XIV
As praias obscuras. Ancora. A Apúlia. Lavadores. O Furadou-
ro. A Costa Nova. S. Martinho do Porto. A Assenta. Santa
Cruz. S. Pedro de Moei. Porto Brandão. O Alfeite. A Fonte
da Pipa 111
1 44 índice
XV
O tratamento maritimo. A atmosphera. A agua do mar em be-
bida. O banho. A dieta. O programma domestico. Opinião
de Michelet. A solidão. Os divertimentos. As occupações.
As leituras. A reconstituição moral. O banho do rio. Os ma-
les 6 os meios 115
XVI
Precauções hygienicas. Antes do banho. No banho. Depois do
banho 125
XVII
Soccorros aos afogados. As três espécies de asphyxia: pelo
pulmão, pelo coração, pelo cérebro. Symptomas. Applica-
ções 129
XVIII
Reconstituição dos temperamentos e dos caracteres pelo banho
frio. Conselhos ás mães. A rotina. O banho quente. Os gran-
des hygienistas. O deperecimento da infância. O lymphatis-
mo. A anemia. Agua fria! agua fria! agua fria! . , . .131
í
HORÁRIOS
CAMINHOS DE FERRO
CAMINHO DE FERRO DE LESTE E NORTE
De Lisboa a Badajoz e Porlo
Preços por classes
(5120
^140
#200
^360
^440
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^620
^740
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15840
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25540
25850
35090
30350
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3 5800
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30660
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40820
45910
45960
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55140
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5200
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26
31
37
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61
75
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107
111
119
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13 I
14-1
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162
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18J
202
212
218
225
237
245
25 5
273
288
301
312
I 318
321
i 328
I 333
De Lisboa
ás seguintes estações
B
Poço do Bispo ....
Olivaes
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Povoa
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Alhandra
Villa Franca
Carregado B
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Santarém B
Valle da Figueira. . .
Matto de Miranda. . .
Torres Novas
1Q
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Barquinha
Praia
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Chança
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Elvas B
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Chão de Maçãs
Caxarias
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Pombal
Soure
Formoselha
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Coimbra B
Souzellas
Mealhada
Mogofores
Oliveira do Bairro. . .
Aveiro
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Granja
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Todas as classes
Corr."
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T 8
M.8
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T 6
—
8.12
10.28
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—
—
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—
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11
6-50
—
8.38
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—
—
6.54
11.40
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—
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T 12.4
7.50
—
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12.23
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—
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12.49
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—
9.48
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1.22
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—
—
10.03
1.43
9.15
—
10.11
10.14
2.8
9.31
10.44
10.46
3.9
10.5
—
11.06
3.45
_
—
—
11.23
4.17
—
11.36
11.41
4.56
—
—
T 11.45
11.50
5.10
—
—
M 1.28
12.30
—
1.38
1252
—
1.53
T 119
—
2.10
1-50
—
2.20.
2.24
2.42
3.02
3.18
4.06
—
3.52
3.10
—
4.29
6.13
5.09
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5.31
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6.01
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—
6.54
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—
7.20
10.40
—
12.15
M12.20
—
—
12.45
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—
1.10
T 1-23
—
1.34
1.51
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—
—
2.25
—
—
—
2.45
—
—
2.33
3.06
—
2.56
3.31
—
3.23
3.59
_.
—
—
4.16
—
4.02
4.46
M 5.45
4.59
6.9
4.40
5.27
7
4.56
5.44
7.41
5.59
.
8.10
5.47
6.39
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6.09
7.07
10.31
6.34
7.41
11.29
8.02
_
12.5
7.03
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12.28
7.13
8.34
12.48
8.57
1.21
7.45
T 9.18
—
1.45
CAMINHO DE FERRO DO NORTE E LESTE
Do Porto e Badajoz a Lisboa
Preços por classes
1.» 2.» 3."
6^510
6y>380
6^320
6^200
5^980
5^720
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4^510
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2^920
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2,5050
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1^670
1^490
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1^100
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^360
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1^160
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^730
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^480
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^340
^280
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3^620
3^540
3^510
3^440
3^320
3^180
35010
25790
25710
25620
25490
25410
25340
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25060
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15790
1566O
15550
15440
15340
25980
25930
25720
25510
25400
25210
25030
15810
15630
15490
15440
15320
15230
15I8O
15140
15040
5930
5830
5680
5610
5520
5410
53ÕO
5290
5250
5200
5120
5080
5070
Das seguintes estações]
a Lisboa
Corr.
Todas as classes
Mixto
Jaya (Porto)
Vailadares . .
Granja
Espinho ....
Entroncamento, B
Esmoriz
Ovar
Estarreja
Aveiro
Oliveira do Bairro
Mogofores
Mealhada
Souzellas
Coimbra B
Taveiro. . . .
Formoselha
Soure
Pombal . . ,
Vermoil
Albergaria
C:\xarias
Chão de Maçãs
Thomar (Payalvo). . . .
C.
P.
Badajoz B
Elvas B
Santa Eulália
Assumar
Portalegre B
Crato
Chança
Ponte de Sor
Bemposta
Abrantes ...
Tramagal
Praia
Harquinha
p'
Torres Novas •
Matto de Miranda
Valle de Figueira
.Santarém
.Sant'Anna • ■
Ponte de Reguengo...
Azambuja
Carregado B
Villa Franca.
Alhandra . . . •
Alverca
Povoa
.Sacavém
Olivaes
Poço do Bispo
Lisboa C
5.54
6.07
6.38
7
7.26
8.16
8.35
9.51
10.22
10.56
M 12.04
12.27
12.43
1.08
T 5.45
6.39
7.18
7.58
8.19
8.59
9.57
10.49
11.16
11.36
11.45
M 1.38
1.50
2.49
3.14
3.38
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4.34
4.53
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7.42
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10.22
10.42
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11.37
11.50
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1.02
1.45
2.27
2.51
3.17
3.36
4.02
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8.16
9.19
9.58
10.51
11.34
T 12.32
1.20
2.04
2.26
2.59
3.32
3.45
4.32
4.43
5
5.24
5.50
6.15
6.27
6.42
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7.22
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7.51
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8.32
845
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5.58
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T 12.32
1.32
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3.27
3.50
CAMINHO DE FERRO DO SUESTE
SERVIÇO A GOMKCAR KO DIA 15 DE ABRIL DE 187 6
DE LISBOA
A BEJA
DE BEJA A LISBOA
é
PREÇOS
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7,51
2
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290
210
Lavradio. . .
7,43
29
730
550
370
Ahilo . . . •
8,25
5
320
290
210
Alhos Vedros
7,51
38
960
720
480
Villa Nora. •
8,54
8
400
350
240
Moita
7,59
44
1110
840
560
\ianna. , . •
9,10
16
600
500
350
Piubl Noto.
8,29
52
1310
990
660
Alcáçovas . •
9,28
31
980
780
530
Poceirão. . .
8,57
64
1620
1210
810
Casa Branca-
10,16
42
1250
990
670
Pegões. . . .
9,21
79
1990
1500
1000
Uonte Slór. •
10,56
57
1630
1270
860
V. Noras. B.
10,7
97
2450
1840
1230
V. NoTas. B-
11,38
75
2080
1610
1090
Monie ílór. .
11,1
112
2830
2120
1420
Pegões. . . .
12,6
90
2460
1900
1280
Casa Branca.
11,47
124
3130
2350
1570
Poceirão. . •
12,29
102
2760
2120
1430
UcacoTas . .
12,11
139
3510
2630
1760
Pinbal Noto.
1,6
110
2970
2270
1530
Vianna. . . .
12, 28
146
3680
2760
1840
lloila
1,21
117
3140
2480
1620
Villa NoTa .
12,49
149
S760
2820
1880
Allios Vedros.
1,29
125
3340
2560
172U
Alvito
1,8
152
3830
2880
1920
Lavradio . . .
1,37
187
3650
2780
1870
Cuba
1,43
154
3920
2950
1980
Barreiro. . .
2,12
154
4070 3100|
2080
Beja . . (eh.)
2,17
4070
3100, 2080( Lisboa (eh.)
2,47
LISBOA A EXTREMOZ
EXTREMOZ A LISBOA manhã
2
5
8
16
31
42
57
75
90
116
136
141
149
157
168
150
320
320
400
600
980
1250
1630
2080
2460
3120
3620
3750
3950
4110
4430 1
150
290
290
350
500
780
990
1270
1610
1900
2390
2760
2860
3010
3160
33(0
100
21U
210
240
350
530
670
860
1090
1280
1610
1860
1920
2020
2120
2260
Lisboa (vap.j
Barreiro . . .
Lavradio . . ,
Alhos Vedros
Moita
Pinhal .Noto.
Poceirão. . .
Pegões ....
V. Novas B.
Monte Mór. .
Casa Branca.
Évora ....
Azaruja. . . .
V. de Pereiro
V. do Duque
Évora Monte.
E\tremoz eh.
6.30
7,35
7,43
7,51
7,59
8,29
8,57
9,21
10,7
11,1
11,41
12,51
1,39
1,52
2,16
2,38
3,8
11
20
28
33
53
78
93
112
127
138
153
161
163
166
168
310
510
710
840
1340
230:
380 j
530
630
1010
1970 1480
160
260
360
420
670
990
2350
2830
3200
3480
3860
4060
4110
1760 1180
2120 1420
2400
2610
2900
3050
3080
4190 3140
4280 3220
4430 3370
1600
1740
1930
2030
2060
2100
2160
2260
titremoz. . .
6,30
Eiora Monte
6,58
V. do Duque.
V. do Pereiro
7,23
7,46
Azaruja. . . .
Évora
8,6
9,4
Casa Branca.
Monle Mór. .
V. Novas. B.
Pegões. . . .
Poceirão. . .
Pinhal Novo .
10,16
10,56
11,38
12,6
12,29
1,6
Hoila
1,21
ilhos Vedros
1,29
.avradifl . . .
1,37
[iarreiro . . .
2,12
-isboa (vap.)
2,47
BEJA A CASEVEL
17
430
330
24
610
460
38
960
720
47
1190
890
- ( lí^j.'
220 Outeiro . . .
310 Figueirinha .
480 Carregueiro .
600 r.asevel fá.)
2,42
3,18
3,40
4,13
4, .35
CASEVEL A BEJA
9
23
30
47
230
580
760
1190
170
440
570
890
120
290
380
600
Casevel. . .
Carregueiro
Figueirinha
Outeiro. . .
Brja. . (fb.
4,50
5,16
5,50
6,13
6,53
BEJA A QUINTOS tarde
SABBADO^ DOMINGOS, TKRÇAS E QUINTAS
330
510
250
380
170 Balcisão.
260 Quintos .
2,47
3,9
3,25
QUINTOS A BEJA
DOMINGOS, SEULNDAS, QCAKTAS E
manhã
SEXTAS
8
20
— I — I — I Quintos . , .1 5, 50
210 160 100 Baleisão. .. 6,12
510 380 260 Beja 6,42
CAMINHO DE FERRO DO SUESTE
EXTREMOZ A BEJA
20
28
33
53
78
90
98
105
113
i25
142
PREÇOS
310
510
710
840
1340
1970
2270
2470
2650
2850
3150;
3580,
230
380
530
G30
1010
4480
1710
1860
1990
2140
2370
2690
3.=
160
260
360
440,
670
990'
1140:
1240 ;
1330
2430'
1580
1790
ESTAÇÕES
Exlrenioz . . .
Évora Slonte .
V. do Duque.
V. de Pereiro.
Azaruja ....
Évora
Casa Branca..
Mcaçovas . . .
\ianna
Villa JÍDTa. .
Alvito
Ciiha
Beja (cli,
Partida
6,30
6,58
7,23
7,46
8,6
9,4
11,47
12,11
12, 28
12, 49
1,8
1,43
2,17
SETÚBAL A BEJA E EXTREMOZ
6
160
120
80
13
330
250
170
28
710
530
360
40
1110
760
510
55
1390
1040
700
73
1840
1380
920
88
2220
1670
1110
1G6
41'.iU
3140
2100
100
2520
1890
1260
108
2730
2050
1360
114
2880
2160
1440
123
3100
2330
1550
135
3410 2560
1710
152
3^30
2880
1920
Selulinl
Palniilla. . . .
Pinhal \ovo. .
Poceirão. . . .
Pegões
V. Novas... .
Monte Hór. . .
Casa Branca. .
Eitremoz . . .
Alcáçovas . . .
\ ianna
Villa Nova. . .
Alvito
IJiba
. . . (eh.
man hã
6, 35
6,51
8,29
8,57
9,21
10,7
11,1
11,41
3,8
12,11
12,28
12, 49
1,8
1,43
2.17
BEJA A EXTREMOZ
17
29
38
44
52
64
90
109
114
122
131
PKEÇOS
430
730
960
1110
1310
1620
2270
2750
2880
3080
3310
142 3580
2." 3.a
ESTAÇÕES
— — |Beja
330 220 Cuba
550 370 Alvito
720 480| Villa !\ova....
840 560iVianna
990 GGOAlcaçous
1210 810 Casa Branca . .
1710 1140'Evofa
2060, 1380] Azaruja
2160,1440 V. de Pereiro.
2310 1540|V. do Duque..
2480 1650; Évora «ante .
2690tl790,Eilremoz (eh.)
Parlidâ
manhã
7,15
7,51
8,25
8,54
9,10
9,28
11,41
12,51
1,39
1,52
2, 16
2,38
3,8
BEJA E EXTREMOZ A SETT7BAL
64
70 1
430
730
960
1110
1310
3580
1620
í) 11990
97 2450
112 2830'
124'3130
139 3510
146 3680 1
152 3830
330
550
720
840
990
22C
37('
48(i
56(!
660
26901790
1210! 810
1500 1000
1840 1230
2120 1420
2350 1570
2630,1760;
2760 1840,
2880 ' 1920
Reja.. . .
Cuba . . .
Alvito . .
Villa Nova
Vianna. .
dcaçovas
Eitremoz
Casa Branca
llonte Mor
V. Novas
Pegões.
Poceirão.
Pinhal Noto
Palmella
Setúbal-
7, 15
7, 51
8,25
8,54
9,10
9,28
6,30
10,16
10, 56
11,38
12,6
12,29
6,4
6,20
6. 34
RAMAL DE SETÚBAL
LISBOA A SETÚBAL
PREÇOS
150
2.320
5'320
8 400
161600
23 770
28 900
150
290
290
350
5lj(»
630
720
100
210
210
ESTAÇÕES
Lisboa. . . .
Barreiro. . .
Lavradio. . .
Alhos Vedros
24()!llnita
350 Pinhil Novo.
43o|p,ilmelia. ..
ÕC»0 Setúbal. . . .
Partida
manhã tarde
6,30
7, 35
7,43
7,51
7,59
8,25
8,40
8,53
4,20
5,15
5,23
5,31
5,40
6,4
6,20
6,34
SETÚBAL A LISBOA
PREÇOS
1."
160
330
530
580
660
7.50
900
J20
250
400
440
500
570
720
80
170
270
290
330
400
50O
ESTAÇÕES
Setúbal
Palmella . . ,
Pinhal Noto .
Moita
Alhos Vedros.
Lavradio . . .
Barreiro . . .
Lisboa
Partida
manhã tarde
6,35
6,51
7,13
7,28
7,36
7,45
8,15
8, 50
5,45
5,1
5,21
5,38
5, 45
5,52
6, 15
6. 05
CAMINHO DE FERRO DO MINHO
Serviço a começar de 10 de abril de 1876
ASCENDENTES
PREÇOS
1.»
Classe
2.a
Classe
3.*
Classe
ESTAÇÕES
Horas da partida
dos comboios
N.?l
Mixto
N." 3
Correio
N.oõ
Miito
120
90
70
180
140
100
310
240
170
440
340
250
610
480
340
740
580
410
910
710
510
910
710
510
1/030
800
570
Porto (Partida) . . .
Rio Tinto
Ermezinde
S. Romão
Trofa
Famalicão
Nine
Arentim (paragem)
Tadim
Braga (Chegada) . .
Manhã
Manhã
h. m.
h. m.
6,42
9,30
6,54
9,41
7,7
9,50
7,19
10,3
7,40
10,21
8,1
10,42
8,17
10,59
8,26
8,33
11,16
8,45
11,27
Tarde
b. m.
5,44
5,55
6,8
6,20
6,39
7,1
7,21
7,30
7,37
7,49
DESCENDENTES
PREÇOS
Classe
2.*
Classe
3.»
Classe
ESTAÇÕES
Horas da partida
dos comboios
N.''2
Mixto
Correio
Mixto
140
110
80
290
230
160
290
230
160
420
330
240
590
460
330
740
580
410
870
680
490
930
730
520
1^030
800
570
Braga (Partida) . .
Tadim
Arentim (paragem)
Nine
Famalicão
Trofa
S. Romão
Ermezinde
Rio Tinto
Porto (Chegada). . .
Manhã
Tarde j
b. m.
b. m.
6,24
1,37
6,36
1.51
6,45
—
6,56
2,8
7,15
2,26
7,35
2,45
7,51
3,1
8,8
3,13
8,19
3,23
8,27
3,30
Tarde
h. m.
6,7
6,19
6,28
6,39
6,58
7,20
7,36
7,52
8,2
8,10
CAMINHO DE FERRO DO DOURO
Serviço desde 20 de dezembro de 1875
ASCENDENTES
PREÇOS
1.»
Classe
2.»
Classe
3.*
Classa
ESTAÇÕES
Horas da partida
dos comboios
N.» 21
Mixto
N.» 23
Mixto
120
90
70
180
140
100
310
240
170
500
390
280
590
460
330
670
520
370
740
580
410
870
680
490
Porto (Pa rtiãa) . . .
Rio Tinto
Ermezinde
Vallongo
Recarei
Cette
Paredes
Penafiel
Caliide (Chegada) .
Manhã
h. m.
7,45
7,57
8,10
8,30
8,52
9,5
9,20
9,33
9,48
Tarde
h. m.
4,50
5,2
5,15
5,38
6,0
6,13
6,28
6,41
6,56
DESCENDENTES
PREÇOS
1.»
Classe
2.»
Classe
3.»
Classe
ESTAÇÕES
Horas da partida
dos comboios
N.° 22
Misto
N.» 24
Mixto
160
120
90
230
180
130
310
240
170
400
310
230
590
460
330
720
560
400
800
620
450
870
680
490
Cabide (Partida) ■
Penafiel
Paredes
Cette
Recarei
Vallongo
Ermezinde
Rio Tinto
Porto (Chegada). .
Manhã Manhã
h. m.
6,20
6,40
6,53
7,6
7,19
7,41
8,8
8,19
8,27
4,19
4,39
4,52
5,5
5,18
5,43
6,4
6,15
6,25
CAMINHO DE FERRO DO PORTO Á POVOA DE VARZIM
Horário a começar em 20 de abril de 1876
ASCENDENTES
2
g
PREÇOS
ESTAÇÕES
Horas da partida dos comboios
S
1.»
classe
2.»
classe
N.o 2
N.o 4
N.» 6
N.° 8
4
6
80
80
160
160
240
240
320
400
400
480
50
50
100
100
150
150
200
250
250
300
Porto (Partida)
Senhora da Hora
Cuatoias
Manhã
5,50
6,2
6,8
6,17
6,28
6,36
6,41
6,52
7,1
7,7
7,15
Manhã
9,40
9,52
9,58
10,7
10,18
10,26
10,31
10,42
10,51
10,57
11,5
Tarde
2
2,14
2,21
2,31
2,46
2,56
3,2
3,16
3,26
3,34
3,45
Tarde
5
5,12
5,18
9
11
14
16
Crestins
Pedras Rubras
Villar do Pinheiro
Modives
5,27
5,38
5,46
5,51
20
23
Mindello
Azurara
6,2
6,11
25
28
Villa do Conde
Povoa (Chegada)
6,17
6,25
DESCENDENTES
^
1.^
2.*
fcí
classe
classe
3
80
50
5
80
50
8
160
100
12
240
150
14
240
150
17
320
200
19
320
200
22
400
250
24
400
250
28
480
300
N." 1 N.» 3 N." 5
N.» 7
Povoa
Villa do Conde. . .
Azurara
Mindello
Modives
Villar do Pinheiro.
Pedras Rubras . . .
Crestins
Custeias
Senhoi-a da Hora .
Porto (Chegada) . .
Manhã
Manhã
Tarde
5,30
5,40
9,20
9,30
1,40
1,52
5,47
9,37
2,
5,57
6,8
6.16
9,47
9,58
10,6
2,11
2,24
2,32
6,31
6,37
10,21
10,27
2,47
2,54
6,4Q
6,53
7,3
10,36
10,43
10,53
3,6
3,14
3,26
5,40
5,50
5,57
6,7
6,18
6,26
6,41
6,47
6,56
7,3
7,13
Aos sabbados ha um comboio especial para toda a linha, somente para
2." classe, com bilhetes de ida e volta. Sahe do Porto ás 3,50 da tarde, che-
ga á Povoa ás 5,35. Volta da Povoa iia segunda-feira ás 4,3 da mauhà, che-
gando ao Porto ás 5,49.
RECREIO imiTI
Li
PERIÓDICO ILLUSTRADO
DEDICADO
COM A COLLABORAÇÃO DOS MELHORES ESCRIPTORES
CADA SERIE COMPÓE-SE DE 2 VOL. DE 12 NÚMEROS CADA UM
PUBLICA-SE DUAS VEZES POR MEZ EM FASCÍCULOS DE 16 PAGINAS EM 8.*
IMPRESSOS A DUAS CORES
E ADORNADOS DE EXCELLENTES GRAVTJBAS
PREGO DA ASSIGNATURA
PORTUGAL
Serie de 24 números pagos adiantados 1;íí800 réis 4^^800 réis fracos
Cada numero avulso 100 » 300 » »
Volume brochado contendo 12 números.... 1^200 » 3^600 » »
enciidern. >. 12 » .... I|õ00 » 4^500 «
Os snrs. assignantes de 24 niameros, qiae
desejarem comprar capas para os voliames,
CTj.star-lh.e-h.ao 300 réis cada Tj-ma. Pelo cor-
reio accresce o porte.
ASSIGNA-SE
No Porto — Livraria Universal de Magalhães & Moniz, 12, Largo dos
Loyos, 14.
Em Lisboa— Em casa do editor Júlio H. Verde, rua do Duque de Bra-
gança, 6.
DICCIONARIO
GEOGRAPHIA UMIÍERSAL
yMOll[0[M[NSB[SCI[ffl
COMPOSTO SEGUNDO OS TEABALHOS GE0GKAPHIC03 DOS
MHIiHORES AUCTOaES POKTDGOEZES, BBAZILEIROS, FRANCEZES, ISGLEZES E ALLEUÂES,
E DE ACCORDO COM AS ULTIMAS
PUBLICAÇÕES CHOBOGRAPHICAS E ESTATÍSTICAS DOS DIFFEEENTES PAIZES
COMPREHEHDENDO TODOS OS ESCLARECIMENTOS E INFORMAÇÕES INDISPENSÁVEIS COM RELAÇÃO
AO COMMERCIO, AS ARTES E INDUSTRIAS FABRIS;
DESENVOLVIDO CONSIDERAVELMENTE NA PARTE QIE DIZ RESPEITO A
PORTUGAL, províncias ULTRAMARINAS E RRAZIL
Portugal, outr'ora na vanguarda dos progressos geographicos,
a quem o mundo deve na pessoa do infante D. Henrique a inicia-
ção dos mais explendidos descobrimentos e arrojadas navegações,
a pátria de Vasco da Gama, de Pedro Alvares Cabral, de Fernão de
Magalhães, de Bartholomeu Dias, de Heredia, de Pedro Nunes, e de
tantos outros que assignalaram o nome nos fastos geographicos,
não só não possuia um Diccionario de geographia completo como
em muitas obras estrangeiras era tractado de uma maneira inexa-
cta ou incompleta sob o ponto de vista histórico, commercial, po-
litico ou económico.
Hoje, que entre nós se revela um bem entendido interesse
pelos assumptos geographicos, tanto nas diversas classes illustra-
das da sociedade como nas regiões do poder, e que o nosso paiz
vai entrando n'uma epocha de progressivo e extraordinário desen-
volvimento scientifico e material, mais sensível se torna a falta de
um bom Diccionario de geographia universal que não só occorra ás
vastíssimas necessidades d'esse desenvolvimento, como também re-
vindique a gloria que nos pertence em certos factos que tanto hon-
ram e abrilhantam o nosso passado.
Persuadidos da conveniência de preencher uma tal lacuna, va-
mos encetar a publicação d"um diccionario de geographia uni-
versal, onde o homem de sciencia, o professor, o litterato, o es-
tudante, o simples curioso, o industrial ou commefciante, possam
ir buscar as indispensáveis indicações e subsidies que até agora
só lhe podiam ser ministrados pelas obras geographicas estrangei-
ras, as quaes, muitas vezes, eram insuíTicientes ou pouco exactas,
especialmente no que dizia respeito a
PORTUGAL E BRAZIL
Fructo de longas e laboriosas investigações, redigido por pes-
soas de superior intelligencia e incontestável probidade litteraria,
baseado não só nas publicações mais modernas sobre a especiali-
dade como também sobre valiosos trabalhos de estatística, de geo-
desia, e sobre documentos, relatórios e informações oíficiaes, a
nova publicação representa um progresso comparada com os mais
diccionarios até hoje publicados, e temos a convicção de que virá
a ser considerada pelos competentes como
O PRIMEIRO DICCIONARIO GEOSRAPHICO UNIVERSAL DA
ACTUALIDADE
CONDIÇÕES DA ASSIGNATURA
O DICCIONARIO DE GEOGRAPHIA UNIVERSAL é distribuído semanal-
mente em fascículos de 16 paginas, formato iu-folio com duas columnas, typo
miúdo, completamente novo, e papel da melhor qualidade.
Cada fascículo com a competente capa custa 100 réis.
LISBOA— Os assignantes deverão pagar ao distribuidor no acto da en-
trega.
PEOVINCIAS — As pessoas que quizerem subscrever deverão enviar
adiantadamente á administração da empreza a importância de dois ou mais
fascículos em estampilhas, ou vales do correio.
ESTRANGEIRO— A importância do fascículo accresce o porte do cor-
reio devendo os pagamentos serem feitos adiantadamente ás series de 25 fas-
cículos pelo menoè^ Para os Estados da União Geral dos Correios, 115 réis
cada fascículo, franco de porte.
Às remessas para as províncias e estrangeiro serão feitas regularmente
de dois em dois fascículos.
A obra constará de 100 fasciculos aproximadamente.
Assigua-se em Lisboa, no escriptorio da empreza, rua da Atalaya, 17, l-" —
e no Porto, na Livraria Universal de Magalhães (& Moniz, largo doa Loyos, 12.
EMPREZA HORAS ROMÂNTICAS
OBRAS PUBLICADAS:
OS CAVALL.EIROS DA NOITE, porPonson du Terrail— 3 vol. (edição esgotada) 1^500
OS HERDEIROS EAL.SOS, idem — 1 vol. (edição esgotada) ^400
AlffORES DE IiTTIZ XV, idem — 2 vol. com gravuras ^800
OS MASCARAS VERMELHAS, idem — 3 vol. com gravuras (edição esgotada) . 1^500
O REI MAliDITO, por Fernandez y Gonzalez — 5 vol. ornados com 44 gravuras . . 3j$400
OS SETE MORCEGOS, idem — 1 vol. cartonado com 4 gravuras ^600
A PRINCEZA DOS URSINOS, idem — 4 vol. com 24 gravuras 2^700
ÓDIO DE BOITRBONS, por D. Torquato Tarrago y Mateos — 3 vol. com 34 grav. . 2^200
CIÚMES DE TJMA RAINHA, idem— 4 vol. com 26 gravuras 2^400
O DEDO DE DEUS, idem — 3 vol. com 14 gravuras 1^800
AS GUERRILHAS DE JUAREZ, por Gustave Aimard — 1 vol. (formato grande) ^1400
O DIABO NA CORTE, por Ortega y Frias — 3 vol. com 27 gravuras 2^100
VIDA INFERNAL, por Emile Gaboriau — 3 vol. com 12 gravuras 1^500
DA PARTE D'EL-REI, por Cunha e Sá — 1 vol ; POO
DA PARTE DA RAINHA, idem - 1 vol ^(400
A GRAVURA DE MADEIRA EM PORTUGAL, por João Pedrozo — álbum de
26 gravuras 2^500
LISBOA NA RUA, por J. C. Machado — 1 vol. ornado com 23 grav. (ed. esgotada) , ^600
A GALERA CHANCELLOR, por Júlio Verne — 1 vol. com o retrato do auctor . ^íGOO
NO PRELO
AS TRAGEDIAS DE PARIZ, ppr Xavier de Montépin.
BIBLIOTHECA ILLUSTRADA DE INSTRUCGÂO E RECREIO
VIAGENS MARAVILHOSAS AOS MUNDOS CONHECID"OS E DESCONHECIDOS
POR JÚLIO VERNE
DA TERRA ALUA— (2.* edição), 1 vol. com 43 gravuras, brochado.. , .' . . ^900
Á RODA DA LUA (continuação da TERRA Á LUA) — (2.* edição) 1 volume com 44
gravuras, brochado )fií900
Á VOLTA DO MUNDO EM 80 DIAS — 1 vol. com 58 gravuras brochado. . . 1^000
AVENTURAS DO CAPITÃO HATTERAS:
1." parte: OS INGLEZES NO POLO NORTE — 1 vol. com 135 grav. brochado IjJlOO
2.* parte: O DESERTO DE GELO, 1 volume com 135 grav. brochado . . .
CINCO SEMANAS EM BALÃO — 1 volume com 76 gravuras, brochado. . .
AVENTURAS DE 3 RUSSOS E 3 INGLEZES — 1 vol. com 54 grav. br. .
VIAGEM AO CENTRO DA TERRA — 1 vol. com 55 grav. brochado . . .
OS FILHOS DO CAPITÃO GRANT :
1.^ parte: AMERICA DO SUL —1 vol. com 72 gravuras, brochado ....
2.'! parte : AUSTRÁLIA MERIDIONAL — 1 vol. com 54 grav. brochado.
3.* parte : OCEANO PACIFICO — 1 volume com 48 gravuras, brochado . .
VINTE MIL LEGOAS SUBMARINAS :
1.^ parto: O HOMEM DAS AGUAS — 1 volume com 51 gravuras, brochado
2.* parte : O FUNDO DO MAR — 1 volume com 60 gravuras, brochado . .
Encadernado em percalina e dourado na capa e por folhas
NO PRELO
A ILHA MYSTERIOSA, 1.^ parte.
1^100
Ij^lOO
^900
IjJOOO
1^100
1^100
1^100
1^1000
1(?100
1,^400
à venda, em Lisboa, no escriptorio da empreza, rua da Atalaya, 17—1." andar
No Porto, na livraria Universal de Magalhães &. Moniz— Largo dos Loyos, 12.
EDIÇÃO DE LUXO
ODOIROILLOSTRÂDO
ÁLBUM DO RIO DOURO E PAIZ VINHATEIRO
contendo:
isteodccçio histórica e descriptiva do paiz vinhateiro
descripção das principaes qlixtas e dos trabalhos vimcolas usados no douro
notj. sobre o commercio dos vinhos do porto, serviço e trabalho dos
armazéns e estatísticas commerciaes
REDIGIDO
PELO
VISCONDE DE YILLÂ MAIOR
REITOR DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
ACOMPANHADO DE UMA SERIE DE 2^ VISTAS DOS
SEGUINTES PONTOS:
Barca d' Alva
Quinta do Silho
Foz de Sabor e Valle de Villariça
Quinta do Vesúvio
Cachão da Valleira
Foz-Tua
Sitio de Roriz (casa de Dias Paes)
Quinta da Eoeda
9. Pinhão e Casal de Loivos
10. Noval (vista da casa)
11. Adega do Noval
12. Vista geral da quinta do Noval
13. Bateiras e quinta do Seixo
14. Val-Mór
15. Folgosa
16. Quinta da Romaneira
17- Regoa
18. Caldas do Moledo
19. Seromenha
20. Raiva e Barqueiros
21. Cadâo
22. Caldas de Aregos
23. Alfandega do Porto
24. Foz do Douro
TIRADAS PELO PHOTOGRAPHO J. LOUREIRO
DESENHADAS EM MADEIRA POR EMÍLIO PIMENTEL
GRAV.\DAS POR M. BADOIREAC E J. PEDROSO
DOUS MAPPAS
Impressos pelo systema da photoUthographia, tendo o maior 1"',10 de comprido e ©""jSO de largo, re-
presentando este o curso do rio Douro e suas margens, desde a fronteira até à Foz, com indicai^õet
dos pontos rápidos e diffíceis à navegar^ão, e o outro a antiga, circumscripc^ão do AUo-Douro.
DESENHADOS POR JOSÉ CARDOSO DE ARAÚJO FEYO
Com a Iraducção franceza de Léon lucotle e a tradacjão ingleza de Jorge C. Berkelej Coller
O DOURO ILLUSTRADO, dividido em 25 cadernetas, compôr-se-á de 200 paginas de tex-
to, aproximadampnte — 24 gravuras — e 2 mappas.
Cada cadprneta constará de 8 paginas de texto e uma gravura, nitidamente impressa», le-
vando a caderneta ultima os dous mappas.
A obra completa custará, por assignatura, õ^OOO réis.
A ENCADEKNAÇÃO SERÁ PAGA SEPARADAMENTE
MAGALHÃES à MONIZ — EDITORES
LIVRARIA DE MAGALHÃES & MONIZ— PORTO
JOÃO DE DEUS
FLORES DO CAMPO
2.^ EDIÇÃO
1 volume
FOLHAS SOLTAS
1 volume 600
PEDRO IVO
CONTOS
1 volume 500
O SELLO DA RODA
1 volume 500
THEOPHILO GAUTIER
MAGDALENA DE MAUPIN
1 volume 600
EDIÇÕES ILUSTRADAS
RAMALHO ORTIGÃO
BANHOS DE CALDAS E AGUAS MÍNERAES DE PORTUGAL
cos iO VISTAS E 3 DESE^^OS DE FAMASIA
1 volume líííOOO
AS PRAIAS DE PORTUGAL
COM 10 VISTAS E DESENHOS
1 volume í?5ÍOOO
LIVRARIA UNIVERSAL
DE
MAGALHÃES .V )IOMZ- EDITORES
12 — LARSO DOS LOYOS— 14
LIVROS PARA ENSINO
Guia dos exames de admissão, ou noções sobre arithraeti-
ca, systema metrico-decimal, chorographia portugueza,
historia de Portugal, doutrina christã e grammatica por-
tugueza ; seguidas de uma collecção de figuras para o
estudo do desenho, por Elias Fernandes Pereira, 4.*
edição. 1 vol -400
Elementos de desenho geométrico, elaborados conforme o
programma official para os candidatos ao magistério
primário e para servirem nas escolas d^instrucção pri-
maria, por J. G. Moreira, i vol 250
Exposição elementar do systema legal de medidas portu-
guezas, com graMiras elucidativas do texto, por Fran-
cisco António do Amaral Cirne Júnior e Patrício Theodo-
ro Alvares Ferreira. 1 vol 250
Methodo para aprender a ler, fallar e escrever a lingua
franceza em seis mezes, pelo Dr. H. G. OllendoríT; ar-
ranjado para uso dos portuguezes, por F. Adolpho Coe-
lho. 2.* edição, muito melhorada. 2 vol lóúOu
Tractado de pronuncia franceza, complemento do Methodo
OllendoríT, compilado por F. Adolpho Coelho. 1 vol... 400
Manual da historia da litteratura portugueza, desde as
suas origens até o presente, por Theopliilo Braga. 1 vol. 600
Doutrina do real. Catecismo para uso dos que não se con-
tentam cora palavras, por Prospero Pichard. precedido
de um prefacio por Mr. E. Littré. Traducção auctorisa-
da pelo auctor, i vol 400
Antologia Portugueza. Trechos selectos coordenados sob
classificação dos géneros litterarios precedidos de uma
Poética histórica portugueza, por Theophilo Braga, 1
vol 600
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MAGALHÃES^yá MONIZ
12 — LARGO DOSiíOYOS— 14
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visar-se para o ensino primário e secundaiúo
CARTAS GEOGRAPHICAS DE TODOS OS PAIZES
Sortimento variado de objectos de escriplorio
Os proprietários (l'esla livraria recebem assignaíiiras para lodos os jor-
naes polilicos, lilterarios, scienlificos, illuslrados, de modas, ele.
Encarregam-se de mandar vir, quer do paiz, quer do estrangeiro, qual-
quer encommenda com a máxima brevidade, d'onde recebem Iodas as publica-
ções mais recentes, á medida que vão sabindo.
Ill
•'-«J--